Descartes foi um filósofo.
Filósofo é quem é capaz de pensar o mundo exterior e a si mesmo.
Filosofia é como trocar a lâmpada do teto. Você pega uma escada, a posiciona e começa a subida. Desenrosca a lâmpada velha e começa a parafusar a lâmpada funcional. Faltando apenas meia volta para que o serviço seja concluído, você cai da escada e quebra as duas lâmpadas juntamente com três das suas vinte e quatro costelas. Para aqueles que não entenderam essa excelentíssima metáfora: filosofia é resolver problemas e, no caminho, causar vários outros.
As pessoas de modo geral lidam muito bem com os "és" - matemática é isso, dialética é aquilo, arroz é tal coisa, o certo e o errado... - tudo aquilo que pode ser definido de forma a não criar conflitos de opiniões ou divergências ideológicas, aceitam como verdades absolutas e ponto. As interações sociais, amplificadas numa escala global pela tecnologia (salvo aqueles bilhões de pessoas que não têm acesso à internet) mostram que há uma incapacidade inerente ao ser humano em saber ouvir o outro - mas vou além e afirmo que o homem tem uma incapacidade ainda maior em lidar consigo mesmo e, por isso, canalisa essa pulsão para o exterior (ao outro, ao partido político, às relações afetivas,...).
E onde entra Descartes nessa história? Calma, chegarei lá.
Bom, quem pode realmente afirmar como era a filosofia na Grécia Antiga? Em rigor, ninguém. Mas como tudo é uma construção, tomemos por verdade que lá na época dos deuses do Olimpo a filosofia encarregava-se de estudar tudo: biologia, física, medicina, direito e outras atividades do pensar. Note que aquilo que conhecemos por engenharia não faria o menor sentido naquela época. Na realidade, seria muito difícil encontrar algum conhecimento atual que seria semelhante ao conhecimento grego, pois a forma de se produzir ciência se alterou e, na modernidade, é preciso que essa ciência corresponda a um fim prático. Afinal de contas, o que é a engenharia senão a arte em manipular o conhecimento racional e científico em prol do lucro? E para falarmos em lucro temos que falar em capitalismo que, por sua vez, surge com a consolidação da influência burguesa, mas esta origina-se bem antes do fim da chamada Idade Média. Dentro desse contexto, há uma brusca transformação do modus operandi daquela época que dará origem ao pensamento moderno. E, pasmem, isso é influência cartesiana. Foi Descartes quem propôs um fim prático para o conhecimento e, além disso, um modo objetivo de se enxergar o mundo - deveríamos abandonar o misticísmo, conhecimentos duvidosos e tomar cuidado com as decisões baseadas no emocional. Mas, se Descartes dissesse apenas essas afirmações, ele estaria longe de ser um filósofo - seria no máximo um matématico. O que tornou-o um filósofo foi ter esbarrado com vários problemas, dentre eles a impossibilidade em se obter determinadas respostas. Descartes não conseguiu encontrar uma explicação "mais racional" (perdão pelo termo) para a capacidade de pensar humana que não seja uma vontade superior, divina. Aliás, por mais racional que um conhecimento seja produzido, em determinado momento concluir-se-á de que não será possível obter uma resposta satisfatoriamente lógica - a essência da matemática está em axiomas que não se podem provar; a mecânica quântica contradiz a física tradicional newtoniana - e é preciso admitir que o homem não tem respostas para tudo. Mas a falta de respostas gera um desconforto tão grande que é prefirível afirmar loucuras a admitir as incertezas, talvez algum psicanalista saiba explicar um porquê, mas isso não diminuiria a aversão à dúvida. É por isso que o homem, em sua maior parte do tempo, está totalmente despreocupado de ser racional para simplemente reafirmar suas próprias crenças e não "perder seu chão". Por isso discussões de internet não dão em lugar nenhum, porque nenhum dos lados se dispõem à ideia do outro.
Em suma, sim, Descartes causou uma mudança na estrutura das relações humanas e o modo como interagimos com o meio. No entanto, a natureza humana é sedenta por aquilo que não se pode provar, desde que apresentada como verdade, nós amamos a mágica e raramente ficamos contentes ao descobrir como ela é feita.
- Pedro Guilherme Tolvo, primeiro ano de direito, noturno.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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