Em certo momento, no primeiro capítulo da obra
‘’A Corrosão do Caráter’’, de Richard Sennett, o personagem Rico expõe que enfrentou
uma crise, e que teve de tomar uma decisão. Essa ‘’crise’’ é o fato de ter sido
demitido da empresa em que trabalhava, a qual estava realizando um ‘’enxugamento
das operações’’.
Fato interessante, e apontado pelo
autor, foi a escolha de palavras que o homem utilizou para descrever a
situação; Rico não falou ‘’fui demitido’’, mas, sim, ‘’enfrentei uma crise’’.
Esse afastamento que o personagem coloca entre a relação dele com a empresa
demonstra um sentimento de culpa por parte de Rico em ter sido desligado da
firma. Ele não achava injusto os cortes que a empresa fazia, entendia, mesmo
que não de forma consciente, que a fluidez do mercado e a demanda por mais e
mais capital era algo comum ao sistema em que estava inserido.
‘’Fiz minhas próprias opções; assumo
toda a responsabilidade por tantas mudanças’’. Essa foi a fala de Rico sobre a
decisão que teve de tomar quando foi demitido. Aqui, há a percepção – por parte
de Rico – de que o único culpado por seus rumos é ele mesmo, a ideia de ser o autor
de sua vida. No sistema capitalista, há a tendência de culpabilizar o indivíduo
singular por todos os rumos que a vida desse ser humano possa tomar. Ignora-se todas
as bases, estruturações, oportunidades e situações pelas quais a vida daquela
pessoa estava circunscrita. Denominam a conquista daquilo de melhor que o novo
capitalismo pode oferecer de mérito
próprio, e toda a não-conquista, fracasso.
Mesmo tendo em muito ascendido
socialmente em relação a situação socioeconômica de seu pai e ser um ‘’exemplo’’
aos outros – como o capitalismo gosta de propagandear – Rico demonstra culpa
pelas situações de sua vida, acaba assumindo uma culpa pela instabilidade que o próprio sistema causa. Os sentimentos constantes de culpa e fracasso permeiam
o psicológico de muitos dos indivíduos que vivem o novo capitalismo: a vida estável e ideal que ‘’todos’’ são capazes de alcançar praticamente nunca é
atingida. A falácia de que todos são capazes de viverem felizes e confortavelmente e de terem objetos materiais (muitas vezes completamente supérfluos, mas que se tornam
necessários para a inserção do indivíduo no sistema), se derem o seu melhor
trabalhando arduamente, acaba por criar a ideia do ‘’eu, autor; merecedor ou perdedor’’. É essa ideia que cria, em
muitos, aquela sensação constante de culpa e de estarem falhando. Os ideais
capitalistas sobre ser perdedor são
cruéis: você, indivíduo, só não atingiu
determinado objetivo porque não deu tudo de si, você é o único culpado, você
fracassou. Você é uma vergonha para
si e para os outros. Fracassado.
Não é por acaso que o século XXI é
permeado pelos fenômenos sociais da depressão, da ansiedade e do suicídio. A
cobrança para ser ‘’superador’’ de todos os obstáculos, para ser um vencedor, é absurdamente pesada e constante. A
individualização da culpa gera insatisfação e decepção com si mesmo.
TEMA 5: Enxugamento das operações das empresas, Rico e sua forma de lidar com as consequências ''Assumir responsabilidade por si mesmo'', fenômeno social do fracasso?
Anielly Schiavinato Leite
1° ano - direito noturno
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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