Quem define o que é vida? Em outras palavras, quem tem legitimidade e soberania para dar o conceito de quando a vida se inicia? O direito possui uma eficácia simbólica, que se dá através de sua postura universal e sua rígida racionalização do corpo de regras jurídicas. Quanto a legitimidade, esta ciência social opera por meio da teologia do racional, no qual a revelação do justo se daria através do que está positivado na lei. Apesar desta aparente autonomia do direito, o direito não é um sistema fechado e independente de seu entorno. Muito pelo contrário, pois ele está sujeito as pressões sociais. Mesmo tendo a violência simbólica – que significa que, enquanto norma positivada e legitima, sua hierarquia é superior ao do povo – o direito deve estar ancorado dentro do espaço do possível. De modo a respeitar a dinâmica de funcionamento da sociedade, incluído nisto o movimento acíclico da vontade da população.
Para o direito, a maior primazia é a vida, por este motivo a questão sobre aborto de anencefálicos é tão capciosa. Na ADPF 54, Barroso diz que só se trata de aborto quando envolve a vida extrauterina em potencial. No caso de anencefálicos, a vida cerebral é somente vegetativa, somente existindo vida visceral.
Os argumentos usados pelo STF para descriminalizar o aborto de anencefálicos se baseiam nos danos psíquicos, emocionais e físicos que a gestante de tal feto sofre. Exemplo disto é a maior variação de hipertensão, além do risco 8 vezes maior de desenvolver depressão (dados da federação de ginecologia e obstetrícia).
É salutar ressaltar que esta antecipação terapêutica do parto de anencefálicos não é porque a gravidez não é desejada, mas porque a vida é inviável.
O direito possui uma dupla lógica, segundo Bordieu. Isto porque ele é influenciado pelos conflitos sociais, ao mesmo tempo que tem que lidar com seus conflitos internos, devido a rígida hierarquia do direito. Diante disto, Ricardo Lewandowski crítica a ação do STF de alterar os conteúdos normativos dos artigos 124, 126 e 128 do código penal. Na verdade, cabe ao legislativo - por possuir esta violência simbólica sobre o judiciários, de ter a função de criar o direito positivo - reger os conflitos sociais e o que eles demandam do direito.
No entanto, a interpretação das normas deve passar pelo filtro do espaço do possível. Assim, pelo fato do direito não ser autopoiético, ele é regido pelo fato social. Portanto, acredito que caiba uma compreensão sociológica que permita a antecipação terapêutica do parto. Assim como também creio ser razoável a historicização da norma do código penal a favor deste "aborto".
Érika Neri Duarte.
1º ano - Direito - matutino
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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