Algumas matérias que exercem grande influência
política ou social, seja através do debate oral ou na mídia, têm sido pautadas
e resolvidas pelo poder judiciário ao invés do Congresso Nacional e do poder
executivo. A esse fenômeno damos o nome de “judicialização”, que consiste em
uma transmissão de poder para juízes e tribunais. Esse ativismo judicial
decorre da necessidade de se atender as expectativas sociais, visto que o
Estado (sobretudo no pós-guerra) tem sido omisso quanto a ampliação do rol de
direitos sociais em função da ascensão do neoliberalismo. Sendo assim, o judiciário
toma para si a função de suprir a ausência do poder legislativo. O respaldo
normativo que embasa esse evento é o fato de que o juiz deve participar do processo
de criação de direitos, como afirma Barroso:
O
fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição
brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao
Supremo Tribunal Federal. (...)Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a
expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana,
direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações,
co-participantes do processo de criação do Direito.
As causas que levaram a ampliação da “judicialização”
são diversas, dentre elas destaca-se que a constituição de 1988 fez com que o judiciário
ganhasse mais poder político e autonomia para executar o controle de
constitucionalidade. Portanto cabe ao Supremo Tribunal Federal a função de
interpretar o texto constitucional, sobretudo no que importa as regras do jogo
democrático e na garantia de direitos fundamentais. Em função disso a decisão
judicial deverá estar em harmonia com a vontade social, desde que não atue a
favor da tirania da maioria (já que dessa forma poderia atuar contrário a
direitos fundamentais).
Tendo
em vista esse contexto, a ADI 4.277
traz como pauta uma temática amplamente discutida nos dias atuais que é o reconhecimento
de direitos na união homoafetiva. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar
Mendes e Cezar Peluso reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como
uma nova forma de entidade familiar. Vale
ressaltar a menção kelsiniana, presente no dado texto, a respeito da “norma geral
negativa” que diz o seguinte: “o que não estiver não estiver juridicamente
proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Para essas
autoridades, o fato da constituição de 1988 utilizar-se da expressão “família”
de forma genérica, não limitou a sua formação a casais heteroafetivos, sendo o reconhecimento
da união homoafetiva como entidade familiar retirada dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da vedação de
discriminações odiosas, da liberdade e da proteção à segurança jurídica. Em seu
voto, o Ministro Ayres Britto, afirma que o silêncio normativo age com respeito
a algo que, nos animais e nos seres humanos, consiste em uma prática instintiva
ou da natureza das coisas.
Ainda
em uma passagem celebre, o Ministro Ayres Britto, afirma que:
O fato histórico de que
nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal
preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a velha
postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto,
soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração.
Matheus Vital Freire dos Santos - 1º ano - Direito Noturno
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