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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A judicialização e a construção de um racionalismo material

     O caso analisado, referente à decisão judicial que autoriza o procedimento de alteração de gênero, em conjunto com as devidas mudanças requeridas em cartório, como o nome, é exemplo claro de como a judicialização pode preencher a lacuna existente entre as necessidades reais de grupos sociais e o dever-ser normativo positivado no sistema jurídico brasileiro. Tal descompasso entre realidade formal e material fora descrito por Max Weber, em sua obra "Economia e Sociedade".

     O exercício retórico que teve de ser efetuado pelo juiz Fernando Antônio de Lima, da comarca de Jales-SP, é apenas mais um exemplo da dificuldade do Direito brasileiro em ser evolutivo e coerente com as demandas sociais modernas, sendo dogmático no sentido estrito da palavra. As influências de uma sociedade conservadora e preconceituosa no ordenamento jurídico são evidentes na medida em que o legislativo se isola em seu racionalismo formal, não sendo permeável à dimensão fática pulsante dos movimentos sociais, cuja absorção no processo normativo seria essencial para a construção de um racionalismo material, ou seja, que atente às reais demandas da sociedade.

     A decisão estudada demonstra que o indivíduo que pleiteava o procedimento jurídico encontrava-se em um delicado processo de sofrimento psicológico, oriundo tanto de uma rejeição própria quanto da coerção pública, em uma clara demonstração de "fato social" que reprime as individualidades que não se enquadrem na moral preponderante. A necessidade da intervenção do SUS era clara, embora não se prestasse a realizar tais cirurgias, na medida em que o procedimento, caso realizado em uma clínica particular, teria um custo de 20 mil reais. A impossibilidade de pagar por tal operação é análoga a de vários brasileiros que acionam a justiça com o intuito de conseguir o custeio público de remédios caros, necessários para seu tratamento. Como a questão de gênero e suas implicações psicológicas não são superficiais, mas sim determinantes de uma vida digna, o Estado teria que fornecer a quantia ou o procedimento.

     Seu caso particular representa a situação de todo um segmento social que encontra tremenda dificuldade em tornar realizável suas necessidades, principalmente pela não previsão legal de seus pleitos. De tal forma, a judicialização de tais pedidos, em conjunto com uma jurisprudência favorável, são essenciais, sendo seu único modo de concretização.

     No entanto, a judicialização não substitui a ação do Executivo e do Legislativo em formalizar tais reivindicações sociais em leis; a positivação é essencial para dar garantias institucionais ao direito adquirido bem como ser o símbolo da conquista de um movimento. Até lá, entretanto, a ativa intervenção judicial tem o potencial de ser o elo entre formalismos formal e material. As decisões dos magistrados vêm contribuindo com a construção de uma forte jurisprudência, conseguindo assim, como um movimento de vanguarda, a lenta mutação de um Direito brasileiro estático em um Direito como emancipador social e elemento de transformação.

Lucas Laprano - 1º Ano Noturno, Turma XXXI
   

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