segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

      O partido político Cidadania, através de uma petição, impetrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido subsidiário de interpretação conforme à Constituição, para que a chamada "injúria racial" seja considerada como crime de racismo e, consequentemente, imprescritível e inafiançável. Nesse sentido, no julgamento do Habeas Corpus, realizado pelo STF, a ordem de aplicar imprescritibilidade ao caso de injúria racial cometido por uma mulher de 72 anos foi denegada, isto é, não houve acordo para concordar com o pedido, tendo vencido o Ministro Nunes Marques, que concedia a ordem para reconhecer a extinção de punibilidade da paciência pela ocorrência da prescrição. Isto é, o Supremo Tribunal Federal não entendeu o enquadramento do dispositivo de injúria racial como racismo. 

      Em um primeiro momento, cabe explicar brevemente o entendimento atual da doutrina e da jurisprudência jurídica acerca da suposta diferença entre racismo e injúria racial. A injúria está presente no Código Penal brasileiro e diz respeito à ofensa a honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem; já o conceito de racismo está intimamente ligado a uma coletividade indeterminada de indivíduos, isto é, a integralidade de indivíduos racializados, e é imprescritível e inafiançável. De modo geral, situações como ofender uma pessoa preta chamando-a de "macaca" é entendido como injúria, pois supostamente fere apenas a honra de uma pessoa, ao passo que racismo seria, por exemplo, inserir uma placa em um estabelecimento comercial com os dizeres "proibida a entrada de pessoas pretas e pardas". Entretanto, cabe destacar que ambos estão baseados no preconceito racial, que historicamente ocorre no Brasil. 

      Dessa forma, há a luta para que a injúria racial seja encarada como uma forma de racismo, visto que a hipótese de que a negação à honra de apenas uma pessoa preta é falsa, pois, na realidade, nega a honra da coletividade de pessoas pretas, assim como o que se convencionou enquadrar no crime de racismo. Ou seja, subjugar um indivíduo racializado chamando-o de "macaco", por exemplo, abarca a integralidade de pessoas pretas que viveram e vivem no Brasil, pois essa ofensa está enraizada de forma histórica e, infelizmente, é compartilhada por muitos. Ademais, além da luta para tal enquadramento reconhecer que o racismo não pode ser individualizado, a estatuição de injúria como racismo faz com que esse dispositivo se torne imprescritível e inafiançável, de forma a não possibilitar mais que pessoas racistas sejam constantemente impunes pelo sistema jurídico brasileiro. Assim, o conflito expresso no litígio é a consideração ou não da injúria racial como racismo. 

      Cabe enfatizar que essa consideração está dentro dos espaços dos possíveis, visto que é legitimada pela Constituição Federal e por diversos movimentos sociais do Brasil, que são históricos e estão presentes desde antes do fim da escravidão. Outrossim, tal enquadramento é importante para auxiliar na promoção da dignidade para as comunidades racializadas, que, historicamente, tiveram seus direitos negados, feridos, e colocados à margem dos interesses da branquitude e da elite. Pode-se exemplicar através da Lei de Terras, de 1850, que inviabilizou o acesso de terras a essas pessoas, assim como a ausência de políticas públicas pós escravidão no que concerne à moradia, saúde, segurança, entre outros. 

      Ainda no que concerne à possibilidade do Judiciário entender a injúria como racismo, essa atitude não seria ativismo nem paternalismo judicial, mas sim um caso de magistratura do sujeito, pois os magistrados não visam protagonizar uma discussão, mas sim estatuir debates que ocorrem há anos nos campos sociais e políticos. Também, isso seria importante pois tal entendimento seria difícil por outra via, como a legislativa, visto que os deputados e senadores, representantes do povo, têm, majoritariamente, interesses ligados à elite econômica e à branquitude. Nesse sentido, ocorreria uma antecipação por parte do Poder Judiciário a fim de tutelar sobre o direito de ter a existência reconhecida de forma digna, sem a perpetuação de preconceitos e estigmas raciais. 

      Ademais, tal entendimento e equiparação é fundamental para o aprofundamento da Democracia, do Estado Democrático de Direito e da Constituição Federal, visto que esses são pautados na igualdade (sob o viés formal), solidariedade, construção de uma sociedade justa e livre, erradicação da pobreza e de desigualdades, entre outros. Desse modo, o reconhecimento da injúria como uma forma de racismo possibilita que esses pilares supramencionados tenham maior chance de efetivação no território brasileiro, já que reconhecem problemas relativos à promoção da dignidade e honra de indivíduos racializados. 

      Além de ocasionar o aprofundamento da Democracia, tal resultado modificaria o contexto imediato de lutas antirracistas e da cultura geral, pois não haveria mais a possibilidade de pessoas racistas não serem reconhecidas como tais, concomitante à punição mais rigorosa e adequada a essas pessoas, que não poderão nem mesmo pagar fiança e prescrever suas atitudes criminosas e preconceituosas. Nesse sentido, há mais possibilidade das pessoas se educarem sobre a vivência de pessoas pretas e pardas e de seus pensamentos e teorias, a fim de não perpetuar racismo e, consequentemente, serem criminosas. Bem como auxilia na compreensão dos preconceitos raciais como fenômenos históricos e coletivos, não individuais e isolados (concepção ligada ao entendimento majoritário acerca de injúria). 

      No que tange à supramencionada maior possibilidade de educar-se sobre pessoas racializadas, essas atitudes estão diretamente ligadas ao rompimento da monocultura do saber. Esse conceito diz respeito à consideração única de valores entendidos como verdade absoluta, que são formulados principalmente por pessoas brancas, que, de forma histórica, têm mais acesso à academia, à educação e à propagação de teorias. Nesse sentido, a branquitude tem o protagonismo na definição de verdades e, até mesmo para definir a vivência de pretos e pratos. Entretanto, felizmente há a ecologia dos saberes, isto é, entender que não há uma verdade absoluta promulgada por determinado grupo, mas sim uma infinidade de saberes, bem como a necessidade de valorizar saberes e teorias emancipatórias. Dessa forma, a equipação da injúria racial como crime de racismo traz a tona a ecologia dos saberes e nega a monocultuar do saber, pois dá voz a uma das pautas do movimento antirracista. 

      Por fim, cabe ressaltar que o entendimento atual jurisprudencial e da doutrina acerca da injúria racial tem relação com a desumanização de pessoas pretas. Isto porque subentende que uma atitude pautada em preconceitos raciais pode ser relativizada e, portanto, a humanidade da vítima pode ficar em segundo plano, ou seja, há anulação de sua dignidade, honra e humanidade, a fim de que uma pessoa racista não possa ser considerada criminosa. 

Bárbara Canavês Domingos - 1° ano Direito Noturno 


Injuria Racial, justiça e sociedade

 A ADI 6987 traz consigo um avanço crucial nas lutas de combate a discriminações raciais, reconhecendo como crime de racismo os crimes de injuria racial, e trazendo a eles a seriedade pela qual esses realmente devem ser trabalhados em plano jurídico. 

Nota-se que essa situação representa um avanço democrático na busca da promoção do mínimo de segurança e justiça, representando traços da chamada “magistratura do sujeito” que oferece uma forma de amparo jurídico em meio a uma realidade onde avançam interesses individualistas. Pode se dizer, portanto, que o judiciário nesse momento teve um papel de extrema relevância, atuando como uma ferramenta eficaz para as mudanças sociais necessárias nesse contexto, assim como outros atores sociais que sempre vão fazer parte dessas decisões, atuando dentro do espaço dos possíveis para atingirem esse protagonismo na mobilização do direito, onde esse deve se construir como um reflexo das diversas necessidades sociais. 


Deve-se, portanto, analisar a ADI em questão como uma desconstrução dos parâmetros tão delimitados da linha abissal da sociedade, que insiste em afastar os interesses de determinados grupos marginalizados, e reforçar os fatores de universalização de uma maioria dominante oposta àquelas que por muito tempo tiveram seus ideais marcados pela ilegitimidade e inexistência, marcas de um abismo jurídico. 


Nesse sentido, analisando Garapon e McCann entre outros autores, e trazendo os conceitos de espaço dos possíveis e mobilização do direito, podemos compreender esse caso como um avanço das lutas sociais na construção de um Direito voltado para esses anseios que por muito tempo foram ignorados, ou não tiveram a relevância que necessita no plano jurídico.  


Essa decisão representa um afastamento de uma visão dominada pela monocultura do saber, levando em conta as diferentes realidades e trazendo à tona a necessidade da construção de um saber, de um direito cada vez mais plural e desvinculado com certos padrões problemáticos e excludentes, caminhando sempre a fim de expandir a democracia e a proteção jurídica conforme os anseios da sociedade, compreendendo a pluralidade e a diversidade de cada grupo social, e fornecendo a devida relevância as lutas, as crenças e as diferentes formas de viver e ser em sociedade.  


Em síntese, a ADI 6987, ao trazer a possiblidade de inclusão de crimes de injuria racial como crimes de racismo abre espaço para a construção de um direito voltado para as necessidades de grupos que por muito tempo não conseguiram se estabelecer como agentes relacionados com a mobilização do direito, principalmente pelo caráter excludente de uma elite dominante e sem qualquer consciência das diferentes realidades e necessidades de uma sociedade tão plural e que necessita indispensavelmente de amparo jurídico de forma eficaz.  

Injúria racial e sua relação com o racismo

  A injúria racial já é considerada crime e é compreendida como uma ofensa a um indivíduo específico. Esse entendimento causa contradições, já que ao ofender uma pessoa baseando-se na sua raça, existe um desrespeito com toda a história dessa pessoa, seus antecessores e as características de sua raça. Levando isso em conta, a ADI 6.987 tem objetivo de igualar o crime de injúria ao crime de racismo.

  Dessa forma, vendo a gravidade do racismo e o que ele tem causado em nossa sociedade à séculos, é sensato ver a injúria como algo gravíssimo e que deixa o crime de racismo mais difícil de ser superado, ainda mais porque uma pessoa que comete injúria é uma pessoa racista (ofendendo todo um grupo de pessoas mesmo sendo um ataque individual). Assim sendo, o direito como consequência de um estudo sociológico acerca da sociedade atual e de sua formação histórica, é certo acontecer uma mudança no código penal brasileiro. Seguindo essa linha de pensamento, Bourdieu acredita que o direito deve seguir o pensamento sociológico e se moldar conforme as conclusões sociológicas.

  Portanto, quando existe um alterocídio contra um indivíduo , isso pode ser considerado um problema que tem ramificações muitos graves. Levando a entender que quem cometeu esse crime acredita em toda uma injustiça social, estatal e judicial que vem se formando a muito tempo. Por conseguinte, uma ofensa individual baseada na raça da pessoa, não pode ser considerada individual.


Nome: João Olavo de Miranda Vieira 

RA: 221224671

Direito Noturno


  

A injúria racial à luz do conceito de racismo estrutural

    Achille Mbembe vê o racismo através de lente profunda, complexa e histórica. Fala sobre as influências do Capitalismo, da Ciência na construção do conceito de raça, e a também discriminação, descarte e violência com base na diferença, o racismo. O autor descreve três momentos: a espoliação construída na escravização, em que africanos foram convertidos em mercadoria, objeto; no final do século XVIII, em que a população negra passou a articular uma linguagem para si e reivindicou, produziu muitas revoltas e obteve conquistas, da independência do Haiti em 1804 ao fim do apartheid da África do Sul no século XX; a globalização, com a hegemonia do neoliberalismo. Contudo, Mbembe acredita haver espaço para o pensamento crítico e para a epistemologia decolonial, de novas reivindicações, a que chama de devir-negro do mundo, um novo caminho do conhecimento e da percepção. Uma teoria importante de Mbembe consiste da necropolítica, adaptação da biopolítica de Foucault. Nesta, aspectos biológicos são utilizados para dividir a sociedade, de maneira que o Poder Público consiga conceder distintos tratamentos e serviços para cada segmento, é uma face do poder para o Foucault. No conceito de Mbembe, o tratamento diferenciado dado a alguns é o tratamento da morte, a política da morte. O autor também ressalta que, ao passo que a discriminação racial antes tinha como base ideológica ideias equivocadas da biologia, atualmente, a base é mais de caráter cultural e religioso.

O caso do Judiciário a ser relacionado com as noções de Achille Mbembe é o HC 154.248. A decisão define a injúria racial como tipo penal do racismo e que, portanto, é imprescritível, pode ser reclamada a qualquer prazo. Isso porque o inciso XLII do Art. 5º da Constituição Federal assume que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”. O Supremo Tribunal Federal entende o racismo como estrutural, ou seja, algo presente em diferentes esferas da vida, presente nas instituições, que é reproduzido na economia, no imaginário social, na política, e que, dessa forma, afeta a cidadania e a dignidade da população negra. Nessa perspectiva, a injúria racial, enquanto ofensa que faz uso da raça para ofender, deve ser admitida como modo de reforçar a estrutura racista, que fortalece a ideologia de subalternização das pessoas pretas e de normalização da violência e da estigmatização sofridas. Assim, jamais a injúria racial ataca só um indivíduo, entretanto, ataca todos que pertencem ao grupo verbalmente agredido. Isso está em convergência com as noções da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Só por haver distinção entre a Lei 7.716/1989 e o Art. 140, § 3º do Código Penal, não quer dizer que a injúria racial não seja espécie do gênero racismo, uma vez que o rol não é exaustivo.

Como o Mbembe compreende o racismo em uma série de dimensões, orientado pelo Capitalismo, e construído no decorrer histórico, sem ser nada eventual, isolado, e utilizado para o proveito de certa elite branca, em privilégios, a visão do STF encontra abrigo na teoria do sociólogo. Pois, então, a injúria racial é evidentemente parte do racismo, a qual fortalece a ideologia racista, os preconceitos e o ódio. A admissão da injúria racial como espécie do gênero racismo é forma de promover mais cidadania, democracia, e corrobora com o devir-negro do mundo de Mbembe. É uma subversão do formalismo eurocêntrico, que vê o homem branco como parâmetro universal e ignora as diferenças e as condições materiais dos indivíduos e dos grupos. Além disso, para utilizar da fórmula de Antoine Garapon, a maior autoridade do Judiciário foi necessária neste caso, a fim de solucionar um pendente conflito, de vulnerabilização de sujeitos, só remediado com a atuação da Justiça, que se impôs sobre a autonomia frágil dos cidadãos e agiu de maneira tutelar. Com a fórmula de Bourdieu, tratou-se de disputa de leituras no espaço dos possíveis, em que as forças progressistas e os indivíduos afrodescendentes saíram vitoriosos, não estando o Direito de jeito algum isolado das lutas e problemas da sociedade. Então, a partir de Michael McCann, as ações judiciais, com aspectos políticos, são “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores”. Nesse sentido, grupos afetados ou interessados articulam-se com o Direito, travam discussões em Cortes, fazem uso de mecanismos institucionais para assegurar a efetivação de direitos, obter certo bem. Tomando como referência a teoria de Sara Araújo, através do formalismo jurídico, adota-se postura eurocêntrica e tradicionalista no Direito, que permite perpetuar sistemas de opressão e de exclusão de determinado grupo. Contudo, ao avaliar a situação do ponto de vista dos excluídos, ao considerar distintas teorias do Direito senão a liberal, ao observar a realidade fática, o “Direito achado na rua”, torna-se evidente o peso e a importância de incluir a injúria racial dentre os tipos penais do racismo.

ADI 6987 - Um avanço na luta contra o preconceito racial

A questão do racismo vem sendo um tremendo problema social já há séculos, de forma a vir afetando direta, concreta e significativamente a vida das populações étnico-raciais não brancas, tanto na sociedade brasileira quanto nas sociedades ao redor do mundo todo. O fenômeno social do racismo pode ser tipificado, de uma forma mais específica, como preconceito, discriminação ou antagonismo por parte de um indivíduo, comunidade ou instituição contra um grupo de pessoas pelo fato de estes pertencerem a um determinado grupo racial ou étnico, tipicamente marginalizado ou integrarem uma minoria; atitude de hostilidade em relação a determinada categoria de pessoas, e isso acaba -por conta de toda uma estigmatização, uma repressão sócio-cultural acerca de costumes e questões culturais e, também, por causa de um omissão histórica por parte do Estado para com a inclusão e o bem-estar de populações racial e étnico-culturalmente desfavorecidas ao longo da história das sociedades mundiais- vindo a prejudicar inúmeras populações com culturas, costumes e etnias não brancas e eurocentirzadas (sendo que esses grupos brancos culturalmente eurocentricos foram históricamente privilegiados socialmente em relação a diversos outros grupos), especialmente a população preta -que foi fortemente estigmatizada, oprimida, segregada e prejudicada desde a escravização, perpassando a abolição da mesma e seguindo até a atualidade, onde a herança de séculos de exclusão e preconceito- que é sempre foi a maior prejudicada pelo legado preconceituoso da sociedade.


Uma ponderação válida de se ressaltar é a diferença teórica entre racismo e injúria racial. O racismo, como já foi dito anteriormente, é, em resumo, a intolerância e beligerância contra um grupo de pessoas, já a intolerância é essa mesma postura que caracteriza o racismo mas tomada contra uma pessoa específica, ou seja, seria uma postura intolerante contra um indivíduo particular. Com base nessas colocações e definições, é fácil afirmar que racismo e injúria racial são condutos bastante similares, de forma que a única diferença prática seria o alvo, que no caso do racismo seria um grupo específico de pessoas e já no caso da injúria o alvo seria um pessoa específica, de forma mais individual, porém, o comportamento para com cada respectivo alvo é basicamente o mesmo. 


Partindo dessas observações postas aqui e considerando as imensas semelhanças entre ambas as condutas mencionadas que o partido Cidadania foi ao Supremo Tribunal Federal e entrou com um Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) -de número 6987- com o intuito de equiparar, legalmente, os crimes de racismo e injúria racial, para que as penas e as questões relacionadas ao devido processo legal pudessem ser semelhantes em ambos os casos, e pelo placar de 8 votos a favor dessa ideia e 1 voto contrário (proferido pelo ministro Nunes Marques), o STF equiparou injúria racial e racismo.


Essa decisão do Supremo pode ser analisada a partir de diversas perspectivas sociológicas. Analisando-se o caso sob a ótica de Bourdieu e seus conceitos de “espaço dos possíveis” e de “poder simbólicos”, essa decisão pode ser considerada um acerto por parte da corte, já que, para ele, o direito é um reflexo das necessidades da sociedade, de forma que o grupo social especialmente da população preta vem demandando do poder público ações mais firmes e concretas para a resolução de problemas de ordem racial (os quais prejudicam e muito essa população) justamente por esse grupo se ver, por muito tempo, sem o devido amparo por parte das autoridades e viu nessa ação uma maneira de avançar algumas casas importantes na sua luta contra a descriminação e pela reparação histórica, oque (pela perspectiva de Bourdieu) basta para legitimar ação do STF.


Em se fazendo a leitura do caso pelas lentes de Sara Araújo, pode-se também creditar positivamente a suprema corte do Brasil em relação ao resultado dessa ADI, pois, segundo ela, o direito não deve constituir-se de forma a levar em consideração apenas as monoculturas do saber que são representadas por um padrão e um modo eurocêntrico de pensamento e ação, mas deve, sim, ser ser alicerçado de uma maneira ampla e plural abrangendo diversas manifestações culturais, conforme aponta sua teoria sobre a “ecologia de direitos e justiça”. De acordo com a visão de Garapon, um juiz, quando requisitado para tal, deve fornecer para a população, que carece de atenção do estado e de amparo social, uma solução que atenda suas demandas dentro do ordenamento jurídico vigente por conta de uma omissão por parte dos poderes competentes em relação ao tema específico (num conceito que formulado por ele que chama-se “Magistratura do Sujeito”), e partindo dessa premissa, é possível, também, considerar a ação do STF acertada. Pela visão sociológica obtível pelas ideias de McCann, é possível dizer que a mobilização social (que no caso foi tanto a ação protocolada, quanto toda a luta social em torno da questão racial na sociedade) é a causa da expansão de direitos (que caracteriza-se, no caso, pelo resultado obtido em favor da equiparação via essa ADI), e foi exatamente oque ocorreu com essa ação, mostrando, por mais uma perspectiva de análise, o acerto da decisão tomada pelo Supremo. Em considerando-se as ideias de Mbembe e seu conceito de necropolítica, ele enxerga na sociedade a demarcação de um grupo em relação a um outro como um dessemelhante radical do seu grupo, e que conforme mostra sua diferença, esse grupo acredita ser necessário o extermínio do outro grupo, já que, para este grupo, o grupo diferente é tido como uma ameaça, e que, por conta disso, também é possível classificar a decisão do STF como acertada e apropriada.


Diante de todas as perspectivas postas pelos diversos pensadores aqui abordados, é de fácil compreensão de que a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da equiparação dos crimes de racismo e de injúria racial mostrou-se correta e acertada, de forma a respaldar uma luta e demanda bastante antiga da sociedade em relação a medidas mais eficazes no combate ao preconceito racial, simbolizando um grande avanço a respeito do tema no debate público e na própria prática jurídica brasileira, algo bastante positivo para a população -especialmente a população preta-.




Aluno: Otávio Aughusto de Andrade Oliveira

Turma: 1°Ano - Direito Matutino

ADI 6897 e a injúria racial como racismo

 O Supremo Tribunal Federal, em 28 de outubro de 2021, finalizou o julgamento da ADI 6.987, que determinou que o crime tradicionalmente denominado “injúria racial” previsto no artigo 140, § 3º, do Código Penal, passou a ser interpretado como crime de racismo. Dessa forma, é importante destacar que a injuria racial é entendida como um crime dirigido a um indivíduo específico, enquanto no caso do racismo, é um crime contra toda a comunidade, com uma punição correspondente.


Isso significa que partindo de uma análise sociológica, podemos trazer primeiramente a ideia de Bourdieu, que acredita que o direito é reflexo de demandas sociais, que se evidenciam no que diz respeito ao racismo frequente em nossa e em tantas outras sociedades, a partir da demanda da cidadania. Entende-se ainda que, neste caso, o conceito de McCann da mobilização do Direito pela sociedade foi exemplar porque a decisão foi um resultado direto dessa mobilização e não pode se encaixar nas definições de judicialização política de Garapon.


Além disso, na análise do ponto de vista desta parcela da população, temos Sara Araújo. Para ela, o Direito deve ser construído de forma ampla, levando em conta não apenas as 5 monoculturas dos chamados países ocidentais (países do Norte), mas também muitas outras manifestações culturais existentes, o que de certa forma lembra o conceito de Garapon da necessidade de proteger a tutela dos sujeitos mais vulneráveis. Isso está presente no Brasil com a tentativa atual de impor comportamentos e condições de algumas partes a outras, sendo essa tentativa uma clara manifestação de racismo.


Mbembe também traz uma visão do próprio racismo. Para o filósofo camaronês, o alterocídio é a delimitação do outro como radicalmente diferente, que por sua diferença, seu extermínio é necessário por ser considerado uma ameaça ao Estado. Nesse sentido, o pensador conclui que existe uma verdadeira necropolítica, uma política da morte que avalia os diferentes, principalmente os raciais, como praticamente zumbis. Portanto, é óbvia a importância de todos os pensadores citados para a compreensão e construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, que lute contra as monoculturas e a exclusão racial.


Giovanna Cayres Ramos 

Direito noturno 

O reconhecimento do povo preto no Brasil

  O que caracteriza alguém como um sujeito negro no Brasil? Esse é um questionamento que aparece diversas vezes, em inúmeros debates para defender a ideia de que o Brasil é um país desprendido de um conceito de raça, de uma única etnia. No entanto, este pensamento, ainda que apareça como uma forma de união da nação, surge como um fator de segregação e de deslegitimação do movimento negro e das denúncias de racismo e de injúria racial, pois, uma vez que todos possuem as mesmas características e bases, não há a possibilidade de haver discriminação por estes fatores. Autores negros, em suas obras, frequentemente utilizam a frase "se você não enxerga cor, então você não me vê", o que denota que mesmo que o país seja miscigenado, existe a necessidade de reconhecer os privilégios que pessoas brancas possuem, tanto em questão da validação de suas características e até mesmo de sua cultura, o que faz com que ambas sejam diferenciadas entre si e, em discursos que agrupam tudo em apenas uma unidade, aqueles que já sofriam preconceito, agora passam a ser esquecidos. 

      Deste modo, a ADI 6.987 surge como um pedido para a garantia de injúria racial como racismo, tendo em vista que o simples fato de ofender um indivíduo pela cor de sua pele ou por seu fenótipo e suas raízes, já deveria ser considerado um delito grave. O tema não apresenta conflito com o espaço dos possíveis ou uma ameaça para a democracia, considerando que a mesma busca a igualdade entre todos dividida igualmente, logo, assegurar devidamente o direito para a comunidade preta seria uma forma de reafirmar a democracia, proporcionando ao menos uma tentativa de igualdade, que ainda está longe de ser alcançada. A ação pode ser considerada um caso de mobilização do direito promovida pela população negra, ainda que muitos deste povo não tenham a condição de pleitear as ações por conta da condição monocultural que surge em casos formais, teoria apontada pela autora Sara Araújo, que define que há uma questão de monocultura, onde apenas aqueles que dominam são escutados e os oprimidos não são levados em consideração, possuindo seus traços apagados da história. 

      Ademais, ainda no tópico abordado no parágrafo anterior, o autor Mbembe Achille, em sua obra “crítica da razão negra”, traduz diferentes argumentos que são visualizados hodiernamente e servem para embasar a teoria da relativização dos casos de racismo, afirmando que por vezes o agressor se sente atacado simplesmente pela presença do indivíduo e, em muitos casos, sequer o reconhece como um igual, despersonalizando-o. Em vista disso, reconhece-se que não há a possibilidade de adquirir tal direito por uma via não jurídica, levando em consideração que a percepção deste fato até mesmo foi tardia na busca pela igualdade racial, não aparecendo nenhum sinal de antecipação perante o requerimento da norma. 

      O sociólogo Pierre Bourdieu traduz a historicização da norma como a adaptação da mesma para atender as necessidades atuais da população. Através disso, vê-se a urgência em atender os casos de injúria racial dentro de sua correta categoria, pois é devidamente o fato que é exigido hoje e é de extrema necessidade para a validação da luta dos povos negros no Brasil. 

      Por fim, é de suma necessidade distinguir que a aquisição deste privilégio jurídico não só apresenta mudanças em um nível constitutivo, que se demonstra no cotidiano, mas também no viés estratégico, com a devida punição para delitos graves e a abertura para os demais temas relevantes que surgem dentro deste litígio. Dar voz a um povo, é reconhecê-lo como humano e assegurar os seus direitos é a mais pura expressão de democracia, o que faz com que haja a inspiração de trilhar ainda mais o caminho para a busca de respeito, além de mostrar para a população que eles devem ser respeitados acima de tudo.


Maria Cecília Da Silva Mateus 

1º ano Direito - noturno

(Re) criação de um novo devir negro.

 A luta pelo enquadramento da injúria racial como uma espécie de racismo, vem sendo travada pelo movimento negro e vários setores da sociedade, os quais buscam - através da mobilização do direito - combater o racismo estrutural e expandir o espaço dos possíveis dentro do campo jurídico. Esse enfrentamento ocorre desde da abolição da escravatura, e nos remete às raízes históricas da escravidão no Brasil, cujo legado perveso vem sendo disseminado através das gerações, e são perpetrados cotidianamente através de violências físicas e simbólicas que acometem a população negra. De acordo com Silvio Almeida, o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. Para que esse sistema funcione, Mbembe nos coloca que é necessário que haja um processo de desumanização do devir negro - o qual tem sua existência produzida através dos olhos do homem branco (tido como o genérico e universal) - sendo assim, esse sistema produz uma legitimação de estigmas que codifica e naturaliza uma hierarquização racial na sociedade. A ADI 6987 busca questionar a interpretação dada ao crime de injúria racial, que comumente é descolada do crime de racismo - cuja pena é inafiançável e imprescritível -  e que com essa perspectiva dominante, representa bem o judiciário brasileiro - formado em sua maioria por homens brancos - cuja sensibilidade não abarca de maneira alguma a subjetividade do mulher/homem negro, de forma que, perpetuam de forma constante uma monocultura da naturalização das diferenças no nosso país, na qual exteriorizam e legitimam o racismo estrutural no cotidiano das pessoas. A ação assim pleiteia, garantir a defesa dos direitos fundamentais mínimos, através de uma hermenêutica emancipatória decolonial e anti discriminatória, na qual reconheça o crime de injúria racial como espécie de racismo, com todas as consequências da pena contidas no Art. 5º, XLII, da nossa constituição. Essa reinterpretação da lei é fundamental para a (re) criação de um novo devir negro no Brasil.

Luiza David F. Neves 1º ano - Matutino

A impunidade da injúria racial

 No nosso código penal há uma distinção existente entre racismo e injúria racial. Enquanto a racismo é enquadrado como um crime inafiançável, imprescritível e de agressão a uma raça, a injúria é um crime prescritível e passível de fiança, a injúria é tida quando se ofende unicamente uma pessoa, independente se a ofensa é de cunho racial. A ADI 6987 aparece para mudar essa discrepância do sistema jurídico com a realidade. Que trabalha dentro do espaços dos possíveis para legitimar a luta da comunidade negra contra o sistema estruturalmente racista. A ADI trata da determinação do crime de injúria racial dentro do racismo.

Umas das problematicas que eram trazidas acerca das ADIs dizem respeito a uma possível judicialização das lutas, mas no entanto, o que McCann traz sobre o assunto retrata bem a situação atual brasileira, uma vez que não se trata de uma judicialização, e sim de uma concretização das lutas sociais praticamente diárias da comunidade negra para que os crimes de cunho racista sejam punidos como tal. Já é praticamente comum para a sociedade vermos notícias de atitudes descaradamente racistas, que ofendem toda a sociedade, serem enquadrados como injúria racial e o autor desses ser solto após pagamento da fiança

Para confirmar a validade dessa ADI pôde-se citar o camaronês Mbembe, dizendo que o Estado tem a função de evitar políticas de exclusão, protegendo grupos sociais desfavorecidos e agindo e fazer destes. Para o autor, como o estado é composto prioritariamente por homens brancos, os inimigos e os paradigmas trazidos por esses acabam por serem os inimigos e os paradigmas do estado, assim o estado age muitas vezes contra a população negra que acaba recebendo as consequências negativas dessa política racista estrutural. Portanto, vemos a ADI como uma ferramenta para tentar solucionar a impunidade existente aos crimes de racismo. Buscando uma igualdade racial nos meios jurídicos penais.

 A ADI 6987, o HC 154.248 e a valorização do olhar do Outro

O racismo é constitucionalmente citado enquanto “crime inafiançável e imprescritível”, conforme descrito pelo artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal. Nesse contexto, para atender à demanda constitucional e regular tal conduta, surgiu a Lei 7.716/89, a chamada “Lei Antirracismo”. Contudo, como trazido por Paulo Iotti¹, representando o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS) enquanto um dos amici curiae em processo posterior levado ao STF sobre a temática, mesmo com a descrição em lei específica, “ a jurisprudência se recusava a aplicar o crime de praticar o preconceito por raça, do art. 20 da Lei 7.716/89, para punir a ofensa ao indivíduo em sua honra por elemento racial”, comumente entendo o crime como mera “injúria simples”. Assim, uma suposta “diferença ontológica” entre uma ofensa à coletividade e uma ofensa subjetiva, ainda que motivadas pelos mesmos elementos discriminatórios, nas palavras do próprio Iotti, “[...] não foi criada pela lei. Foi inventada pela jurisprudência, de forma manifestamente ilegal, antes da existência do tipo penal de ‘injúria racial’”. Visando suprir essa lacuna de efetividade, surgiu a Lei 9.459/97, que criou justamente o chamado crime de “injúria racial” no Código Penal. Em uma análise contextualizada, percebe-se que essa tipificação não foi criada de forma a perpetuar uma banalização dessa conduta a partir do seu não entendimento enquanto racismo, mas sim o contrário, já que como trazido pela doutrina de Guilherme Nucci, utilizada pelo STF, e pelo próprio entendimento do tribunal, como observado na decisão de Agravo Regimental em Recurso Especial em 2020 mantida pelo STF “Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, com o advento da Lei n. 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão”.

É nesse cenário em que se expressa o conflito do caso. Houve uma série de decisões, como no Habeas Corpus 154.248, em que, em um caso particular, a partir de um entendimento pelo STF de injúria racial como uma manifestação racista, negou-se a prescritibilidade da condenação; contudo, não se havia uma pacificação de repercussão geral e que impedisse entendimentos contrários da injúria enquanto uma conduta descolada do racismo. Nesse contexto, o partido Cidadania impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, apreendendo a necessidade de um entendimento do tema também no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, pleiteando por um enquadramento da injúria racial no artigo 20 da Lei nº 7.716/89, ou, subsidiariamente, por um entendimento à luz da Constituição que necessariamente entendesse esse tipo penal como uma manifestação de racismo.

Em todo esse processo, fica claro o chamado “espaço dos possíveis”, cunhado por Bourdieu, em que se percebe como as possibilidades jurídicas vão sendo delimitadas a partir da legislação vigente, dos entendimentos doutrinários e da jurisprudência. O “poder de dizer o direito”, nesse caso, está muito ligado à disputa pela definição de “injúria” e “racismo”: conflitam concepções formalistas, referenciadas por teóricos do direito penal, que afirmam por uma “diferença ontológica” de “bens jurídicos distintos”, como trazido pelo voto do ministro Nunes Marques no HC 154.248; assim como em sentido contrário, em um entendimento material e a partir de uma interpretação teleológica dos dispositivos em questão, preza-se por ressaltar o absurdo contraditório no entendimento de que “uma ofensa pessoal por motivação racista não seria racismo”, analisando-se o racismo em sua dimensão social, abarcando elementos de identidade e pertencimento coletivo.

Com essa historicização da norma a partir da busca de efetivação dos princípios constitucionais, percebe-se uma tendência de complexificação das demandas sociais e consequente ampliação do poder dos tribunais, como observado por Garapon. A ADI surgir de forma vinculada ao HC 154.248 indica justamente essa tendência dos tribunais de proteção e de tutela de direitos fundamentais dos indivíduos, o que Garapon chamou de “magistratura do sujeito”. A busca pela efetivação do direito à não discriminação é pleiteada principalmente por organizações do movimento negro e LGBTQI+, como observado pelos amicus curiae da HC 154.248, sendo exemplo o Movimento Negro Unificado (MNU), o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (IDAFRO) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

Nesse sentido, percebe-se como os tribunais canalizam essas demandas sociais latentes, mas não as criam; são um dos muitos agentes na mobilização do direito, que acontece em diversos âmbitos e em diversas formas, em uma interação complexa de atores e instituições, assim como observado por McCann. Com essa constatação, não se reduz a importância da figura dos tribunais, que permitem mudanças em nível estratégico (como se delimitassem o “estado dos possíveis”, estabelecendo as possibilidades jurídicas) e em nível constitutivo (já que as decisões reverberam em aspectos sociais, influenciando em condutas, como se observa com a própria decisão da HC 154.248); apenas se retira um entendimento de centralidade destes em processos marcadamente sociais e com diversas organizações envolvidas na afirmação e reconhecimento de direitos.

 No caso, quando se busca justificar a injúria racial como uma mera ofensa à honra individual, desconsiderando o evidente vínculo identitário e coletivo motivador da situação, nota-se um dos aspectos da chamada “monocultura dos saberes”, no qual se pretende afirmar o direito enquanto pretensamente universal, contudo, sempre partindo de uma premissa implícita de que o “homem universal” é o branco, que homogeniza sua perspectiva; uma epistemologia do norte que se infiltra nos discursos institucionais disfarçada de uma excessiva preocupação formal. Assim, como trabalhado por Sara Araújo, deve-se buscar traduzir uma epistemologia do sul, que permite que, em uma ecologia de saberes e justiças, vozes historicamente subalternizadas possam ser ouvidas e, como no próprio pedido protocolado na ADI, haja uma “epistemologia emancipatória decolonial e antidiscriminatória”, com foco na defesa de direitos fundamentais.

 Quanto à tentativa de desqualificar a situação discriminatória passada enquadrando-a de forma descolada do racismo, observam-se passagens relevantes da obra de Achille Mbembe:  “Um rosto humano autêntico traz-se à vista. O trabalho do racismo consiste em relegá-lo para o segundo plano ou cobri-lo com um véu. No lugar deste rosto, faz-se renascer das profundezas da imaginação um rosto de fantasia, um simulacro de rosto, até uma silhueta que, assim, substitui um corpo e um rosto de homem. Aliás, o racismo consiste, antes de tudo, em converter em algo diferente, uma realidade diferente” (p. 66). Nesse trecho, percebe-se como uma ofensa pessoal pautada na raça carrega um universo simbólico de violências muito mais profundas, como discutido pelo professor Adilson Moreira, de que a identidade individual também tem uma dimensão coletiva. Quanto a essa influência da raça na percepção individual e coletiva, também pontua Mbembe: “A raça está por detrás da aparência e sob aquilo de que nos apercebemos. É também constituída pelo próprio acto de atribuição- esse meio pelo qual certas formas de infra vida são produzidas e institucionalizadas, a indiferença e o abandono, justificados, a parte humana do Outro, violada, velada ou ocultada, e certas formas de enclausuramento, ou mesmo de condenação à morte, tornadas aceitáveis (p.66).  Assim, percebe-se nesse discurso de relativização de violências com a dissociação da injúria uma deslegitimação do Outro, do qual a desfeita não configura delito tão grave já que este não é, não existe, não é considerado semelhante; há o alterocídio. Da mesma forma, aplica-se o processo de efabulação: há uma perda da subjetividade até mesmo em aspectos epistemológicos, como observado, a partir de um “sistema de narrativas e de discursos pretensamente conhecedores” (p. 57). Portanto, entendendo a razão negra como um “[...] conjunto de vozes, enunciados e discursos, saberes, comentários e disparates, cujo objeto é a coisa ou as pessoas de origem africana e aquilo que afirmamos ser seu nome e a sua verdade (os seus atributos e qualidades, o seu destino e significações enquanto segmento empírico do mundo)” (p.57), observam-se duas perspectivas possíveis. A primeira, referente à “consciência ocidental do negro”, que normaliza sua “desqualificação moral e instrumentalização prática” (p.58), como observado na busca de brechas na dissociação da injúria racial do racismo, e a segunda enquanto panorama a ser alcançado, a partir da “epistemologia emancipatória decolonial e antidiscriminatória” trazida pela proposta da ADI, na qual “[...] o Negro diz de si mesmo que é aquilo que não foi apreendido”; há uma valorização de suas vivências, sua história, memória e identidade. Somente assim pode-se criar uma realidade emancipatória e mais igualitária, buscando valorizar o olhar do Outro e construir uma verdadeira epistemologia do Sul, a partir de uma ecologia de direitos e justiças.


1. IOTTI, Paulo. STF acerta ao reconhecer a injúria racial como crime de racismo. Migalhas, 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/11/B601E750F2054F_PRV-STFeinjuriaracialcomoracis.pdf>. Acesso em: 05\12\2022.


Isabella Neves- 1º ano de direito matutino

     A Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.987, requerida ao Supremo Tribunal Federal pelo partido Cidadania, propõe enquadrar como crime de racismo os classificados como injúria racial, aqueles que se apresentam enquanto uma “ofensa a um indivíduo em sua honra subjetiva” deverá se enquadrar enquanto racismo sistêmico. 

Primeiramente, é importante compreender o porquê da relevância dessa proposta, para tal, é possível utilizar do pensamento de Bourdieu sobre o espaço dos possíveis. Para o autor, tudo aquilo que compete enquanto uma possibilidade nos meios sociais está dentro do espaço dos possíveis, sendo assim, um reflexo direto das interações sociais e suas alterações. A evolução da luta anti-racista ao longo dos séculos proporciona alterações positivas na sociedade, buscando um ideal de Estado Democrático onde ofensas raciais não são justificáveis enquanto meras ofensas individuais. Com isso em mente, cabe ressaltar o impacto jurídico dessas lutas na sociedade, desatando os impeditivos dos chamados magistrados naturais, o ato de judicialização do povo, como enunciado por Antoine Garapon, é o alicerce mais prevalente para uma alteração material e significativa na sociedade. 

Para McCann, o ato de mobilização do direito, como feito por meio da solicitação do partido Cidadania, é outro ponto de extrema importância nesse processo. Em vista do histórico escravista brasileiro, a diferenciação de injúria racial e racismo como se compete nas normas penais não é suficientemente impactante, sendo necessária uma compreensão ampla e sistematicamente correspondente para que se obtenha o resultado socialmente favorável. Pelo requerido, não seria cabível compreender enquanto injúria individual uma atitude que possui origem em um pensamento racista. 

Por seguinte, é interessante compreender o que levou a formação dessa diferenciação presente no Código Penal. Para a autora Sara Araújo, existe uma divergência muito clara no pensamento social dos hemisférios Norte e Sul, existindo uma chamada “linha abissal” entre esses, por meio de uma “monocultura do saber”, tende-se a seguir com a hegemonia colonialista, prevalecendo o pensamento europeu do Norte geográfico. Esse conceito permite compreender o porquê do Código estar ultrapassado nesse aspecto, apegado às suas bases colonialistas escravocratas, conceito esse que também será estudado por Achille Mbembe, que irá compreender que existe uma permanência desse pensamento colonialista em todas as esferas sociais da ex-colônia. 

Por fim, é clara a relevância social e jurídica do pedido do partido na ADI, realizado graças à constante luta dos movimentos raciais, e é antecipado um impacto positivo e progressivo com sua eficácia, sem qualquer risco para a democracia vigente, em contrário, contribuindo para sua constante evolução e aprimoramento, contribuindo para a quebra dos conceitos de desumanização do pensamento e indentidade negra. 


Giovanna Faria Araújo Cunha

1° ano Direito Matutino


Injúria racial como crime de racismo

    A injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Assim, a definição do crime injúria racial trata-se de uma espécie de racismo que desrespeita a dignidade humana. Dessa forma, em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento da ADI 6987, o qual obtiveram como conclusão que o crime injúria racial, previsto no Código Penal, deve ser interpretado como crime de racismo. 

    Analisando pelo lado sociológico, sabe se que Bordieu vê o Direito como reflexo das demandas sociais, também estuda sobre os espaços dos possíveis e seus limites e interseções, em que conforme as evoluções históricas, é necessário que a norma se adapte com o passar do tempo, conforme as demandas sociais, visto que as sociedades estão sempre se transformando.

    Logo, entende-se que o STF está concretizando o que Bordieu chama de "Historização da Norma", pois as fontes se adaptam a circunstâncias novas,  a injuria racial como crime de racismo. É sabido a enorme segregação que ainda existe entre pretos e brancos, dada pelo racismo estrutural advindo desde o período de escravidão refletindo até os dias de hoje. Assim, é necessário que o ordenamento jurídico preveja punições à todos que praticam reações racistas, e isso inclui a injúria racial.

     Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal de oficializar como crime racial, tem como base às demandas sociais envolvidas. Além de ter como objetivo manter a democracia, ou seja, aspirar a igualdade. Além disso, a ADI 6987 pode contribuir para efetivar uma punição adequada a crimes que ferem a honra e a dignidade de uma coletividade de pessoas. Ademais, pode-se considerar uma tentativa válida de diminuir os privilégios das maiorias, e trazer certa reparação quantos aos casos de injustiça ocorridos na sociedade.

    Portanto, é através de medidas como o reconhecimento da injúria racial como racismo que criará a possibilidade de realizar medidas concretas para o combate do racismo. Com isso, pode-se dizer que ocorre uma forma de garantia com a ADI 6987, visto que é através desse tipo de ordenamento jurídico que se poderá evitar que situações racistas cada vez piores ocorram.

Isis Lara Bento Schiavom - 1º ano de Direito, noturno


ADI 6987: quando a estrutura tem que mudar

        A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) N° 6.987, interposta pelo partido Cidadania e distribuída ao ministro Nunes Marques, tendo como relator do processo o ministro Edson Fachin, intenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine o crime de injúria racial como espécie de racismo. Logo em sua ementa, o Cidadania afirma que “o crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”. Dessa forma, o não reconhecimento das injúria racial como tipo de crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Lei do Racismo) tornaria o repúdio e proibição constitucional algo meramente formal. 

        Seguindo o raciocínio utilizado na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 186/DF,  o sociólogo francês Pierre Bourdieu considera que a palavra “cultura” não pode ser dissociada da dominação simbólica, pois é bastante significativa na delimitação de posições sociais decorrentes da influência colonialista. Portanto, a hegemonia cultural é baseada no capital cultural (conhecimento e tecnologia) como justificativa para o exercício do poder e da violência, o que explicaria a permanência do racismo, que segundo Silvio Almeida, é sempre estrutural, pois integra a organização econômica e política da sociedade de forma inescapável. Para o autor, advogado e estudioso da teoria social, “racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”. 

        O próprio relator, Edson Fachin, considera o crime de injúria racial como uma espécie do gênero racismo, impossibilitando o reconhecimento da extinção da punibilidade. 

"A diferença, desse modo, é meramente topológica, logo, insuficiente para sustentar a equivocada conclusão de que injúria racial não configura racismo. Conforme sustenta Guilherme de Souza Nucci, o rol daquele diploma não é exaustivo, devendo-se considerar a conduta prevista no artigo 140, §3º, do CP 'mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão'. Observe-se, nesse contexto, que o crime em análise, por ser sujeito à pena de reclusão, não destoa do tratamento dado pela Constituição ao que ali se prevê como crime de racismo."

        Já Garapon, no que diz respeito ao espaço dos possíveis, defende que o Direito é resultado de ações sociais que visam dar maior visibilidade a pautas de cunho coletivo. Logo, cabe reconhecer que a justiça não refere-se apenas a garantia da igualdade formal dos direitos, mas também a igualdade material, muito além do que é “justo”. Segundo McCann, a mobilização do Direito seria uma atividade coletiva que consiste na defesa de interesses sociais, no cenário institucional. Sendo assim, em uma sociedade com a persistência do racismo estrutural, a pressão ao Poder Judiciário, devido à sua função de garantir os direitos individuais e coletivos, além de resolver os conflitos entre os cidadãos, é essencial. 

        A autora Sara Araújo discorre acerca da imposição global do primado do Direito como um mecanismo de expansão do projeto capitalista e colonial, dessa forma, a colonialidade jurídica disfarça a colonialidade do saber. E novamente, abre espaço para a discussão da dominação do sul por parte do norte. Por fim, o filósofo camaronês Mbembe, em consonância com ideias citadas anteriormente, pelos outros atores, reforça que o Estado tem função de proteger e agir em favor dos grupos sociais, a fim de evitar as chamadas políticas de exclusão. Essa definição assume que determinados grupos são vistos como inimigos do Estado, estando mais suscetíveis às consequências negativas.

        Portanto, entende-se a ADI em questão como uma ferramenta que objetiva a igualdade racial, no âmbito jurídico e penal. Desse modo, refletindo sobre não apenas essa, mas todas as medidas estudadas durante o semestre, é possível perceber a importância da sociologia jurídica como intermediária entre as demandas sociais atuais, em constante mudança, e o rígido e antiquado sistema jurídico brasileiro vigente, buscando uma articulação flexível e cada vez mais social.


Sarah de Jesus Silva dos Santos

1° ano de Direito (Matutino)