René
Descartes e Francis Bacon são importantes nomes entre os pressupostos
epistemológicos para a base do pensamento, encarados como essenciais para os
pilares da Ciência Moderna. Reivindicam para o homem a interpretação do mundo e
defendem uma ciência baseada no real, liberta de sentimentos e guiada pela
conexão da razão com a experiência. Procura-se, assim, o pensar orientado pela
observação e pela experiência, tendo como intuito uma ciência transformadora e
capaz de mudar o mundo.
Com base nessa concepção de ciência
moderna da qual fazem parte Descartes e Bacon, observa-se a presença de discussões
nas quais o simples posicionamento intuitivo desprovido de uma análise
realística se mostra insuficiente. A meritocracia, nesse sentido, se traduz, à
primeira vista, em uma forma tentadora de encarar a realidade social e
econômica de um país. Por definição, trata-se de um sistema segundo o qual a
sociedade é hierarquizada com base no mérito pessoal de cada indivíduo, ou
seja, é o poder do mérito considerando apenas o desempenho e esforço individual
como propulsores do sucesso. Com isso, a ideia de premiar aqueles que se
“esforçarem mais” ou tiverem mais talento parece, na teoria, lógica e coerente.
Isso, de acordo com os dois pensadores, seria uma consideração advinda da
razão, que levaria a crer na adequação desse sistema à dinâmica da sociedade.
No entanto, faz-se necessário
analisar se de fato esse conceito pode ser aplicado na realidade. Nesse
sentido, Descartes e Bacon defendiam um choque entre a razão e a experiência.
Apesar de a meritocracia aparentemente ser lógica, no caso brasileiro esconde
por trás de si uma complexidade que só pode ser compreendida ao conectar a
razão com a realidade. Surge o questionamento se essa dinâmica representa de
fato a realidade e se é possível afirmar que os indivíduos partem das mesmas
oportunidades, o que é feito por meio da observação e experiência. Como disse
Bacon, é preciso olhar o problema no país mais de perto, a fundo. Depreende-se
da realidade brasileira uma falsa percepção da lógica do merecimento, que passa
a ser questionável na medida em que não se pode pensar em um sistema baseado no
mérito pessoal numa sociedade marcada pela extrema desigualdade e em que as
condições não são as mesmas entre aqueles que almejam a realização pessoal. Bacon
defende a teoria de que os ídolos são obstrutores do conhecimento e da verdade,
são falsas percepções do mundo que impedem que a razão entre em choque com a
observação da realidade de maneira a desvirtuar-se de princípios pessoais já
consagrados. Descartes, nessa mesma linha, afirma que é preciso antes “vencer a
si próprio” para depois encarar o mundo e transformá-lo.
Torna-se claro, a exemplo da
situação brasileira, que falar de meritocracia é desconsiderar que as pessoas
não partem do mesmo lugar social e por isso não podem ser hierarquizadas exclusivamente
com base no esforço individual. Afinal, uma série de questões devem ser levadas
em conta para definir o sucesso de alguém, como a dificuldade em ter acesso a
uma educação de qualidade, problemas familiares, falta de oportunidades,
preconceito, dificuldades financeiras, entre outros. O discurso da
meritocracia, de certa forma, desresponsabiliza o Estado e transfere a culpa do
fracasso do indivíduo na sua falta de esforço pessoal. Um exemplo é a crítica
dos defensores da meritocracia à implantação de ações afirmativas, como as
cotas, na forma de reparação da desigualdade social e visando uma maior
diversidade no acesso ao ensino superior público. Acreditar que todos partem do
mesmo nível e que, portanto, deve-se considerar apenas o mérito individual de
cada um na busca pelo ingresso na faculdade é ignorar a realidade social e
histórica no Brasil que não permite que haja uma igualdade de oportunidades,
além da herança escravocrata refletida nas dificuldades da população negra em
se adaptar à sociedade.
Conclui-se, assim, que é possível
notar aplicações diretas de Descartes e Bacon, importantes nomes na formação da
Ciência Moderna, em questões cotidianas. A necessidade de conciliar a razão com
a experiência, defendida pelos pensadores, se traduz em exemplos práticos como
a discussão sobre a meritocracia no Brasil. Quanto a esse sistema que defende o
poder do mérito, torna-se claro que para que essa dinâmica de fato funcionasse
seria necessário que a desigualdade entre ricos e pobres fosse reduzida, o que
passaria pelo investimento público em educação de qualidade e programas de
ajuda às camadas menos favorecidas. Isso seria o ponto de partida para
considerar um discurso em que todos partissem da mesma condição visando o
sucesso pessoal.
Gustavo
Garutti Moreira – 1º ano Direito Matutino
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