Total de visualizações de página (desde out/2009)

sábado, 7 de novembro de 2015

Cada um por si e Deus contra todos...

Em tempos em que se discute a politização do judiciário, é fundamental resgatar as ideias de Boaventura de Sousa Santos acerca do caráter emancipatório do direito. Os que criticam a atuação do Supremo Tribunal Federal (e de outras instâncias do judiciário) e a batizam de “ativismo judicial” alegam que esse poder esta deslizando sobre competências que pertencem ao legislativo, considerando a tripartição de poderes que rege o país; há, entretanto, aqueles que defendem essa atuação, levando as últimas consequências o princípio constitucional que o STF é o “guardião da Constituição”.
Não usar o direito como ferramenta de emancipação seria ignorar seu caráter transformador; por outro lado, também não se pode ignorar seu aspecto conservador, já que, em certa medida, um de seus objetivos é a manutenção das instituições. De qualquer maneira, a atuação do judiciário não pode ser vista como a única forma de empregar o direito como ferramenta emancipatória – exemplo disso são as ações afirmativas.
É bem verdade que as eleições de 2014 formaram um legislativo excepcionalmente conservador, mas isso não muda o fato que lá trabalham os representantes do povo (apesar da representação comprometida que enxergamos) e um erro não justifica o outro: a resposta adequada para os problemas seria a reforma política de fato (não a que foi proposta no início do ano pelo Congresso), e não a atuação excessiva do judiciário. A partir do momento que o STF propõe-se a interpretar leis, ele retira a obrigação dos parlamentares de debaterem assuntos polêmicos (como as cotas raciais, a descriminalização da maconha e o financiamento de campanhas eleitorais) e, portanto, exaure a cidadania que pertence aos cidadãos.
A fim de alcançar um direito emancipatório, como propõe Boaventura de Sousa Santos, além de buscar soluções pertinentes a nossa realidade (e não mais remeter apenas as teorias de séculos passados), é fundamental que nos voltemos para as ações afirmativas – e não apelemos sempre para o poder judiciário. Na ADPF 186, o partido Democratas pede que o STF julgue a constitucionalidade das cotas raciais adotadas pela Universidade de Brasília.
Acertadamente, o STF decide pela constitucionalidade das cotas raciais, corroborando om derrubada do “fascismo territorial” teorizado por Boaventura, situação na qual as elites ocupam certos espaços que tornam-se inalcançáveis aos grupos que vivem a margem desses “privilégios” – que, no caso do educação, é, na verdade, um direito. O Supremo entendeu que as cotas raciais não ferem a igualdade formal, como alega o DEM, mas, pelo contrário, “prestigia o princípio da igualdade material”.
Boaventura trata das revoluções que sucedem entre o final do século XIX e o decorrer do século XX e que colocam em permanente confrontação duas perspectivas da dialética regulada: a regulação social e emancipação social. Num contexto que surgem os estados nacionais, nasce também a necessidade de frear vários aspectos do enorme fervilhamento social característico do período, ao mesmo tempo que aqueles não contemplados plenamente pelos avanços do Estado Liberal lutam por emancipação.
A questão das cotas raciais guarda em seu cerne o mesmo debate: de um lado, há a população negra que há séculos sofre com o racismo e com a exclusão independentemente de questões de classe (“A discriminação racial ou ética ocorre em conjunção com a discriminação de classe, mas não pode ser reduzida a esta e deve ser objeto de medidas específicas”, citando Boaventura); de outro, há uma elite que vê na universidade pública seu território particular e que enseja a manutenção das estruturas de poder e dominação.

A meritocracia e a igualdade formal são frequentemente invocadas por aqueles que se opõem as cotas; parece, entretanto, bastante perverso usar esses argumentos em contexto de tamanha diversidade. Para que a meritocracia – e a democracia – funcionem, pressupõe-se um mínimo de igualdade de oportunidades. A democracia não exige que todos sejam completamente iguais, mas que sejam tratados desigualmente em suas desigualdades.




Heloisa Areias
1º ano de Direito - Diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário