domingo, 21 de novembro de 2021

A mobilização do direito como estratégia para a comunidade LGBTQIA+

 

A mobilização do direito se revela na visão de McCann como as ações dos sujeitos, grupos ou organizações que buscam alcançar a realização de seus direitos e valores através do Poder Judiciário, desta maneira, o protagonismo dos tribunais se desfoca para evidenciar o recurso utilizado pelos usuários, uma estratégia para reivindicar ou afirmar sua posição política e social perante a sociedade, usando a demanda jurídica como ferramenta para modelar seus direitos.

            Os sujeitos sociais são os verdadeiros responsáveis ensejadores das disputas nos tribunais, são estes que se utilizam da consciência jurídica para expressar o poder social, dizer seu papel na sociedade, exigir o reconhecimento e proteção de seus grupos através do instrumento jurídico, caracterizando desta forma, pequenos atos revolucionários que irão refletir no ordenamento jurídico através das leis conquistadas pelos movimentos sociais.

            Nesta perspectiva, podemos entender que o tribunal é mais um ator no complexo das relações de poder, que juntamente com as ações coletivas auxilia no desenvolvimento de novos direitos para determinado grupo, minoria e vulneráveis, e, até mesmo, para ausentes.

            Recentemente, o Supremo Tribunal Federal debateu por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO nº 26, a criminalização da homofobia levantada pelo Partido Popular Socialista – PPS, o qual relatou a mora do Poder Legislativo ao tratar das ofensas e incontáveis casos de violência que este grupo sofre constantemente pela sua orientação sexual, incumbindo a Corte atuar em sua função contramajoritária para impor ao Congresso Nacional a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia¹.

            As condutas que instiguem o preconceito e a discriminação traduzem uma violação dos direitos e das liberdades fundamentais da comunidade LGBTQIA+, comportamentos vedados pela Constituição Federal, neste sentido, a instituição judicial compreende a estratégia empregada pela comunidade fazer valer seus direitos, utilizando este acesso para exercerem a democracia e superar a omissão inconstitucional.

            A expansão das ações judiciais permite de certo modo, que os sujeitos sociais sejam ouvidos em suas demandas frente ao atraso da positivação das leis, pois o poder constitutivo da lei não alcança os múltiplos interesses do corpo social.

 

¹ BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, Petição Inicial. Autor: Partido Popular Socialista. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 13 de junho de 2019.


Joyce Mariano Santos - Noturno

A influência das Marias: a sociedade e o Direito diante a violência de gênero

     O ano era 2006, e uma luta jurídica de 15 anos promovia a sanção da Lei nº 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha. A mulher que deu nome à lei, entretanto, já lutava há mais tempo: Maria da Penha Maia Fernandes esperou por justiça por cerca de 23 anos. Após sofrer duas tentativas de homicídio de Marco Antônio Heredia Viveros (seu marido na época) em 1986, ela ainda teve que esperar oito anos apenas para que o primeiro julgamento fosse realizado. Essa foi apenas a primeira negligência que Maria sofreu do Poder Judiciário, o que a levou a recorrer a um órgão internacional para que o Estado brasileiro passasse a agir com pelo menos o mínimo de competência.

Na visão de Michael McCann, essa situação foi uma mobilização do direito: a luta promovida por Maria da Penha e seus apoiadores deu impulso à criação da lei nacional que criminaliza a violência contra a mulher, ou seja, a necessidade manifestada pelas mulheres brasileiras promoveu uma mobilização no meio jurídico, que deu resultado à sanção de uma lei. A criação dessa lei, obviamente, teve uma grande influência na sociedade: tanto movimentos sociais quanto indivíduos que eram leigos sobre o assunto passaram a lutar contra essa violência, principalmente a doméstica, já que o governo passou a promover campanhas de conscientização e se comprometeu a não deixar tal crime impune. Pode-se dizer que essa influência foi de nível estratégico, definido por McCann como uma decisão dos tribunais que visa transformar o modo como a sociedade age diante tal assunto.

Apesar disso, a influência da sanção da Lei Maria da Penha também se estende a outro nível: o nível constitutivo. Segundo McCann, esse nível de influência de uma decisão judicial se estende à cultura, ou seja, quando o modo de agir dos tribunais acaba sendo adotado pela consciência popular. No caso da Lei Maria da Penha, pode-se dizer que parte da população brasileira tem a violência doméstica como algo a se repudiar e denunciar, o que é um grande feito considerando que o machismo ainda é vivo na sociedade.

Um exemplo prático da influência construtiva da Lei Maria da Penha pode ser o ocorrido no reality show “Big Brother Brasil”, em 2017, em que um participante foi expulso após abusar psicologicamente de sua parceira através de gritos e manipulações. No 7º artigo da lei, ao listar quais são os tipos de violência que a mulher pode sofrer, a violência psicológica é explicada e listada como crime. Com base na mobilização do público para que o participante fosse punido, pode-se dizer que atualmente a violência psicológica citada na lei também é repudiada pela população, que conseguiu a identificar e repudiá-la.

Sendo assim, é possível notar que a decisão de sancionar a Lei nº 11.340 é uma prova do quanto aquilo decidido nos tribunais tem um grande poder sobre a vida dos indivíduos de uma sociedade. Nesse caso em específico, ainda é possível notar uma influência de nível estratégico e constitutivo. Apesar da grande influência positiva que a lei teve na população brasileira, também é importante ressaltar que ainda há muito a se mudar, visto que a violência contra a mulher está longe de se tornar passado no Brasil.


Camilly Vitória da Silva - Direito noturno, Turma XXXVIII, 2º semestre

O tribunal lutando pela igualdade e respeito ao texto constitucional

  A medida cautelar proposta pelo Supremo Tribunal Federal pode ser considerada uma mobilização do direito como uma estratégia de ação coletiva. Quando o ministro Dias Toffoli faz a liminar que concede suspensão ao veredito feito pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o jurista da suprema corte está reafirmando valores previstos na legislação nacional, tais como: igualdade e respeito ao código jurídico. A decisão de proibir obras homoeróticas configura-se como um ato jurídico inconstitucional perante as resoluções da Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
  Os indícios que sustentam a ideia de que a medida cautelar do STF corresponde a um movimento de mobilização do direito como estratégia de ação coletiva são a pauta abordada no caso jurídico analisado (proibição ou não de obras de homoerotismo, o que está relacionado diretamente a comunidade LGBTQIA+) e a influencia direta causada pelos tribunais na sociedade ao tomarem suas decisões. Toffoli afirma em sua tese que assimilar relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes, corresponde a uma atitude preconceituosa já que fere o princípio da legalidade, ao não defender a proibição do heteroerotismo o TJRJ  corrobora com a noção de que homossexualidade e transexualidade são ilegais. Essa defesa do Toffoli da legalidade reflete a cada vez maior mobilização da comunidade LGBTQIA+ pelos seus direitos a uma vida digna e ao respeito na sociedade brasileira, quando esste grupo faz manifestações públicas e elege políticos que lutarão por seus ideais, é criado uma coletividade que fará pressão no Estado e resultará em mobilizações do Direito favoráveis aos seus valores.                                                                                                                Outro aspecto que relaciona ao conceito trabalhado por Michael McCann é o fato da decisão tomada por Toffoli ser um agente de transformação social, a medida cautelar é uma reafirmação do poder constitutivo da autoridade judicial. Ao contrariar a proibição de obras homoeróticas, o judiciário acaba por legitimar e remodelar a cultura vigente. Quando Toffoli faz uma interpretação do texto constitucional, priorizando a liberdade das relações homoafetivas e a não impropriedade do conteúdo para crianças e adolescentes, a justiça demonstra através de seu aparato que relações entre pessoas do mesmo sexo é normal e que o Estado defende o respeito a elas.
  Dessa forma, a coletividade tem usado muito o direito como uma ferramenta para expor, defender e legitimar suas visões. Na situação específica, Toffoli usa de seu cargo como ministro do STF para barrar uma medida inconstitucional e homofóbica, garantindo o acesso da população a obras que contenham relações homoafetivas e fazendo com que o Estado Democrático de Direito  e a liberdade de expressão sejam assegurados.

Nome: Pedro Miguel Segalotti Rueda - Direito (Matutino) - Segundo Semestre 

Análise da decisão do STF a respeito da Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 1.248 Rio de Janeiro, sob a perspectiva de Michael McCann

A Bienal do Livro corresponde a um movimento que conta com a participação de editoras, livrarias, autores e visitantes de todo o país a fim de celebrar a importância social dos livros para construção de uma sociedade crítica, bem como incentivar a cultura e a educação. Entretanto, em 2019, no Rio de Janeiro, a Bienal foi alvo de censura, uma vez que o prefeito Marcelo Crivella determinou o confisco de HQs que continham um casal gay que se beijava.

Em vista disso, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes (5° Câmara Cível) buscou impedir tal recolhimento, contudo, a Presidência do TJRJ suspendeu a referida liminar alegando que o material não cumpria as exigências dispostas pelos artigos 78 e 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei 8.069/90). Entretanto, segundo o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o conteúdo das HQs não se enquadrava à perspectiva de material impróprio.

Além disso, o Ministro ressaltou a importância da liberdade de expressão (art. 5°, inciso IX, CF/88), bem como o reconhecimento dos direitos fundamentais às comunidades LGBTQIA+ a partir da compreensão do direito à igualdade. Dessa forma, o Presidente do STF deferiu a liminar a fim de conceder a suspensão da decisão da Presidência do TJRJ, portanto, garantindo a livre circulação do material das HQs.

Assim, em primeira análise, tendo em vista a decisão do Ministro Dias Toffoli a respeito da liminar, sob a perspectiva de McCann, deve-se destacar a influência direta do poder do tribunal, uma vez que a medida impôs à prefeitura do Rio de Janeiro a não proibição da livre circulação das HQs. Nesse sentido, depreende-se que os tribunais, a partir da sua mediação, corroboram para o funcionamento do regime político, uma vez que ele é capaz de traçar políticas que os demais devem seguir, dessa forma, estabelecendo uma perspectiva de “vencedores e perdedores”.

Entretanto, apesar da forte influência do Poder Judiciário, a mobilização do direito se dá pelas ações dos indivíduos ou grupos em busca da efetivação de seus interesses e valores, tais como a garantia dos direitos fundamentais e civis das comunidades LGBTQIA+. Em outras palavras, a mobilização do direito, tal como proposto por McCann, desloca o foco dos tribunais para os usuários, portanto, é descartada, da perspectiva do direito, a ideia de exclusividade dos bacharéis, nesse sentido, depreende-se que qualquer indivíduo é capaz de mobilizá-lo. Em vista disso, ao analisar a decisão do STF, deve-se levar em consideração todas as lutas sociais das comunidades LGBTQIA+, uma vez que é por meio de manifestações e produção artísticas que as pautas defendidas pela comunidade ganham importância. A exemplo disso, pode-se destacar o reconhecimento pelo STF do direito à união civil para casais formados por pessoas do mesmo sexo (ADI n° 4.277 e ADPF n°132).

Por última análise, sob a perspectiva de McCann, a decisão do STF a fim de garantir a circulação das HQs engendra novas perspectivas para o debate a respeito dos direitos às comunidades LGBTQIA+, visto que, segundo o sociólogo, o tribunal encoraja ou cria novos litígios de ordem pública para serem discutidos, além disso, estimula os efeitos da contramobilização do direito, que por sua vez, corresponde ao surgimento de posições contrárias a respeito do assunto discutido. Em resumo, depreende-se que tal deferimento referente à liminar não encerra o debate a respeito da igualdade e liberdade de expressão, mas direciona as discussões sociais para determinadas pautas.

(Italo de Abreu Correia – 1°ano – Direito Noturno)


Análise da medida cautelar de proibição a "Educação de gênero" sob a perspectiva de Michael McCann

Na cidade de Ipatinga (MG), suas leis municipais impediam qualquer referência à diversidade de gênero e orientação sexual em seu ensino público. Nesse sentido, será feita a análise de uma medida cautelar dessa proibição a "Educação de gênero" sob a perspectiva de Michael McCann. 

McCann define o conceito de mobilização do direito como as ações dos agentes sociais, as quais visam a efetivação de seus interesses e valores. Desse modo, em paralelo ao documento em análise, nota-se a presença da figura do amicus curiae. Logo, a participação dos grupos como o Dignidade- pela cidadania de gays, lésbicas e transgêneros e a Aliança Nacional LGBTI demonstra essa atuação do coletivo em decorrência da demanda social, representando, assim, determinados interesses a serem protegidos, bem como o novo foco dos tribunais de direcionamento aos usuários, constituindo o direito tal qual um instrumento de interação política e social.

        Ademais, é citado o reconhecimento do direito à união civil para casais de pessoas do mesmo sexo (ADI no 4277 e ADPF no 132). Destarte, é possível pensar em termos de fornecimento de “recursos” à estratégia de ação. Nesse aspecto, essa dimensão estratégica fornece precedentes, isto é, a jurisprudência, permitindo, assim, a possibilidade de enquadramento. Por exemplo, essa opção de acionamento da justiça em face das leis municipais de desrespeito à sociedade denominada “pluralista” só foi conferida em virtude da jurisprudência de dez anos atrás supracitada, que propiciou um ambiente mais oportuno para as novas lutas.  

        Por fim, deferiu-se a suspensão da eficácia dos artigos da lei municipal mencionada. Portanto, os tribunais reagem aos agentes sociais, ao passo que a ação coletiva define os novos caminhos a serem traçados, como ocorreu com o auxílio dos grupos Dignidade- pela cidadania de gays, lésbicas e transgêneros e a Aliança Nacional LGBTI. Posto isso, a ocorrência das lutas sociais enseja um direito com esse novo enfoque para que as próximas possam, cada vez mais, reivindicarem as demandas sociais presentes.

Anna Beatriz Hashioka- Direito matutino

A mobilização do direito em busca de direitos fundamentais

Michael McCann descreve sua teoria sobre a mobilização do Direito através do Poder Judiciário, em uma perspectiva voltada para os usuários. Dessa forma, essa mobilização seria uma ação de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. A partir disso, seriam capazes de construir direitos, demonstrando a influência dessa atitude de lutas sociais para o campo jurídico.

É explorada também, ao longo de sua narrativa, a questão da importância acerca da deselitização do direito, que prevalece até os dias atuais de advogados engravatados e distantes das classes trabalhadoras. Com esse processo de aproximação com as massas, os usuários do sistema passam a ter consciência de seus direitos, buscando modificar as normas. Além disso, o acesso às instituições judiciais concede aos cidadãos a oportunidade de lutarem pelos seus direitos.

Assim acontece no caso da petição de Cirurgia de Transgenitalização pelo SUS, em que a parte-autora relata seu caso de tentativa da cirurgia transgenital pelo Sistema Único de Saúde, que só poderia ser executado na cidade de São Paulo, enquanto a pessoa em questão buscava um atendimento em São José do Rio Preto, no qual a cirurgia só poderia ser particular, custando cerca de 20 mil reais.

A questão da transsexualidade deve ser amplamente discutida e os direitos dos transexuais devem ser reavaliados em uma sociedade ainda tão hetenormativa e preconceituosa. Conforme fica explícito na petição, o sentimento de não pertencimento que o indivíduo convive todos os dias, muitas vezes desde criança, traz transtornos como depressão e ideias suicidas, podendo o levar à morte.

Portanto, a inadequação sentida é tamanha que afeta sua saúde mental, tornando a cirurgia e a mudança do prenome, na maioria dos casos, essencial para a sobrevivência e a dignidade da pessoa humana. Torna-se, desse modo, uma questão de direitos fundamentais e humanos, com a liberdade, igualdade, privacidade e, claro, um direito à identidade.

Além disso, outra temática relacionada à teoria de McCann é da contramobilização do direito, que seriam ações que podem desfazer ou contornar os efeitos das decisões judiciais. Esse tópico pode ser muito bem exemplificado a partir da revisão do conceito de família por parte do Direito, que se relaciona com a petição citada anteriormente no trecho: “A ideia de família padrão, constituída de pai, mãe e filhos, é uma derivação e consolidação desse ideário. A padronização, num mundo plenamente administrado, é importante, para retirar, de cena, os incômodos, as diferenças, as não repetições.”

Desse modo, fica claro o papel da mobilização do direito em relação a causas sociais e à luta por direitos básicos para as minorias, caminhando para que mais pessoas possam ter acesso ao sistema de justiça e tenham consciência de seus direitos, a fim de lutar por eles.

A mobilização do direito como garantidora dos interesses sociais

       O jurista Michael McCan, no artigo “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’”, faz uma abordagem institucional histórica para justificar o poder adquirido pelos tribunais nos regimes políticos modernos, argumentando que, conforme as instituições vão se expandindo e se tornando mais complexas ideológica e logicamente, é exigido que o direito e os tribunais respondam às demandas apresentadas. Sendo assim, as decisões jurídicas são muito relevantes para o funcionamento do regime político, mas é preciso observar as relações de tais decisões com os sujeitos e atores sociais que as ensejaram em busca da realização de seus interesses e valores próprios, ou seja, é necessário se atentar à mobilização do direito.

    Na perspectiva dessa mobilização do direito, a influência dos tribunais pode ser em nível instrumental ou estratégico - em que as decisões judiciais, dali em diante, estruturam  e baseiam os campos de luta das organizações, indivíduos e movimentos sociais - e/ou em nível do poder constitutivo da autoridade judicial - que diz respeito às decisões que resultam em modificações na vida cultural e em novos modos de conduta social e política. Neste ínterim, tem-se, como exemplo, na jurisprudência brasileira, o conteúdo da Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 1.248/Rio de Janeiro, julgada pelo Ministro Dias Toffoli, em 2019.

        Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro daquele ano, uma revista em quadrinhos de super-heróis, que apresentava a imagem de um casal homossexual se beijando na capa, foi vista como conteúdo impróprio para o público infanto juvenil e motivou a Prefeitura da cidade a notificar o recolhimento das obras que tratassem de “homotransexualismo” que estivessem sendo comercializadas sem embalagem lacrada e advertência de conteúdo. Tal ação ensejou uma comoção nacional, que girou em torno da explícita homofobia que estava sendo praticada pelas autoridades. No julgado, Dias Toffoli, felizmente, deferiu a liminar que suspendia os efeitos da decisão da Presidência do Tribunal de Justiça do RJ, que, por sua vez, havia suspendido a decisão de um desembargador em compelir a abstenção do pedido de busca e apreensão das obras e da cassação da licença para a Bienal.

        Neste caso, teve-se o nível estratégico da influência dos tribunais, tendo em vista que, em razão de decisões como a da ADI n° 4.277 e ADPF n° 132, que reconheceu a união estável de casais homossexuais no Brasil, e da criminalização da homofobia - resultado dos movimentos sociais da luta LGBTQIA+ no país -, além dos próprios princípios constitucionais de igualdade, liberdade de expressão e direito à informação, as lutas pelos direitos da população LGBTQIA+ se moldaram e tornaram possível que o preconceito fosse combatido, mobilizando o direito em seu favor e proibindo que atos como o tentado pela prefeitura do Rio de Janeiro se mantivessem.

Ana Eliza Pereira Monteiro - 2° ano Direito - matutino

     Em um contexto de fortalecimento judicial, Michael McCann discorre sobre a mobilização dos indivíduos e organizações em busca da realização de seus interesses. Essa perspectiva adquire um novo enfoque no que se refere ao deslocamento da ênfase dos tribunais para os usuários e sujeitos sociais, por isso, o direito é visto como um recurso de interação política e social.  A atual influência dos tribunais na perspectiva de mobilização do direito adquire duas dimensões: a de nível estratégico e a do poder constitutivo da autoridade judicial. A primeira se refere as ações judiciais representam o contexto dos atores do Estado e da sociedade e a segunda afirma visões que a sociedade é encorajada a aceitar.

    As duas esferas aludidas por McCann não necessariamente se contrapõem e por isso, podem coexistir e refletir a complexidade de assuntos alarmantes no contexto social contemporâneo. A exemplo disso, os novos enquadramentos proporcionados pelas lutas históricas da comunidade LGBT+ e considerando os dispositivos jurídicos que criminalizam a homofobia, pode-se notar um cenário que enseja a decisão dos ministros em conceder procedência a ADPF 467. A Lei 3.491/2015 municipal é inconstitucional e vai de contramão ao pluralismo de ideias, a liberdade e a tolerância asseguradas na Constituição Federal. Seus artigos 2º (caput), e 3º (caput), ao proibirem qualquer referência à diversidade de gênero ou a ações educativas que mencionem questões envolvendo a orientação sexual nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas em Ipatinga/MG, acabam cristalizando uma cosmovisão tradicional de gênero e sexualidade que ignoram o pluralismo da sociedade moderna.

    As sociedades pluralistas atuais caracterizadas por sua diversidade de interesses e ideologias, contudo, não devem ter força suficiente para ascender de maneira exclusiva ou dominante. Portanto “as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, conferem à Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum, senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma”.

    Em contraste, pode-se dizer que as decisões dos tribunais dificilmente amenizam os conflitos sociais e facilmente impulsionam novos conflitos sociais. A antítese pode ser perceptível nos comentários homofóbicos do jogador de vôlei Maurício de Souza em reação a um beijo retratado nos desenhos em quadrinhos infantis. Essa conduta desencadeou dezenas de contestações virtuais que pressionaram o clube e a seleção a fim de demiti-lo (“não tem espaço para profissionais homofóbicos”- Treinador do Brasil).

    Logo, a reação coletiva avessa a proibição da educação de gênero em Ipatinga e ao comportamento do jogador Mauricio de Souza representa uma quebra de paradigmas conservadores e representam essa entoada de mobilização do direito, não como um esvaziamento da democracia, mas sim como uma expressão e aprofundamento daquilo que é de fato democrático.

Mobilização do direito, voto-vista Barroso


Como um dos juízes que avaliavam o caso 124.306, o Ministro Roberto Barroso em 2016 votou sobre a concessão ou não de habeas corpus, para um caso de uma paciente que retirou o feto em uma clínica, de forma que pela circunstância,  tanto os que efetuaram o procedimento na mulher grávida, quanto ela  - em situação de  cliente -  estavam sob prisão preventiva. 

Em seu voto-vista, a favor do habeas corpus é possível encontrar alguns elementos do que se pode denominar como a mobilização do direito, que segundo McCann, trata-se de ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores. (p. 182). De certa maneira, esse voto mostrou como o direito pode - e deve - ser uma ferramenta de uso,  com um escopo em determinadas demandas sociais, feito o aborto. Porque dentro desse contexto o direito passa a ser um instrumento de ação politica e social.

Com a sua relatoria, o Ministro Barroso em bastante momentos construiu sua decisão a partir de uma análise da realidade, para além do caso em específico, no qual ele não enxergou uma necessidade em deter preventivamente pessoas (com suas palavras): "...Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação...". Sobressaindo o óbvio, é interessante perceber como foi desenvolvida sua perspectiva com o caso, elencando os direitos fundamentais das mulheres; o direito comparado e uma perspectiva das mulheres pobres. 

Assim, em face da construção do texto do próprio Ministro Barroso pode-se recorrer ao que McCann denominou de influência do poder dos tribunais indireta. Pois, remonta toda ação de mobilizar o direito a favor de novas demandas sociais, como o aborto. Como Barroso argumenta: "Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália."

Isto é, por que negar esse direito a mulher, essa autonomia de escolha sobre desejar ou não possuir um filho. Portanto deve-se aliar isso com os fatores externos aos direito, os das lutas sociais, nos quais os movimentos feministas arquitetam diariamente uma pressão nessas instituições feito o Direito, os tribunais. Cobrar de alguém que seja cumprido aquilo que é previsto pela Constituição Federal, procurar por uma via mais prática aquilo que deveria estar sendo produzido pelo legislativo: caso do aborto, uma lei que o descriminalizasse e o instituísse por maneiras seguras, garantida a todas as mulheres. 

Portanto, cabe analisar esse voto, ainda sob McCann o nível do poder constitutivo da autoridade judicial, ao refletir de como o aborto é um problema de saúde pública que há décadas é pauta no Brasil. Porém, somente nos últimos anos é lido como uma urgência pela política progressista e pelas novas gerações - que por sua maioria - entendem uma necessidade de sua legalização com acesso democrático. Como também, num nível estratégico, porque é diante desse voto a favor de um habeas corpus é entendido que precisa-se repensar em como o Direito e seus direitos fundamentais, penal conversam entre si e constroem a realidade jurídica brasileira. 

Isabella Uehara - 2a semestre Noturno

Lei da Equivalência das Janelas

 A soberania popular, mais do que constitucionalmente garantida, é o cerne do regime político democrático. Desta forma, quando Michael McCann faz uma análise do Poder Judiciário e mobilização do direito, através da perspectiva dos “usuários”, ele está fazendo referência a todos nós, cidadãos e iguais perante à lei e, apesar de muito debater-se acerca do papel e da importância dos Tribunais, é nítido sua colaboração para a manutenção do bem estar social, sendo engrenagem essencial à efetivação de direitos.

Em síntese, os tribunais existem porque a forma adotada para a resolução de conflitos não é a autotutela, baseada no emprego da força particular e na “lei do mais forte”, sendo este um modelo primitivo e uma exceção encontrada no ordenamento jurídico, não uma regra; diferentemente da heterocomposição, a maneira mais usual, consubstanciada na eleição de uma terceira pessoa, seja por lei ou pelas partes, para dirimir as possíveis controvérsias existentes, investindo-o de poder jurisdicional. Tal definição encaixa-se consideravelmente no que tange à abordagem institucional e histórica, considerada a mais pertinente pelo autor, uma vez que defende o poder e a influência dos tribunais como sendo fruto de processos complexos, com diferentes autores e contextos sociais. É importante salientar ainda que, apesar de não termos alcançado o ideal de justiça e igualdade, permanecemos sendo resistência, colhendo frutos de diversas lutas passadas ao mesmo tempo em que plantamos novas sementes de revolução, não permitindo que as ideias flutuem livremente, mas sim, que sejam enraizadas, internalizadas, no âmago de cada indivíduo.

A medida que ideias sedimentam-se nas consciências e o foco é voltado aos partícipes na construção de um direito mais acolhedor, existe real progresso no plano concreto, suprindo lacunas não só legislativas como ausências sociais profundas. Em situação contrária, claramente ocorre o oposto, agravando carências seculares e atrasando o progresso social como um todo. A Ação Civil Pública Cível - Indenização por Dano Moral n° 1020336-41.2019.8.26.0196, referente a apologia ao estupro em trote na faculdade Unifran, localizada em Franca/SP, é um exemplo dessa última constatação, levando-se em consideração sua sentença de indeferimento, possuindo o seguinte comentário, feito pelo juiz, como uma das variadas fundamentações absurdas: “Não se pode presumir que o comportamento do requerido, dirigido a um grupo específico de pessoas, seja uma agressão dirigida a todos os indivíduos do sexo feminino. A responsabilidade civil demanda dolo ou culpa, dano e nexo causal, os quais estão ausentes no presente caso”.

Como o óbvio precisa ser frequentemente dito: permitir condutas misóginas, machistas, sexistas, é um ultraje à luta de milhões de meninas e mulheres. Os tribunais são vistos como catalisadores de ações político-sociais, rebaixar, mesmo que certo grupo de mulheres, gera atraso indireto na vida de muitas outras e deveria ser de caráter coletivo o interesse em respeitar a legitimidade desta causa tão nobre e sofrida. Machado de Assis, em sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, especificamente no capítulo LI, relata o momento em que o eu lírico descobre uma lei sublime: “a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, afim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.” (ASSIS, 1881, LI). Perante a isto, considerando que os precedentes também são janelas, o indeferimento supracitado é uma janela fechada e não mostra horizonte algum na luta pelos direitos das mulheres, que viverão para lutar mais um dia, abrindo, mesmo que aos poucos, mesmo que invisíveis, suas próprias janelas.

Júlia Nogueira Orricco

1° ano – Noturno

A MOBILIZAÇÃO DO DIREITO COMO AÇÃO POLÍTICA DE MINORIAS QUE QUEREM SER EM UM MUNDO QUE SE PREOCUPA EM PARECER

 A abordagem sociológica do direito, proposta pelo advogado Michael McCann, de mobilização do direito como estratégia de ação coletiva é, em primeiro lugar, uma visão de ação política. De acordo com McCann, os tribunais se tornaram atores poderosos por causa da complexidade das funções do Estado, do aumento da demanda pela "Revolução dos direitos", da estratégia das elites e de processos complexos de lógicas institucionais. Porém, segundo o advogado, o mais pertinente é a questão do processo complexo que envolve diversos atores do Estado e da sociedade e isso leva à mobilização do direito. Os tribunais, dentro da contemporaneidade, são reativos (ou seja, só agem se provocados) mas também exercem poder  e impactam no funcionamento do regime político.

A ação de atores sociais (cidadãos; grupos; organizações; partidos), em busca de seus interesses e valores, configuram esse processo de mobilização do direito e, de acordo com a professora Frances Zemans, a lei é mobilizada quando um interesse é traduzido em uma afirmação de direitos legais. Essa perspectiva sociológica desloca o foco dos tribunais, ator importante nas mudanças legais e sociais, para os usuários (atores diversos) e utiliza o direito como instrumento político-social (o que ele sempre foi, porém agora seus atores se diversificaram para abranger também minorias).

Como exposto acima, o foco agora da análise sociológica se concentra nos sujeitos sociais, na qual os tribunais são um ator a mais no complexo das relações de poder. Ainda segundo a doutrina de McCann, a influência do poder dos tribunais se divide em direta (declarar partes vencedoras e traçar políticas a serem seguidas) e indireta (configurar o contexto da mobilização do direito) e existe, também, duas dimensões: estratégica (ações judiciais que moldam o contexto estratégico de mobilização) e constitutiva (interpretação das cortes constroem uma visão legítima da sociedade).

A análise sociológica de uma decisão judicial pode se relacionar a esta abordagem da mobilização do direito, bem como as dimensões e influências do poder dos tribunais e a focalização dos sujeitos sociais em busca de direitos embasados em seus interesses e valores. Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), na comarca de Jales em 2013, sobre uma tutela antecipada da justiça, exemplifica o fenômeno tratado. 

O caso referido trata de um pedido de cirurgia de mudança de sexo (transgenitalização), mudança de nome e sexo no cartório de registro civil. A vista foi favorável a parte requerente após discorrer sobre a fundamentação legal que envolveu, de acordo com a decisão, "humanizar o direito", a expansão da proteção dos direitos fundamentais e a relatórios e entendimentos da psiquiatria e psicologia moderna ao tratar a questão trans (física e psicológica) não como uma patologia. O pedido feito, bem como a fundamentação legal, da ação judicial de tutela mostra a mobilização do direito feito pelo ator social e a jurisprudência e doutrina favorável expõe o protagonismo dos tribunais que influenciam e influenciaram, esse caso em particular, com uma dimensão estratégica e constitutiva (criando um precedente) de forma direta (pela decisão em si) e indireta (criando um enquadramento legal que configura um contexto estratégico da mobilização).


Vitor Raffaini Gheralde     1 ano     Dir. Matutino

Michael Mc Cann e o fechamento das lotéricas de Franca 

O pensador Michael W. Mc Cann defende, no texto entitulado "Poder judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários" , que as funções do Estado ficaram mais complexas, os interessados em formalizar  suas demandas aumentaram, bem como a quantia de demandas, e a advocacia social organizou-se, de modo que essas são as causas para os tribunais terem se tornado poderosos dentro da lógica dos regimes políticos modernos. Um exemplo da expansão dessa complexidade é o caso do fechamento das lotéricas francanas, em que o juiz Charls Bonemer Junior decidiu que não se deveria obrigar tal fechamento, mesmo dentro de um contexto pandêmico em que chegaram a morrer mil brasileiros em um só dia. A resposta do juiz só foi necessária em razão da mobilização sobre a qual versa Mc Cann, mas a análise de Bonemer e  desse último são, ainda que realizada a adequação de tempo e lugar, bastante distintas. 

Nessa lógica, é preciso apresentar as supracitadas diferenças. Enquanto o sociólogo afirma que, no Brasil. juízes têm cumprido os princípios da Constituição de 1988, o magistrado em questão escreveu que "Embora devesse ser desnecessário esclarecer isso, os fatos que vêm ocorrendo no Brasil exigem que se frise, didática e pacientemente, ser inadmissível (...) que alguma autoridade, de qualquer dos três poderes, possa suspender as garantias constitucionais dos cidadãos (...) ainda que sob o enganoso pretexto de "salvar vidas". Essas palavras, cobertas de ironia, como em "pacientemente", sequer são adequadas à formalidade do texto em que elas se encontram, e em nada respeitam a Constituição de 1988 no que tange ao Artigo 5°, em que está posto que "Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". O desrespeito aparece na desconsideração de que os requerentes do fechamento visam a segurança sanitária da comunidade, e assim fica claro que essa sentença não exemplifica o afirmado no artigo do pensador. 

Além disso, Mc Cann afirma que os tribunais medeiam as relações sociais ora ao garantir uma causa como ganha ou perdida, ora ao escolher entre aplicar uma lei ou uma jurisprudência. Esse poder de escolha fica nítido tanto na comparação acima, entre o artigo e o escrito do processo, na tentativa do juiz de alegar que o fechamento estaria ligado à tentativa de planificação estatal, própria dos comunistas, pois feria o "valor social do trabalho", defendido no Artigo 1°, IV da Constituição, na ânsia em especificar que decreto não é sinônimo de lei, como forma de utilizar-se de uma especificidade jurídica para esquivar-se de proteger vidas que, como já analisado, ele despreza. Dessa forma, Bonemer se projeta como um ente que emite aos usuários dos tribunais, através de paralelismos mal feitos e replicação de estigmas,  sinais de desencorajamento. 

Logo, fica caro que enquanto Bonemer destoa do ´projetado por Mc Cann ao caso brasileiro, ele encaixa-se e parte da análise geral desse último. Ações como a desse juiz, amparadas pela irresponsabilidade do presidente da República, retardaram o melhoramento do cenário caótico. Como é muito moroso eliminar os concursados de suas posições, resta à população eleger uma figura cujos atos, em termos legais e sociopolíticos, não sirvam de embasamento para sentenças pré-montadas com o objetivo de satisfazer classes endinheiradas que protegem, num escudo de cédulas, suas vidas de qualquer mal. 


Maria Paula Aleixo Golrks - 2° semestre - Direito Matutino - turma XXXVIII




em tese x em solo brasileiro

    Constituição Cidadã de 1988: os brasileiros passam a ter mais direitos; a democracia é, finalmente, restabelecida; é possível contestar certas decisões; é dever do Judiciário proteger os direitos dos cidadãos e os direitos coletivos. E, sobre esse poder, não só no Brasil, é possível observar a maior importância dada aos tribunais e às decisões judiciais nos últimos anos.
    Tal fenômeno é estudado por Michael McCann, sendo chamado de fortalecimento judicial, que, segundo ele, pode ser explicado pela Mobilização do Direito, a qual enfatiza a atuação dos usuários do direito e os recursos políticos que podem ser utilizados para alcançar certos interesses. Nesse sentido, acontecem as ações judiciais, que por meio de decisões favoráveis, alcançam melhorias nos direitos de minorias, por exemplo. 
    Em seu texto “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários'", McCann também ressalta a importância dos tribunais como instituições, capazes de transformar conflitos sociais, alterá-los com suas decisões; além de influenciar politicamente na conduta dos indivíduos. Dessa forma, os cidadãos podem se mobilizar e, diante da corte, promover movimentos civis, feministas, anti racistas, entre outros.  
    Exemplo disso é a ação judicial do STF na ADI 4275, de 2018, que torna possível a alteração do registro civil por travestis e transexuais, sem que seja necessário procedimento cirúrgico. O que ilustra a forma como a interpretação dos tribunais reflete os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que incentiva e encoraja novas visões e aumenta a visibilidade de certas questões.
    Isto é, com uma decisão dessa dimensão, os tribunais começam a, formalmente, alterar convenções antigas, dando fundamento legal para as lutas sociais -  no caso citado, embasando a luta contra a transfobia - permitindo a normalização da questão para grande parte dos cidadãos. Essa perspectiva do poder judicial através da mobilização do direito pela visão dos usuários, portanto, de algum modo, ajuda na mudança política, pelas ações coletivas a serem realizadas. 
Contudo, vale destacar que nem toda teoria é fato - não vivemos em mundo mágico: esse alcance de direitos e suposta melhoria democrática é, em partes, falha, muito por conta da falta de legitimidade do Judiciário entre os cidadãos. Sendo este o maior desafio do país: trazer credibilidade para as decisões, e consequente credibilidade para as reivindicações sociais. 
    Embora a conquista do registro civil para pessoas trans seja digna de enorme comemoração, não é suficiente contra a transfobia pela "falta de importância” que tal decisão possui na vida de quem não vive com essa questão, não sofre por isso, (ou pior) é transfóbico. A alteração das convicções antigas, que em tese poderia acontecer pela ação dos tribunais, infelizmente não acontece de fato, num país retrógrado e transfóbico como vivemos. 

Maria Júlia de Castro Rodrigues - 1º ano diurno

A formação de uma consciência coletiva

A sociedade está em constante construção e desconstrução. Com todo esse processo, surgem debates necessários para esse aprimoramento social, como as questões de raça, sexualidade ou gênero, que por muitos anos foram negligenciadas e esquecidas. Atualmente, somos parte de uma geração que tende a entender melhor essas abordagens, um reflexo disso é o aumento de representatividade (ainda que escasso, porém maior do que antes) nas mídias e holofotes. E no direito, que é o foco dessa análise, podemos incluir a criminalização da homofobia e transfobia e as leis contra o feminicídio

Tornar a sociedade mais justa e inclusiva é uma luta diária e de muitos autores, reconhecer as dores e necessidades dos outros também é um desafio que requer muito do mundo. Isso porque é preciso desmistificar e transformar dogmas que por muito tempo perpetuaram em nossa sociedade e moldaram uma moral coletiva “ideal”. A mobilização social são essas transformações que modificam (mesmo que aos poucos) as estruturas modeladoras da sociedade.

Segundo Michael McCann, a mobilização social do direito é um processo que surge quando uma necessidade torna-se uma reivindicação de leis ou afirmação de direitos legais. Ou seja, quando há uma pressão tão forte por parte da população para transformar aquela realidade que o direito se modifica para inserir essas demandas. O surgimento de movimentos contra hegemônicos é fundamental para levantar debates acerca de novos elementos que possam moldar o direito. Em síntese, a moral coletiva e as mobilizações influenciam o direito e, partindo da premissa de que as mobilizações do direito detém diversos autores, o tribunal corrobora para essa formatação. 

Em um caso da 3° Vara Cível de Franca, uma ação foi movida contra um ex-aluno do curso de medicina da Universidade de Franca (Unifran)  por danos morais. Segundo consta no processo, o trote universitário dos calouros de 2019 ocorreu com expressões de cunho machista e humilhantes deferidas pelo acusado. Por esse motivo, alegou-se apologia ao estupro. Em um dos trechos do vídeo divulgado nas redes sociais, o juramento conduzido pelo acusado continha a seguinte frase: “[...] E prometo usar, manipular e abusar de todas as dentistas e facefianas que tiver oportunidade, sem nunca ligar no dia seguinte”. O processo foi encerrado como improcedente, ou seja, não se reconheceu apologia ao estupro no discurso do juramento. 

Entretanto, quando analisa-se esse caso sob a perspectiva do contexto de luta das mulheres (que cabe salientar, uma luta necessária e legítima), observa-se que a decisão corrobora para a banalização de discursos que reificam a mulher. Logo, o modo como foi encerrado o processo reafirma uma consciência moral machista que, por fim, reflete nas ações da sociedade como um todo. Entendendo o direito como um auxiliador da moral social comportamental, compreende-se o porquê da decisão judicial comentada ser tão absurda.

Cultura do estupro é um termo utilizado para exemplificar a normalização das violências sexuais presentes em nossa sociedade. O padrão dessa normalização está em diversos detalhes, tratar a falta de consentimento como um “charme feminino”, sexualização extrema de corpos, subentender atos de simpatia como convites para ato sexual, culpabilização de vítimas de abuso, entre outros muitos que poderiam ser aqui citados. Assim sendo, discursos com o mesmo teor do juramento proferido pelo acusado fazem parte de toda essa redoma cultural violenta. 

A luta das mulheres por um mundo minimamente seguro deve estar mobilizada dentro do direito. A lei Maria da Penha é um grande exemplo de como essa mobilização feminina dentro do campo jurídico fez a diferença para milhares de mulheres. É possível notar que a criminalização desse ato específico auxiliou no processo de criação de uma consciência moral coletiva que condena e, cada vez mais, “desnormaliza”  a violência contra a mulher.

Dessa forma, interpretar um discurso com as falas “prometo usar, manipular e abusar de todas as dentistas e facefianas que tiver oportunidade, sem nunca ligar no dia seguinte"; ou “me reservo totalmente a vontade dos meus veteranos e prometo sempre atender aos seus desejos sexuais. Compreendo que namoro não combina com faculdade e a partir de hoje sou solteira, estou à disposição dos meus veteranos” e “Juro solenemente nunca recusar a uma tentativa de coito de veterano (inaudível...) mesmo que ele cheire cecê vencido e elas, a perfume barato" como apologia ao estupro é uma forma de não normalizar atos de violência contra a mulher e mobilizar o direito para a proteção efetiva da população. 

Além disso, compreender que tais falas têm peso criminal dentro da sociedade cria, mesmo que de forma obrigatória, a tão desejada consciência coletiva de que corpos não são objetos e o respeito ao outro deve sempre prevalecer. A cultura do estupro começa nas “pequenas” ações do dia a dia, na brincadeira “inofensiva”. Se o papel do tribunal dentro da mobilização social é servir como um catalisador da mudança, reconhecer os problemas estruturais como problemas de fato, é também tornar a sociedade mais justa e segura.

Luísa Sasaki Chagas - Direito Matutino - Turma XXXVIII

Criminalização da LGBTfobia e a mobilização do Direito


    Michael W. McCann, em seus estudos — principalmente naqueles contidos em sua obra “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘usuários’” —, analisa as relações entre os movimentos sociais e o Direito, o que pode ser considerado revolucionário, posto que, durante a construção de suas ideias e teoria, retira o foco dos tribunais e o atribui àqueles que chama de “usuários”. Nesse sentido, percebe-se, portanto, o protagonismo dos sujeitos sociais na mobilização do direito, o qual deixa de ser exclusivo dos bacharéis e apresenta-se como uma ferramenta dos movimentos para que suas reivindicações sejam atendidas. Sendo assim, é possível notar que os tribunais apenas fornecem a decisão final acerca de um tema que, previamente, fora pauta das discussões sociais e que está ligado de forma intrínseca com as demandas de grupos de interesses.


    Concretizando tais reflexões, é possível encontrar traços dos estudos de McCann na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, que trata da criminalização penal da LGBTfobia no Brasil. Como demonstrado no texto, o STF reconhece a omissão do Legislativo na criação de medidas a respeito de crimes contra membros dessa minoria, que apresentava intensas dificuldades na efetivação de seus direitos e até mesmo no seu reconhecimento como indivíduo de direitos. Outra demonstração dessa  mobilização por parte de movimentos sociais está presente no próprio julgado, visto que a entidade “Grupo Gay da Bahia (GGB)” foi admitida como amicus curiae — instituição que tem por objetivo o fornecimento de auxílio nas decisões dos tribunais, dando suporte para questões de amplo impacto —, e tornou-se responsável pela demonstração da necessidade de tornar a violência contra a comunidade LGBTQIA+ uma questão penal através de dados e fatos concretos. Dessa forma, nota-se o protagonismo dos movimentos na alteração da moral e do padrão de conduta, bem como no impacto dessas mudanças na via jurídica com o Direito funcionando como ferramenta.  

 

    Por conseguinte, como demonstrado pelo autor, os tribunais, por meio de suas decisões, podem ter diferentes influências na sociedade. A influência no nível instrumental ou estratégico vem por meio das deliberações, que podem determinar “vencedores” e “perdedores” de forma temporária, ou seja, configuram, diretamente, as decisões claras e institucionais baseadas, muitas vezes, nas reivindicações de movimentos sociais. Já no nível do poder constitutivo da autoridade judicial, trata-se de uma influência indireta, visto que consiste nas consequências morais, de comportamento e culturais geradas pelas práticas jurídicas dos tribunais — em outras palavras, é o resultado as decisões tomadas por essa instituição, as influências que elas deixam e as consequências de tais valores na sociedade.   


    Entretanto, esses dois níveis não se excluem, isto é, ambos podem permear uma norma simultaneamente, o que, de maneira usual, é constatado nos direitos ligados às lutas sociais. Retornando à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, o tribunal, ao compreender, em suas palavras, “o quadro atual de extrema vulnerabilidade a que estão expostos os grupos LGBT no Brasil”, decidiu por criminalizar a LGBTfobia, sendo esta ação na dimensão instrumental. Já no nível constitutivo, é válido apontar ramificações desse novo valor reafirmado pelo STF na sociedade civil, tendo em vista que isso gerou uma forte mudança nos padrões de comportamento da população, que passou a reconhecer atos de violência contra essa minoria como um crime específico. Nesse contexto, cabe relatar o caso do jogador Maurício Souza que, após fazer um comentário homofóbico em suas redes sociais, foi automaticamente reprimido e condenado pela sociedade — mesmo que não em sua totalidade —, bem como retirado do time e da seleção que jogava. Ou seja, nota-se que, nos dias de hoje, o valor contido na decisão do tribunal de criminalizar esse tipo de ação foi enraizado na população, que reage rapidamente e de forma intensa às violações de direitos.


    Em suma, partindo da análise de Michael W. McCann em relação ao julgado referente à criminalização da LGBTfobia, é possível notar a mobilização do Direito pela população civil e como a decisão dos tribunais impacta nos padrões de conduta dos indivíduos. Sob a perspectiva do autor, todas as pessoas podem mobilizar o direito e não esperar apenas a representatividade do parlamento. Isso ocorre devido à movimentação no judiciário para atender as demandas de certos grupos, ou seja, percebe-se um caso de direito conquistado, não concedido. Ademais, além de atribuir o protagonismo aos “usuários” do Direito, tal teoria demonstra como os tribunais podem fornecer recursos à estratégia de ação dessas minorias — sendo,  no caso analisado, o grupo LGBTQIA+, vítima de constantes violações —, que além de poderem recorrer à direitos positivados, contam com a influência indireta gerada pelas deliberações jurídicas. Nesse sentido, a LGBTfobia passa a ser condenada tanto juridicamente quanto socialmente, devido à movimentação de grupos sociais e o auxílio do Direito.


Larissa de Sá Hisnauer - 2º semestre - Diurno 


o poder de mudança do judiciario

    Em junho de 2021 os partidos políticos Cidadania e PSB, utilizando o que McCann cita como sendo a influência estratégica, ajuizaram no Supremo Tribunal Federal Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 850, 851 e 854). As arguições pediam a suspensão do chamado orçamento secreto que ocorria dentro do Congresso Nacional , a ministra Rosa Weber atendeu ao pedido e um julgamento do colegiado definiu-se por 8 ministros favoráveis à suspensão contra 2 contrários, a decisão agitou as bases do governo no congresso e agradou a oposição que veem nas emendas do orçamento secreto crimes contra a transparência das contas públicas.

    O orçamento secreto promovido pelo poder executivo em conjunto com os parlamentares aparentava evidentes crimes contra o princípio da transparência das contas públicas, Rosa Weber destacou em sua medida cautela que "o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se desses ideais republicanos", a partir da ótica proposta por McCann de que o judiciário é um poder que faz escolhas que influenciam no regime político, é possível se dizer que essa decisão em questão fez uma extrema diferença na forma como os outros dois poderes lidavam um com o outro, as emendas de relator garantiam para o poder executivo uma boa base no parlamento.

    Tendo em vista esse grande poder exercido pelo judiciário e a forma como a decisão proferida pela corte influenciou em outros setores da sociedade, é observável ainda como está se desenrolando a reação dos outros poderes. A priori ficaram ambos muito agitados e acusações de ativismo judicial foram levantadas, mas a posteriori reagiram as medidas com enormes "retalhos jurídicos", encontrando brechas dentro da RP 2 para a manutenção da destinação dessas emendas, os setores e poderes da sociedade se adaptaram a decisão proferida pelo judiciário.

Victor Hugo da Silva Fernandes | Turma XXXVIII | Noturno 








 

 

A MOBILIZAÇÃO DO DIREITO E A LUTA PELA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

 

      O jurista Michael McCANN apresenta o conceito de mobilização do Direito, que se refere à atuação dos indivíduos, dos diversos grupos sociais e organizações em acionar o Poder Judiciário para satisfazer seus direitos e interesses. Ainda, trata-se de visualizar os tribunais como uma ferramenta política e social dos grupos sociais, ao invés de enxergá-los como um instrumento limitado aos operados do Direito.

     Sendo assim, McCANN demonstra o papel do judiciário por meio da perspectiva dos usuários – grupos sociais, organizações – e com base na abordagem institucional histórica, na qual a mobilização do Direito é reflexo de “processos institucionais e lógicas organizacionais da profissão jurídica, dos grupos de interesse e dos movimentos de reformas sociais” (McCANN, p. 180).

       A título de ilustração do conceito de mobilização do Direito e da atuação dos tribunais, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.590, proposto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em face do Poder Executivo, a fim de solicitar a medida cautelar de suspensão do Decreto nº 10.502/2020 que criou a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Embora fosse um decreto, o detalhamento dos institutos, serviços e obrigações no ato normativo gerou uma nova política educacional nacional às pessoas com deficiência, o que justificou o ajuizamento da ADI.

      Tal ação, julgada em 21 de dezembro de 2020, teve como relator o ministro Dias Toffoli que proferiu o voto vencedor no sentido de suspender o referido decreto, por entendê-lo como um retrocesso aos direitos conquistados pelas pessoas com deficiência. Nesse sentido, a previsão no ato normativo de implantar escolas e classes específicas para os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação geraria a segregação desses educandos dos alunos sem deficiência (BRASIL, 2020).

         Ademais, essa proposta de formar escolas especiais excluiria os alunos com deficiência do sistema geral de educação, sendo que a rede regular de ensino seria apenas uma opção para esses alunos, fato que contraria o art. 208, III da CF/88 que prevê o atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 2020).

       Além disso, o tribunal entendeu que as escolas especiais inviabilizam a educação inclusiva, na qual o ambiente escolar deve ser plural e deve atender as diversas necessidades dos alunos. Por fim, o decreto viola o art. 24 Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto n° 6.949/2009) e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais de 1994 (BRASIL, 2020).

       Verifica-se, portanto, que a referida decisão foi fruto da mobilização das pessoas com deficiência – representadas pelas inúmeras organizações desse grupo social que figuraram como amicus curiae na ADI – com o intuito de lutar pelo direito à educação inclusiva. Outrossim, pode-se relacionar o afastamento do decreto com o nível do poder constitutivo da autoridade judicial, citado por McCANN como a capacidade dos tribunais de afirmarem certas ideias e rejeitarem outras, uma vez que a decisão reforça a cultura da educação inclusiva e influencia os indivíduos a compartilharem da mesma visão sobre a educação. Assim, não se deve segregar os alunos com deficiência, mas sim, melhorar as condições do ensino no sistema regular de educação para que as pessoas com deficiência também sejam atendidas.

        Dessa forma, a decisão judicial que suspendeu o decreto da educação especial demonstra o poder dos tribunais em impulsionar a luta por direitos dos grupos sociais possibilitando, neste caso, mais avanços ao movimento por igualdade e dignidade das pessoas com deficiência.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6.590. Referendo de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Ato normativo que inova no ordenamento jurídico. Densidade normativa a justificar o controle abstrato de constitucionalidade. Cabimento. Artigo 208, inciso III, da Constituição Federal e Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Educação inclusiva como paradigma constitucional. Inobservância. Medida cautelar deferida referendada. Requerente: Partido Socialista Brasileiro. Requerido: Presidente da República. Relator: Min. Dias Toffoli. Data do julgamento: 21 dez. 2020. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6036507> . Acesso em: 19 nov. 2021.

 

 

                                                                             NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA

                                                                             TURNO: NOTURNO

 

A discussão a respeito da mobilização do Direito como estratégia de ação coletiva é extremamente tensa e requer análises criteriosas e não superficiais. Muitos autores, como Garapon e Maus, realizaram diversas investigações acerca do fenômeno da mobilização das estruturas judiciais. No entanto, pode-se perceber que ambos dão muita notoriedade ao protagonismo dos tribunais, deixando de prestigiar a forma como essas mobilizações são fruto, profundamente, da ação incitante dos sujeitos e grupos sociais, uma vez que o Judiciário só age (ou só deveria agir) mediante uma provocação social. No que se refere a essa importância dada aos sujeitos e grupos sociais, o escritor McCann realizará uma investigação notória, buscando colocar o enfoque nos indivíduos e ultrapassar a questão do protagonismo dos tribunais.

De acordo com as perspectivas de McCann, a mobilização do Direito deve ser compreendida como “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores”. Dessa forma, pode-se inferir que o Direito é (ou teoricamente deveria ser) chamado à ação/participação por meio de lutas e não por mera escolha dos tribunais, daí a importância de se reconhecer que o protagonismo não está nos tribunais, e sim nos indivíduos ou grupos sociais. O autor Frances Zemans menciona em seus escritos que “a lei é mobilizada quando uma necessidade ou desejo é traduzida em uma reinvindicação de lei ou afirmação de direitos legais”. Assim, é possível constatar que os dois autores tomam uma postura muito plausível – descolam o foco dos tribunais para os usuários (aqueles que incitam o Direito).

Ademais, em uma passagem relevante de sua obra, McCann estabelece que “os tribunais são reativos (reagem à provocação. E os atores sociais são os provocadores), mas exercem poder, e suas escolhas são muito importantes para o funcionamento de um regime político. E seu poder é complexo, mais do que mera fiscalização”. A partir dessa menção, torna-se capaz induzir que as competências do poder Judiciário são profundas, não cabendo a ele ser somente o guardião da Constituição, o poder judicial pode e deve agir para resguardar os direitos fundamentais dos indivíduos. Nenhuma lesão ou ameaça a direitos, em especial, os direitos consagrados na Constituição poderão ser afastados da apreciação do Poder Judiciário.

Sendo assim, é necessário a compreensão de que o Judiciário não atua por livre e espontânea vontade (pelo menos não pode e não deveria), e não age por demandas não existentes. Esse poder, segundo o autor, só age mediante demandas que estão presentes no âmbito social, político e histórico por exemplo. Ao estabelecer essa linha de análise, McCann realiza uma respeitável contribuição – retira toda a atenção e notoriedade dos tribunais, colocando-o apenas como “um ator a mais no circuito complexo das relações de poder” (é a desmitificação, retirada dessa perspectiva da exclusividade dos tribunais). Contudo, não podemos deixar de adotar precauções acerca dessa atuação judiciária, tendo em vista que esse poder pode utilizar de prerrogativas sociais e democráticas para extrapolar imensamente suas áreas de atuação e tornar os sujeitos meros coadjuvantes do espaço social. 

Além disso, para McCann, a mobilização do Direito não é um esvaziamento democrático. Pelo contrário, ela é uma expressão do vigor democrático presente em uma sociedade – grupos e pessoas se valendo do Direito como uma ferramenta de concretização de direitos previstos democrática e constitucionalmente. McCann acredita que a concepção da consciência do Direito, a percepção dos nossos direitos fundamentais é o que move as pessoas a mobilização direito e defenderam uma causa, tentando modificar ou criar normas que assegurem a vida e dignidade humana. A busca pelos tribunais é uma decisão política de indubitável relevância – é ter conhecimento de que os conselhos judiciais não são mero espaço de bacharéis, é sim o espaço do povo, dos cidadãos.

Seguindo as prerrogativas de McCann, pode-se conceber como uma petição do tribunal de justiça do estado de São Paulo sobre a Apologia ao estupro em um trote da UNIFRAN é acontecimento visível de uma mobilização do Direito. O trote referido trata de um vergonhoso episódio acontecido na cidade de Franca, na qual o Ministério Público (ator que mobiliza o direito – nesse caso um agente institucional, que representa a sociedade como um tudo e, teoricamente, zela pelo cumprimento dos preceitos constitucionais) entrou em ação judicial contra um ex-aluno da Instituição, mencionando que:

o requerido, ex-aluno da UNIFRAN, explorando momento de comemoração por aprovação em vestibular de Medicina na referida instituição, fez com que calouros entoassem, coletivamente, durante o trote universitário, a pretexto de se tratar de hino, expressões de conteúdo machista, misógino, sexista e pornográfico, expondo-os à situação humilhante e opressora e ofendendo a dignidade das mulheres ao reforçar padrões perpetuadores das desigualdades de gênero e da violência contra as mulheres”.

Assim, é possível inferir que o judiciário não pode se abster de atuar mediante mobilizações como estas. Em uma das partes do referido julgado, é estabelecido que “a conduta praticada pelo requerido ultrapassou os limites toleráveis de uma simples brincadeira, pois reforçou o machismo e colocou a mulher em posição de inferioridade. O requerido reproduziu ideias que remetem à cultura do estupro, estimulando agressão e violência”. Como não induzir que o poder Judiciário atue mediante essa situação degradante? Como não induzir que o Judiciário tome decisões mediante uma situação em que direitos fundamentais são violados? Como não induzir que o Judiciário atue mediante essa ridicularização exposta?

Sem dúvidas, não podemos deixar de realizar uma vigilância ferrenha à atuação do poder judicial. No entanto, temos que observar que a mobilização do Direito é (e deve ser) uma maneira de se tentar buscar a concretização dos direitos individuais ou grupais de toda a sociedade. Ao incitar o poder Judiciário, como no acontecimento mencionado acima, estamos demonstrando que somos sujeitos, ou melhor, cidadãos sedentos de justiça e ânimo em busca das garantias constitucionais/legais. Mobilizar as estruturas judiciais são formais de demonstrar a todos que o campo do Direito não pode e (não deve) está à mercê de bacharéis e homens usando gravatas. Mobilizar o Direito é demonstrar que o povo está preparado para o combate, ainda que com armas totalmente inferiores. Mobilizar o Direito é tentar materializar os direitos estabelecidos e democratizar de fato a vida social de uma sociedade.

LIVIA GOMES - NOTURNO - 2º PERIODO                         


Mobilização do direito contra a intolerância e para garantia de uma sociedade democrática

 

O presente texto será traçado com base na análise sociológica do Sr. Michel McCann no artigo “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: Uma Perspectiva dos “Usuários”. Além disso, a análise terá como objeto uma Medida Cautelar feita pelo Ministro Gilmar Mendes, do STF, em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Em resumo, a cidade de Ipatinga em Minas Gerais proibiu o ensino de qualquer tema relacionado a diversidade sexual por meio de uma lei em 2015. Por isso, foi movimentada a presente ação como forma de mostrar a inconstitucionalidade desta lei. Os amicus curiae desta foram o Grupo Dignidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros e a Aliança Nacional LGBTI.

O ponto de maior notabilidade da relação entre o texto do McCann e o objeto da ação é o contexto de Mobilização do Direito. É comum conceber que lutar por determinados direitos é fazer política, o que fica visível aqui no ato de ativar, ou melhor, mobilizar a instituição judiciária para fazer cumprir com seus interesses, muitos garantidos legalmente e ignorados.

Foi isso que ocorreu na cidade de Ipatinga, um descumprimento de preceitos constitucionais e direitos básicos, não tendo uma alternativa senão a ação.

Os tribunais têm um poder fortíssimo atualmente, por isso no descumprimento dessas demandas, que já deviam ser garantidas, ainda cabe ao tribunal servir de mediador. Dessa forma, trazendo palavras do Ministro Barroso citadas na decisão do Gilmar Mendes:

“Para que a educação seja um instrumento de emancipação, é preciso ampliar o universo informacional e cultural do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos, a pretexto de ser o estudante um ser ‘vulnerável’. O excesso de proteção não emancipa, o excesso de proteção infantiliza” (p.19).

A iniciativa do legislativo de Ipatinga tentou ocultar o pluralismo de visões, pessoas, culturas e formas de ser que se inserem na democracia e por isso o direito foi mobilizado, ele apareceu nessa ação como um instrumento de garantia do básico, nas palavras do professor José A. Moisés, “Democracia não se sustenta sem o princípio da lei”. Essa relação é de suma importância para compreender a presente ADPF.

Ademais, quando se atenta a influência de uma decisão como esta se percebe que ela vai muito além de um impacto na pequena esfera, mas age na forma de um aparelho de função pedagógica, servindo para evitar construção de novas leis como a de Ipatinga. A influência/poder do tribunal na situação em questão foi, segundo as palavras de McCann,

“(...) direto, linear e causal em termos de impacto. Eles [tribunais] podem deter ou parar uma disputa e declaram vencedores e perdedores. Os tribunais também podem traçar políticas que os demais devem seguir, levando alguns cientistas políticos a estudar o seu grau de cumprimento e de implementação.” (p. 183)

;a declaração de inconstitucionalidade frente a uma lei preconceituosa e que vela a realidade social é algo de incalculável alcance, como se um novo limite de legislar fosse criado. Portanto, seguindo as ideias do sociólogo Michael, o STF teve um papel de nível estratégico, o que não é novo em seu histórico, afinal, “as ações dos tribunais fornecem diversos ‘precedentes’ estratégicos para as partes envolvidas em diferentes relações por toda a sociedade” (p. 184).

Em caminho de finalizar, um último ponto que cabe ser destacado, é que

“Quanto o tribunal atua em uma disputa particular, ele pode de uma só vez: aumentar a relevância da questão na agenda pública; privilegiar algumas partes que tenham demonstrado interesse na questão; criar novas oportunidades para essas partes se mobilizarem em torno da causa; e fornecer recursos simbólicos para esforços de mobilização em diversos campos. As respostas vindas de diversos públicos podem indicar a questão específica a qual o tribunal se refere ou algum outro assunto para o qual a ação do tribunal deva se preocupar.” (p. 186) - grifo nosso

Portanto, a decisão do Dr. Gilmar Mendes foi acertada, sendo garantidora do cumprir com a constituição, tendo peso pedagógico e fornecendo a possibilidade para que situações semelhantes sejam evitadas, bem como combatidas, pelo judiciário. Além disso, lembrando o grande pedagogo e pensador brasileiro Paulo Freire: “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.”, por isso é uma ação democrática mostrar que a sociedade não é feita de héteros brancos cis religiosos, mas é plural, com pessoas de todas as classes. A diferença é o fato que une os indivíduos.

 

GABRIEL RIGONATO – NOTURNO – 2º PERÍODO