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quarta-feira, 29 de maio de 2024

O Direito como anel redutor da pressão dos ditames do Capital contra o proletariado

Há quase cinco anos, em 2019, foi lançado um documentário denominado “Vidas entregues”. Um curta-metragem que traz à tona uma discussão sobre as condições precárias às quais são submetidos os entregadores de aplicativo, que vão desde “salários” baixos até a ausência de qualquer amparo legal - sem carteira assinada, não têm salário fixo, 13º, FGTS nem qualquer convênio de saúde. A produção acompanha depoimentos de diferentes pessoas de todos os gêneros, idades, qualificações, que, desempregadas, viram nas entregas por aplicativo uma alternativa de sustento, mas acabaram amarradas a um sistema às margens dos direitos trabalhistas, ficando à própria sorte, vivendo um dia por vez, uma entrega de cada vez. Em determinado ponto, é relatado, por exemplo, que em caso de acidente de trânsito – ainda que decorrente da atividade laboral - os trabalhadores desse grupo não têm direito a seguro e, cessada a principal fonte de renda, as famílias deparam-se com situações financeiramente delicadas. Além disso, caso a entrega não se concretizasse, muitos apps transferiam os custos para o entregador, que agora vê suas taxas utilizadas para pagar o prejuízo da empresa. Uma demonstração simples e fática do instituto predatório das “inovações” trabalhistas de nosso tempo, que asfixiam o lado mais hipossuficiente das relações de trabalho.

Entretanto, destaca-se que esse cenário não é exclusivo do setor de delivery, pelo contrário. A precarização do trabalho tem sido a regra adotada pelo sistema na contemporaneidade para potencializar os lucros (uberização, pejotização, etc), a qualquer custo – a ser pago exclusiva, indiscriminada e impositivamente pelo proletariado. Nesse sentido, para legitimar as arbitrariedades dessa conduta, propagou-se, inclusive nas camadas sociais mais pobres, a bandeira “Menos direitos e mais empregos” – que mais tarde, para olhares mais críticos, viria a revelar a verdadeira intenção por detrás desse “grito”, bem como de onde provinham as vozes que inicialmente pregavam esse discurso. A campanha massiva conta os direitos trabalhistas logrou em colocar (ou no mínimo assegurar a passividade) o Brasil em índices altíssimos de Desemprego Crônico – somados desempregados e empregados informais, este último cada vez mais adotado no mercado profissional, o país atingiu uma taxa de quase metade de sua população produtiva.

Nesses termos, nas palavras de Wood (2007) “os trabalhadores despossuídos da propriedade de seus meios de produção estão forçados a vender sua força de trabalho por um salário para conseguir acessar a ditos médios e procurar sua subsistência”. Isso significaria dizer que, transpondo para a situação trabalhista atual, os trabalhadores não têm a “opção” de não trabalhar sob tais circunstâncias, pois uma vez alienados dos processos de produção e não detendo os recursos básicos de subsistência – estes apoderados pelo capital - não têm escolha senão a de se sujeitarem às condições preestabelecidas pela classe economicamente dominante para conseguirem, muitas vezes, somente o necessário para sobreviverem.

À vista disso, em um sistema voltado à infinita maximização e acumulação de Capital, “Toda prática humana que possa ser convertida em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático” (WOOD, 2007), por conseguinte, inclusive e principalmente, os meios inerentes à sobrevivência dos indivíduos tornaram-se mais uma oportunidade de lucro e exploração. A exemplo disso podemos citar a questão da moradia, a qual tem saído cada vez mais cara na conta da população mais vulnerável, reflexos de processos de especulação imobiliária agressiva e gentrificação. Vale destacar que, na medida em que uma pessoa não possui autonomia sobre as condições materiais (moradia, alimento, etc), mais suscetível esta fica à pressão exercida pelos tentáculos do sistema, que as sufoca e espremem até que a última gota de vitalidade seja extraída.

Assim, população fica à mercê de empregos em situações precárias e draconianas, distanciadas de quaisquer garantias ou proteção dos direitos básicos da categoria, sentindo na pele o sofrimento e impotência, sem enxergar claramente, contudo, de onde estão partindo “os socos”. Esse cenário torna-se duplamente preocupante, pois, uma vez que imersa no individualismo e consumismo propagado pelo próprio sistema que a subjuga, a população mais pobre torna-se apolitizada. Ocupadas demais em tentar sobreviver nessa rede selvagem de dominação e exploração degenerada, as pessoas acabam vulneráveis, ainda, aos discursos de ódio da extrema direita, alienando-se socialmente. Como resultado, surgem dificuldades na mobilização e formação de identidade coletiva e uníssona.

Ante o exposto, considerando que as próprias desigualdades representam relações assimétricas de poder, verifica-se necessário, para além do capital e dos discursos políticos, analisar uma técnica de atuação na busca de uma conexão/vinculação estratégica entre o Direito e as ações sociais. É preciso enxergar o Direito como um meio de luta útil, uma importante ferramenta de resistência contra a fragilização do trabalho.  Contudo, não seria proveitoso considerar o Direito única e exclusivamente como o conjunto de normas (positivado), em lugar disso, deve-se pensar no direito difuso, aquele que permeia as camadas sociais na forma de um direito versátil e compreensível que seja propagado e difundido nos grupos de resistência e nas ações políticas, visando mudanças sociais, efetivação de direitos e conquista de novos ou, minimamente, estancar os prejuízos oriundos dos esquemas trabalhistas discricionários do sistema econômico.

 

RUTH F. O. SILVA

1º Ano de Direito - Noturno  

 

REFERÊNCIA:

WOOD, Ellen Meiksins. Capitalismo e democracia. In: BORON, Atilio A. et al (comp.). A teoria marxista hoje Problemas e perspectivas. Buenos Aires: Clacso, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2007. p. 418 e 423. Disponível em: https://biblioteca-repositorio.clacso.edu.ar/handle/CLACSO/14505. Acesso em: 28 maio 2024.

 

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