A história é feita de sucessivos contrastes. Novos fatores vão progressivamente ganhando espaço num contexto até desconfigurá-lo e compor uma nova realidade. Nessa lógica se deu a transição do mundo feudal para o capitalista. O primeiro sustentado pelo encantamento: a fé, o mítico, o sobrenatural. A glória era transcendental, e não mundana. O outro, em oposição, se estruturou sobre o racional, a ciência, o cálculo, a técnica. O homem foi posto no centro e a vida mundana adquiriu maior destaque. A ponte entre esses dois mundos, o caminho percorrido para que se configurasse uma realidade tão diferente da anterior, tem um nome: racionalização. Esta configura o processo de retirada do manto dogmático que cobria todas as esferas da vida e apontamento da capacidade cognitiva do homem como meio de explicação dos fatos.
Assim, tendo as esferas que compunham a realidade medieval passado por tal processo de racionalização, em relação à fé, principal delas, não poderia ter sido diferente. Nesse ponto, destaca-se, então, a reforma protestante. A forte ligação entre a ética protestante e o espírito capitalista é apontada e analisada pelo autor alemão Max Weber. Quanto a ele, cabe aqui um parêntesis: aponta que a realidade social é formada por infinitos nexos causais, ou seja, é fruto de uma série de fatores combinados; diante da impossibilidade de analisá-los em sua totalidade, o sociólogo destaca os aspectos que julga serem mais relevantes. Nesse sentido, Weber aponta a reforma protestante como o fator decisivo para o surgimento da lógica capitalista. Assim, o capitalismo é, de forma bem simplista, fruto da racionalização da fé.
Em sentido contrário ao que até então era pregado pela igreja católica, o trabalho passou a constituir o mais alto instrumento de ascese e a representar a própria finalidade da vida. A riqueza passa a ser o empreendimento de um dever vocacional, não só moralmente permitida como recomendada. E a oportunidade do lucro passa a ser vista como uma disposição de Deus, um chamado que deve ser aproveitado com o propósito de cumprir a própria vocação. De acordo com a mentalidade ascética, quanto maiores as posses, maior a responsabilidade de conservá-las e aumentá-las por meio de fatigável trabalho para a glória de Deus. E é aí que a fé se liga à razão e aos princípios capitalistas.
Logo, se como afirmei, a racionalização é a ponte que marca a passagem do mundo feudal para o capitalista, o trabalho como vocação, o ascetismo mundano, a vida frugal e a austeridade - princípios do protestantismo - são seus tijolos, que foram colocados pouco a pouco, fazendo a ponte se estender até atingir o momento seguinte - na ordem cronológica - a realidade capitalista.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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