segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

ADI 6987: quando a estrutura tem que mudar

        A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) N° 6.987, interposta pelo partido Cidadania e distribuída ao ministro Nunes Marques, tendo como relator do processo o ministro Edson Fachin, intenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine o crime de injúria racial como espécie de racismo. Logo em sua ementa, o Cidadania afirma que “o crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”. Dessa forma, o não reconhecimento das injúria racial como tipo de crime previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Lei do Racismo) tornaria o repúdio e proibição constitucional algo meramente formal. 

        Seguindo o raciocínio utilizado na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 186/DF,  o sociólogo francês Pierre Bourdieu considera que a palavra “cultura” não pode ser dissociada da dominação simbólica, pois é bastante significativa na delimitação de posições sociais decorrentes da influência colonialista. Portanto, a hegemonia cultural é baseada no capital cultural (conhecimento e tecnologia) como justificativa para o exercício do poder e da violência, o que explicaria a permanência do racismo, que segundo Silvio Almeida, é sempre estrutural, pois integra a organização econômica e política da sociedade de forma inescapável. Para o autor, advogado e estudioso da teoria social, “racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”. 

        O próprio relator, Edson Fachin, considera o crime de injúria racial como uma espécie do gênero racismo, impossibilitando o reconhecimento da extinção da punibilidade. 

"A diferença, desse modo, é meramente topológica, logo, insuficiente para sustentar a equivocada conclusão de que injúria racial não configura racismo. Conforme sustenta Guilherme de Souza Nucci, o rol daquele diploma não é exaustivo, devendo-se considerar a conduta prevista no artigo 140, §3º, do CP 'mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão'. Observe-se, nesse contexto, que o crime em análise, por ser sujeito à pena de reclusão, não destoa do tratamento dado pela Constituição ao que ali se prevê como crime de racismo."

        Já Garapon, no que diz respeito ao espaço dos possíveis, defende que o Direito é resultado de ações sociais que visam dar maior visibilidade a pautas de cunho coletivo. Logo, cabe reconhecer que a justiça não refere-se apenas a garantia da igualdade formal dos direitos, mas também a igualdade material, muito além do que é “justo”. Segundo McCann, a mobilização do Direito seria uma atividade coletiva que consiste na defesa de interesses sociais, no cenário institucional. Sendo assim, em uma sociedade com a persistência do racismo estrutural, a pressão ao Poder Judiciário, devido à sua função de garantir os direitos individuais e coletivos, além de resolver os conflitos entre os cidadãos, é essencial. 

        A autora Sara Araújo discorre acerca da imposição global do primado do Direito como um mecanismo de expansão do projeto capitalista e colonial, dessa forma, a colonialidade jurídica disfarça a colonialidade do saber. E novamente, abre espaço para a discussão da dominação do sul por parte do norte. Por fim, o filósofo camaronês Mbembe, em consonância com ideias citadas anteriormente, pelos outros atores, reforça que o Estado tem função de proteger e agir em favor dos grupos sociais, a fim de evitar as chamadas políticas de exclusão. Essa definição assume que determinados grupos são vistos como inimigos do Estado, estando mais suscetíveis às consequências negativas.

        Portanto, entende-se a ADI em questão como uma ferramenta que objetiva a igualdade racial, no âmbito jurídico e penal. Desse modo, refletindo sobre não apenas essa, mas todas as medidas estudadas durante o semestre, é possível perceber a importância da sociologia jurídica como intermediária entre as demandas sociais atuais, em constante mudança, e o rígido e antiquado sistema jurídico brasileiro vigente, buscando uma articulação flexível e cada vez mais social.


Sarah de Jesus Silva dos Santos

1° ano de Direito (Matutino)


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