O Positivismo, corrente teórica desenvolvida pelo cientista Augusto Comte na obra “Sociologia”, está pautado na interpretação racional-científica da realidade social e no desenvolvimento de uma lógica com metodologia exata aplicada à sociedade, a fim de desenvolver a ciência social como instrumento de alcance do progresso e da ordem. No contexto da época, o Positivismo foi amplamente divulgado e fortalecido na Europa por seus apoiadores, entre eles John Stuart Mill, pensador responsável pela estruturação da teoria positivista junto a Comte. O crescimento do Positivismo alcançou o Brasil no final do século XIX, durante um momento histórico conturbado e alvo de muitas transformações sociais, econômicas e culturais.
Naquele momento, o regime monárquico brasileiro estava enfrentando uma crise. Intelectuais e políticos não se encontravam satisfeitos com a política de centralização de poder de D. Pedro II. Ainda que o parlamento e a Constituição existissem, as principais decisões estavam concentradas nas mãos do imperador, que inclusive tinha o poder para interferir nos ministérios e partidos. Enquanto isso, o exército tornava-se símbolo de ascensão social, e passava a ser almejado por jovens estudantes integrantes da aristocracia brasileira, que realizavam seus estudos na Europa e voltavam ao Brasil com ideias e teorias novas, uma delas, o Positivismo. Sendo um país “sem filosofia” à época, o Brasil abraçou o positivismo na busca por encontrar uma nova concepção de valores e condutas morais para a população brasileira daquele período.
Grandes nomes no Brasil juntaram-se à causa positivista, entre eles os escritores Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”, e Luís Pereira Barreto. Este último escreveu a obra “As Três Filosofias”, considerada o marco inicial do Positivismo Brasileiro.
Algumas ideias de Comte passaram por “adaptações” no país latino-americano, conforme à realidade vivenciada naquele período. Uma dessas alterações foi o posicionamento positivista brasileiro no que se referia à vacinação. Enquanto na Europa a vacinação foi vista como “inovadora” e fortalecida pelos positivistas, defensores dos avanços científicos, no Brasil, a situação foi um tanto quanto diferente.
Naquele período, o Rio de Janeiro enfrentava uma epidemia gravíssima de varíola, em razão das péssimas condições de saneamento básico na cidade. A região estava passando por uma tentativa de “modernização” do centro, para torná-la mais atrativa e parecida com o estilo das cidades europeias, porém, nesse processo, a população pobre, em sua maioria negra e descendente de escravizados, precisou sair de suas moradias e ocupar a periferia da cidade. Esse processo levou ao aumento exponencial de doenças e animais peçonhentos. Dessa forma, em 1902, quando nomeado Diretor Geral de Saúde Pública (o que, atualmente, corresponderia ao cargo de Ministro da Saúde), Oswaldo Cruz decidiu realizar o combate à varíola através da vacinação em massa — e forçada.
Apesar de a vacina antivariólica ser obrigatória desde 1846 para adultos, a lei jamais havia sido cumprida. Os instrumentos de aplicação da vacina, na época, eram lancetas metálicas, que realizavam cortes e escorriam o líquido para dentro da corrente sanguínea. O processo era longo e doloroso e, por isso, temido pela maior parte da população. Enquanto isso, o Positivismo Brasileiro estava no seu auge e, ironicamente, naquele momento, colocou-se contra a ciência, em razão da aplicação de medidas estatais de vacinação à força e de reclusão dos não-vacinados. Assim, a corrente positivista foi grande influenciadora da maior revolta urbana até então já vista no Rio de Janeiro: a Revolta da Vacina.
Ao trazer esse acontecimento para a realidade brasileira, podemos correlacionar a ação dos positivistas à época com o movimento anti-vacina brasileiro, o qual alcançou maior proporção a partir do ano de 2021, durante a pandemia de COVID-19. Essa é uma prova de como, na sociedade contemporânea, o Positivismo ainda vive e se renova todos os dias, especialmente dentro dos âmbitos tidos como intelectuais e de “elite”, por exemplo, os campos do Direito e da Saúde.
Conclui-se, portanto, que o pensamento de Augusto Comte tomou novas formas e encontrou na sociedade brasileira um terreno fértil para seu crescimento, sendo utilizado como base, hoje em dia, para movimentos que defendem “enxergar a sociedade com métodos exatos e dados científicos”, enquanto, na verdade, manipulam os fatos, a fim de defender um ideal de sociedade dominada e ocupada por grupos específicos.
Maria Vitória Silva - 1º ano de Direito (Noturno)
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