No filme Código de Conduta é facilmente observável a oposição entre o que é possível ser feito pelo operador do direito, o promotor Nick e o que é clamor das ruas, ou clamor das paixões, tendo isso personificado no vilão Clyde. O vilão, anteriormente vítima em sua própria casa tendo que assistir filha e mulher assassinadas, revolta-se contra o acordo feito pelo promotor com um dos assassinos e então usa toda sua cólera contra o Estado, cometendo diversos crimes incluindo assassinatos dos assassinos de suas familiares e de inocentes também.
Clyde é a clara personificação da ânsia popular por justiça. Muitas vezes o clamor das ruas pede esse tipo de reação contra certos crimes, punições exemplares e dolorosas para que o criminoso "sinta na pele" a dor que causou. Dentre as paixões que movem o direito e podem inclusive ser benéficas, essa é claramente a doentia. Não analisar os contextos, exigir que o direito cause sofrimento e não seja instrumento de reinclusão é comum acontecer e faz mal para a prática do direito já que vai contra os ideais pelo qual ele é movido e praticado atualmente. Exemplo disso é o caso do Ônibus 174 no Rio de Janeiro há anos atrás, quando a população só foi entender o contexto do jovem criminoso com o filme "Última Parada 174", mas à época dos acontecimentos queria pena de morte para Sandro.
O filme é expressão realista da atual necessidade do direito de conciliar a "arte do possível" e o clamor das ruas. Movido por razão e emoção, o direito vive essa necessidade de conciliar a razão e o possível com as emoções e a pressão popular. Entretanto, além disso, o filme toca em certos pontos sobre os mesmos tópicos.
No direito e na vida pode sim ser desnecessário tentar fazer o impossível. Mas o filme, no caso Clyde, deixa em aberto a questão de quando é realmente impossível e quando vale a pena fazer o "possível" da ótica de alguém. Se o objetivo principal do direito é fazer a justiça, certos acordos podem ir de encontro com isso e a questão da possibilidade pode ser bem relativa. Às vezes tentar o impossível faz parte da vida e chega a ser necessidade para conseguir certos objetivos, ou será que a justiça é realmente fácil de ser alcançada sempre "dentro das possibilidades"? E além do mais, quando vencer significa fazer justiça? O promotor Nick claramente acredita que sua justiça é a vitória e exalta sua eficácia. Entretanto, a justiça só vem com a condenação e ela deve ser obtida a qualquer custo?
Outro ponto é quando o clamor das ruas deixa de ser algo que possa ser somado, mas torna-se extremamente negativo e ainda mais, quando esse clamor chega a se tornar criminoso. É a já conhecida questão de violência não se resolver com mais violência. Então quando a vontade popular pede medidas extremas, até violentas, é realmente forma racional de se resolver?
Essas são questões que não me atrevo a tentar responder de forma universal, pois são questões que atormentam o direito atualmente e que nem os grandes juristas e pensadores conseguem dar resposta definitiva. Nem a conciliação de paixões e razão é unanimidade.
Viver entre o possível e o clamor das ruas é realmente difícil, mas é preciso. Portanto, cabe aos praticantes do direito, aqueles que o exercitam no meio a tanta pressão e dificuldade tentarem praticar com o máximo de prudência possível para que essas perguntas sem respostas não cresçam ao ponto de significarem risco para a própria existência do Direito.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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