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domingo, 20 de agosto de 2017

The Mother´s Will

   O sol estava forte e escaldante. O ponteiro do relógio de pulso marcava 15:17 e o dono do pulso se movimentava rapidamente em direção ao banco. Olhares tortos o fitavam enquanto vozes surdas murmuravam, passando pelo guarda-chuva em sua mão direita. Sentia-se inacreditavelmente estúpido por ter dado ouvidos à esposa que dissera-lhe que iria chover. O terno acumulava um calor insuportável e a gravata o enforcava. Mas agora já não mais importava. Estava passada a metade do caminho e se não continuasse a se mover rapidamente chegaria atrasado.
    Dobrou duas esquinas e vislumbrou o parque. Estava próximo. Viu, displicentemente, um carrinho de sorvetes cercado por crianças e sentiu o ressoar do sino. Sem gastar tempo com futilidades continuou o movimento rápido cruzando-o em direção a seu destino. Estava no centro do parque, quando ouviu um barulho seco, seguido por um grito úmido. Olhou ao redor, mas não era capaz de distinguir os fatos em meio à confusão. Atirou-se ao chão e buscou abrigo sob um banco de madeira enquanto os tiros se intensificavam. Estava tudo barulhento demais e o caos havia se instaurado. Em meio a toda aquela confusão, somente uma coisa passava pela cabeça de Mike... “definitivamente chegaria atrasado”.
    Passados alguns minutos, ouviu o silêncio. Ergueu os olhos e viu que a confusão se dissipara. Pôs-se novamente em pé no centro do campo de batalha, checou o relógio e correu até se deparar com um obstáculo em seu caminho. Um corpo pequeno, de pés nus, e um sorvete sabor sangue.
    Ficou parado, sem saber o que fazer e sem saber o que pensar. Não que fosse a primeira vez (nunca era), mas jamais sabia como lidar com o fato, não importava quantas vezes se repetisse. “Que espécie de sociedade era aquela? ”. Não sabia responder. Agora que parava para pensar, não havia muita coisa que soubesse responder. Sabia onde ia e sabia que tinha que chegar, mas não sabia o porquê. Sabia, logicamente, que precisava daquele emprego, e chegar atrasado à entrevista não ajudaria, mas “porque precisava do emprego? ”. Um corpo jazia em sua frente e “tudo se resumia a dinheiro? ”. Mike não era assim. Se importava com a curta vida, sem tempo suficiente para ter sido vivida, que se perdia à medida que a poça de sangue aumentava e o sorvete derretia. “Até que ponto dinheiro valeria mais que a própria vida? ”... “Droga! ”. Precisava chegar ao banco. Era imposto a ele. Precisava do emprego, precisava do dinheiro... precisava fazer parte do sistema. A vontade da Sociedade era infinitamente maior do que a dele, e Mike era uma engrenagem que precisava funcionar. Se chegasse atrasado, não conseguiria o emprego, e sem o emprego seria punido. As leis da Deusa Sociedade eram implacáveis e suas sanções atrozes. Precisava ceder ao seu caráter coercitivo... precisava ser aceito.
    Afastou de si toda aquela idiotice reflexiva existencialista e se pôs, novamente, em movimento. “Todo mundo sabe que pensar é inútil. Quanta idiotice.... Onde eu estava com a cabeça? ”. Terminou de cruzar o parque e avistou o banco, aguardando no final da rua. “Gastei tempo demais com essas bobagens. Tempo é dinheiro...”. Pensava enquanto checava o relógio, agora trincado. “Todos sabem que pensamentos individuais são execráveis. Além de dolorosos e a mais completa perda de tempo. Sem mencionar pecaminosos... Que a Deusa me perdoe! ”. “E que seja feita a vontade de nossa Mãe Sociedade! ”...
    Mike sentiu um vento frio após pronunciar as últimas palavras. Olhou ao redor e percebeu olhos tortos julgando e vozes surdas murmurando. Buscou ajuda no braço direito, mas percebeu que estava vazio. “Devo tê-lo deixado cair no parque”. O terno emprestado, agora estava ensopado e não mais somente a gravata enforcava.
    A chuva caia e molhava um homem parado em frente a um banco, fuzilado por olhares de desaprovação. A água lavava uma poça de sangue e um sorvete derretido, contaminado por sua vermelhidão. A Sociedade se banhava indiferente aos indivíduos. Nada importava. O céu desabava...

Abner Santana de Oliveira- 1º Ano, Direito Noturno.

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