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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Emancipação por meio da omissão da lei

 Ao adotar o sistema romano-germânico, também conhecido como Civil Law, o Brasil estabeleceu regras objetivas com o intuito de reger o máximo possível da vida cotidiana. O grande problema é que essas regras são fruto do pensamento humano e, como tal, possuem falhas que podem ser horrendas, como as lacunas ou interpretação ambígua. Não obstante isso, o Direito brasileiro foi pensado de forma a agradar as classes dominantes na época pós-regime militar, composta de uma classe média ascendente e de uma elite econômica com ideais neoliberais.
 O resultado foram códigos que padronizavam a vida em sociedade em letra de lei, mas que na prática são incapazes de lidar com a realidade plural da sociedade brasileira, de modo que boa parte do país está na informalidade, e outra boa parcela sofre com necessidades que não foram previstas no ordenamento jurídico, como foi o caso de um transsexual cujo processo para custeio estatal da cirurgia de transgenitalização e que foi julgado em Jales, SP, com decisão judicial favorável.
 O juiz responsável teve a astúcia de utilizar da própria mentalidade conservadora para permitir o progresso. Como o transsexualismo é considerado uma patologia social, logo, passível de análise médica e psicológica, se encaixou no artigo 13º do Código Civil*, que diz que por exigência médica pode-se perder a disposição do próprio corpo, mesmo se acarretar diminução de capacidade física ou contrariar os bons costumes e no caso, contrariou os chamados bons costumes. O juiz disse ser o transsexualismo uma questão interior da pessoa, e não uma patologia, pois não pode se considerar desvio algo que é inerente a uma determinada pessoa e sua mentalidade, apoiando a decisão do transsexual, mas usou da classificação patológica para ajudar o indivíduo. A mobilização do juiz foi sagaz porquê aqueles que são tidos como os guardiões da moral e dos bons costumes são completamente contra os direitos de liberdade sexual e fazem tudo na medida do possível para evitar que se concretizem tais direitos; portanto, ao usar da denominação da transsexualidade como patologia e encaixá-la no artigo 13º, o juiz foi capaz de fornecer a "cura" da "patologia" que o indivíduo "possuía", usando do mesmo sistema que impossibilitaria o indivíduo de realizar a transgenitalização e de não ser tido como um doente, ele realizou a vontade do indivíduo por vias que normalmente não estariam abertas a tal vontade.


 O uso do Direito como ferramenta emancipatória nesse caso é evidente e mostra que as lacunas na lei podem ser preenchidas de modo a fornecer melhor qualidade de vida para os cidadãos brasileiros. O ideal seria a alteração das leis de modo a essa manipulação realizada pelo juiz estar prevista nelas e não sejam esses indivíduos desamparados do Estado, e acima de tudo, reconhecidos como normais com uma mentalidade diferente. Não que os defensores da moral e dos bons costumes não tenham sua lógica, mas que não seja essa lógica limitante de um Direito que pode ser muito mais e alcançar problemas existentes e até mesmo prever os que ainda virão, coisa que não é fácil se os códigos continuarem petrificados em face às novas difusões sociais.
*Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Giovanny Pizzol da Silva - 1º ano Direito Diurno

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