domingo, 21 de novembro de 2021

Lei da Equivalência das Janelas

 A soberania popular, mais do que constitucionalmente garantida, é o cerne do regime político democrático. Desta forma, quando Michael McCann faz uma análise do Poder Judiciário e mobilização do direito, através da perspectiva dos “usuários”, ele está fazendo referência a todos nós, cidadãos e iguais perante à lei e, apesar de muito debater-se acerca do papel e da importância dos Tribunais, é nítido sua colaboração para a manutenção do bem estar social, sendo engrenagem essencial à efetivação de direitos.

Em síntese, os tribunais existem porque a forma adotada para a resolução de conflitos não é a autotutela, baseada no emprego da força particular e na “lei do mais forte”, sendo este um modelo primitivo e uma exceção encontrada no ordenamento jurídico, não uma regra; diferentemente da heterocomposição, a maneira mais usual, consubstanciada na eleição de uma terceira pessoa, seja por lei ou pelas partes, para dirimir as possíveis controvérsias existentes, investindo-o de poder jurisdicional. Tal definição encaixa-se consideravelmente no que tange à abordagem institucional e histórica, considerada a mais pertinente pelo autor, uma vez que defende o poder e a influência dos tribunais como sendo fruto de processos complexos, com diferentes autores e contextos sociais. É importante salientar ainda que, apesar de não termos alcançado o ideal de justiça e igualdade, permanecemos sendo resistência, colhendo frutos de diversas lutas passadas ao mesmo tempo em que plantamos novas sementes de revolução, não permitindo que as ideias flutuem livremente, mas sim, que sejam enraizadas, internalizadas, no âmago de cada indivíduo.

A medida que ideias sedimentam-se nas consciências e o foco é voltado aos partícipes na construção de um direito mais acolhedor, existe real progresso no plano concreto, suprindo lacunas não só legislativas como ausências sociais profundas. Em situação contrária, claramente ocorre o oposto, agravando carências seculares e atrasando o progresso social como um todo. A Ação Civil Pública Cível - Indenização por Dano Moral n° 1020336-41.2019.8.26.0196, referente a apologia ao estupro em trote na faculdade Unifran, localizada em Franca/SP, é um exemplo dessa última constatação, levando-se em consideração sua sentença de indeferimento, possuindo o seguinte comentário, feito pelo juiz, como uma das variadas fundamentações absurdas: “Não se pode presumir que o comportamento do requerido, dirigido a um grupo específico de pessoas, seja uma agressão dirigida a todos os indivíduos do sexo feminino. A responsabilidade civil demanda dolo ou culpa, dano e nexo causal, os quais estão ausentes no presente caso”.

Como o óbvio precisa ser frequentemente dito: permitir condutas misóginas, machistas, sexistas, é um ultraje à luta de milhões de meninas e mulheres. Os tribunais são vistos como catalisadores de ações político-sociais, rebaixar, mesmo que certo grupo de mulheres, gera atraso indireto na vida de muitas outras e deveria ser de caráter coletivo o interesse em respeitar a legitimidade desta causa tão nobre e sofrida. Machado de Assis, em sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, especificamente no capítulo LI, relata o momento em que o eu lírico descobre uma lei sublime: “a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, afim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.” (ASSIS, 1881, LI). Perante a isto, considerando que os precedentes também são janelas, o indeferimento supracitado é uma janela fechada e não mostra horizonte algum na luta pelos direitos das mulheres, que viverão para lutar mais um dia, abrindo, mesmo que aos poucos, mesmo que invisíveis, suas próprias janelas.

Júlia Nogueira Orricco

1° ano – Noturno

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