domingo, 10 de junho de 2018

A mudança com o passar do tempo


Sobre o olhar de Pierre Félix Bordieu sociólogo do século XX o direito não se demonstra sobre os termos propostos pelo formalismo e pelo instrumentalismo nem mesmo por Hans Kelsen na sua teoria pura do direito, por tais motivos a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54 se coloca de garbo interesse. Sendo colocada em prática noções defendidas por Bordieu, na discussão sobre o aborto de anencéfalos.
Nesta votação os ministros do Supremo Tribunal Federal foram colocados na necessidade de arguir em uma situação delicada, pois o Código Penal se coloca em desacordo com a possibilidade de aborto em casos que não sejam relacionados a abusos de cunho sexual ou em situação onde a gestante corre risco de falecimento. De tal maneira as excelências não deveriam se ater a meramente se vincularem a norma na visão de Pierre, já que o mesmo teorizou da necessidade da simultaneidade da lógica positiva da ciência e a lógica normativa da moral.
 O panorama social onde a população detém do acesso a um nível tecnológico deveras superior ao momento em que o código fora colocado em vigor - além do aumento da força da mulher em suas reinvindicações e liberdades – sendo colocado pelo ministro relator Marco Aurélio o Sermão da Primeira Dominga do Advento, obra do ilustríssimo Padre Antônio Vieira a qual corrobora com a necessidade da adaptação temporal do direito, pois no devido tempo de 2012 a capacidade da analise de que um feto não detém da massa encefálica e de que tal modo não possui das capacidades para se tornar uma vida – como defendido pelo ministro – é uma possibilidade desconexa ao tempo da redação do Código Penal.
Tendo em vista tais fatos o ministro Gilmar Mendes – com o voto culminante - defende a liberdade das gestantes nas possibilidades ao receberem o diagnóstico de anencefalia, não vedando o direito a saúde mental e física das mesmas. Utilizando para isso bases da medicina a qual corrobora com o direito para um melhor funcionamento do sistema jurídico, utilizando com isso de métodos diferentes de uma norma “fria” meramente e corroborando com os pensamentos de Pierre Bordieu.


Nilton Cesar Carneiro Junior Turma XXXV Diurno

ADPF 54 e o princípio da dignidade humana.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 que trata a respeito do aborto de bebês anencefálicos engendra um debate controverso. Com pontos de argumentação relevantes de ambos os lados da discussão, é necessário inserir no debate, não só o direito, como a sociologia e a medicina.

No campo do direito, uma vez acionada a proibição de aborto de bebês anencéfalos como uma ADPF, pode-se argumentar inicialmente a definição de vida e morte. O Estado não estabelece o momento em que a vida se inicia, dessa forma, se abre espaço para a interpretação do aborto como uma injúria ao direito a vida, porém o Estado estabelece o que é morte, sendo essa a interrupção da atividade cerebral humana. Se um bebê não possui atividade cerebral, na óptica do direito constitucional, ele não possui vida e se não possui vida, não se trata de um aborto e sim da remoção de um corpo estranho no interior da mulher.

No campo da sociologia, podemos analisar toda a concepção de gestação e os impactos que a gestação de um bebê anencefálico gera tanto na mulher como um indivíduo, como no meio social em que ela está presente. É nocivo a mulher passar por todo o processo de gestação e no final conceber um filho natimorto ou até mesmo incapaz de viver no ambiente extrauterino, deve-se considerar a frustração assim como o sofrimento de parir um filho sentenciado a morte pela inexistência de atividade cerebral. Ainda no âmbito da sociologia, devemos encarar que a mulher é um ser consciente e autônomo que não deve servir como meio reprodutório para a sociedade, ela, com toda a sua racionalidade deve ser responsável pela decisão de dar continuidade ou não ao processo de gestação. Obrigar a mulher a passar pelo processo de gestação é uma decisão autoritária e fere o princípio a dignidade humana, principalmente por ameaçar o bem estar psicológico e físico da mulher.

No campo da medicina, podemos levar em conta a noção de um corpo estranho dentro do corpo da mulher e de toda a mudança que o corpo exerce para uma gestação e falha em desenvolver propriamente o feto. O risco de vida da mulher ao gestar um feto mal desenvolvido aumenta e isso coloca em risco o princípio da dignidade a vida, sendo assim, inconstitucional obrigá-la a seguir a gestação. Também podemos levar em consideração, as questões materiais ou econômicas no âmbito medicinal, uma mulher abastada pode encontrar uma clínica segura e exercer o aborto, ainda que de forma ilegal, de forma mais segura e qualificada. Uma mulher com condições financeiras precárias, possui formas de aborto muito mais dolorosas e que muitas vezes possuem um risco de vida extremamente maior do que um aborto feito em um clínica qualificada, por isso, mais uma vez, vale ressaltar o princípio da dignidade humana e direito a vida.

Dessa forma, a decisão do julgado pode ser considerada correta e a argumentação feita pelos julgados que se posicionam a favor da decisão exercida com excelência. Não se deve obrigar a mulher a seguir com uma gestação que oferece riscos de vida e nenhum benefício, tratando-se de uma condição conhecida como perda-perda.

O direito e a decisão sobre o aborto de anencéfalos sob a ótica de Bourdieu


Inúmeras vezes a legislação brasileira não acompanhou as transformações ocorridas na sociedade e, também, nas ciências naturais. Fato que ocorreu no teste para detectar a anencefalia durante a gravidez, a qual é um defeito na formação no tubo neural de uma criança durante sua formação, se o bebê chegar até o final da gestação pode nascer morto ou sobreviver algumas horas ou dias. Assim, como a legislação não comportou esse avanço da medicina, chegou ao judiciário a decisão sobre o aborto de anencéfalos, um assunto polémico numa sociedade conservadora e religiosa como a brasileira.

Para se aproximar de um Direito mais justo Bourdieu, em sua obra “ A força do direito: elementos para uma sociologia no campo jurídico ”, defende que o mesmo deve evitar o instrumentalismo, ou seja, o direito não deve assistir a apenas uma classe, na maioria das vezes a classe dominante, a qual obtém mais poder político, além disso o autor ainda defende que a ciência jurídica não pode estar alheia às pressões sociais, ou seja, deve se afastar do formalismo. Portanto, analisando a decisão de não criminalizar a antecipação do parto de anencéfalos, tomada pelos ministros do STF, na ADPF 54, a partir desses dois preceitos, os mesmos agiram de forma correta e mais justa possível.

Uma vez que, não assistiu a apenas uma classe, universalizando o Direito, e deixando a escolha de prosseguir ou não com a gravidez de um feto anencéfalo para cada mulher, respeitando, assim, todos os grupos e ideologias, prezando a saúde tanto física como mental de cada mulher, dessa forma se evitou o instrumentalismo. Ademais, a decisão esteve atenta as pressões sociais de diversos grupos, ouvindo opiniões tanto de médico como de grupos religiosos, não caindo no formalismo.   

Concluindo, além dessa decisão ser um grande passo para a questão feminina no Brasil, o Direito aplicado pelos julgadores da ADPF 54 teve uma decisão justa de acordo com o sociólogo Bourdieu, interpretando o direito com uma junção de ciências, diferentemente do que defende Kelsen em sua obra “ Teoria Pura do Direito”.



Carolina Soares Ribeiro - Direito Matutino 

A interpretação no caso do aborto de anencéfalos

     De acordo com Bourdieu, o direito é um corpo integrado de instâncias hierarquizadas com instituições e poderes, noras e fontes, e modos de resolução de conflitos através de interpretações. No entanto, por depender da interpretação, podem surgir diferentes resultados de acordo com o ponto de vista levado em consideração por cada um. Exemplo disso são os diferentes argumentos que surgem se tratando do aborto de anencéfalos e a antecipação terapêutica do parto.
     Esse método, segundo o Doutor Luís Roberto Barroso, não consubstancia aborto, no que este envolve a vida extra-uterina em potencial, o que é inviável a fetos anencéfalos. Ainda assim tem quem defenda a vida do feto, invocando seu direito à vida e denominando o método terapêutico de aborto eugênico, “a vida de cada indivíduo não é apenas um bem pessoal inalienável, mas também um bem social”. Para a Diretora do Centro Interdisciplinar de Estudos Bioéticos do Hospital São Francisco/SP, não há a possibilidade de determinar a morte encefálica do feto anencéfalo nascido vivo, os problemas decorrentes da manutenção de uma gravidez dessa espécie resolvem-se espontaneamente após o parto, mas as sequelas da antecipação do parto são permanentes. A Associação Médica Americana não aceita a equivalência da anencefalia à morte encefálica.
    Outros entendem que a vida extra-uterina é inviável e que a única pessoa afetada na situação é a mulher e sua saúde, que como afirma a Organização Mundial da Saúde, é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Por esse motivo, é certo que a decisão cabe somente a mulher e lhe tirar isso fere seu direito a cidadania, assim como obrigá-la a carregar um feto em estado vegetativo por meses é de fato uma tortura e fere, por sua vez, sua dignidade. Para a jurista Carmen Lúcia, “quanto mais avança a medicina, mais rapidamente, mais cedo ele pode dizer à mulher daquela circunstância do feto, e, por isso, o sofrimento é maior, porque antes ela não sofria durante os meses todos de conhecimento carregando aquele feto; antecipou-se o sofrimento, mas antecipou-se também a possibilidade de se lidar com isso.”Sendo assim, sou a favor da antecipação terapêutica do parto pelos argumentos supracitados e acredito que cabe a mulher decisões sobre o próprio corpo.

A problemática do aborto de anencéfalos sob a perspectiva de Bourdieu


        Uma das questões que mesmo já tendo sido resolvida judicialmente, mas que ainda causa discussões e debates é a questão da interrupção terapêutica da gestação de feto anencefálico. A anencefalia é uma condição na qual o bebê nasce com o cérebro subdesenvolvido e sem a calota craniana, que ocorre por conta de uma malformação do tubo neural. Na maioria dos casos de anencefalia, os bebês já nascem sem vida, e nos outros casos de menor número, as crianças permanecem vivas por pouco tempo, tendo uma sobrevida de normalmente poucas horas.
        Levando em consideração esses casos, a maior discussão é se os direitos que devem prevalecer são os direitos da criança, que mesmo sem a possibilidade de alcançar a infância e a adolescência, possui direito à vida, ou os direitos da mãe, que ao escolher interromper o parto, está exercendo seus direitos de liberdade, autonomia da vontade e o princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, mesmo com esse embate, é coerente que o aborto de anencéfalos seja legalizado, já que isso causa consequências devastadoras para a mulher que está carregando o filho, tanto fisicamente, já que pode ocorrer acúmulo de líquido e hemorragia, afetando sua saúde, mas principalmente emocionalmente, já que a mulher tem consciência que seu filho não irá sobreviver. Portanto, é totalmente imoral tirar da mulher o direito de escolher se ela deseja ou não prosseguir com a gestação.
        Analisando então a ADPF 54, é importante destacar e relacionar o caso com as ideias de Bourdieu. Ele defende que o Direito deveria evoluir com a sociedade, sendo assim, correta a descriminalização do aborto de um feto que não possui oportunidade de vida após o nascimento, visando assim a saúde física e o estado mental da mãe. Outro ponto que merece destaque é a crítica de Bourdieu à Kelsen, quando este enxerga o direito como uma ciência isolada. Com este caso, nota-se o porquê dessa crítica, já que essa questão é impossível de ser solucionada apenas pelo Direito, mas é necessária a ajuda de outros campos, como a Medicina.
       Portanto, nesse caso, a judicialização foi necessária e legítima, já que a decisão a favor do aborto atendeu demandas da sociedade e deu poder às mulheres, que podem assim exercer seu direito de escolha.

Ciência e moral na prática jurídica


    O direito não é uma área autossuficiente na prática da justiça e, pelo contrário, só pode ser eficaz diante de grande parte das demandas sociais se associado a outras ciências, pois instituições como o Supremo Tribunal Federal devem se propor a julgar o mérito de conflitos que abordam objetos de estudo de profissionais da área da saúde, da educação e de diversos outros ramos científicos, além de ter a necessidade de possuir ministros que portam conhecimentos da sociologia, da filosofia e outras ciências sociais que propõem reflexões sobre o ser e suas relações com o ambiente que o cerca.
    Pierre Bourdieu, na obra “O poder simbólico”, trata sobre a concorrência entre a lógica positiva científica e a normatividade moral dentro do campo do direito, o que faz com que as duas partes sejam ouvidas no âmbito da prática jurídica. Assim, analisando a ADPF 54, de 2012, que trata sobre a antecipação terapêutica do parto na gravidez de fetos anencéfalos, onde era discutido o enquadramento da prática como crime determinado pelo Código Penal, é possível entender como essas duas esferas do pensar influenciam sobre a tomada de decisões do Poder Judiciário. Na consideração da ADPF supracitada, da qual o Ministro Marco Aurélio Mello foi relator, foram realizados quatro dias de audiências públicas, na quais se pronunciaram organizações de caráter científico, como a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, e mesmo instituições religiosas, como a Igreja Universal do Reino de Deus. Portanto, entende-se que a prática do direito pondera, de fato, a ciência (o que se verifica de maneira clara no artigo 6º, §1º da Lei 9882, de 1999) e a moral nas suas considerações.
   Por fim, devido à decisão final pelo acatamento à ADPF e pela não aplicabilidade de artigos do Código Penal aos casos de antecipação terapêutica do parto de anencéfalos, o Supremo Tribunal Federal procedeu de maneira adequada ao, diante de um caso que toca profundamente ao estudo da Medicina, seguir o posicionamento majoritário dos pareceres de organizações que cuidam de assuntos relacionados às ciências biológicas.

Vitor Silva Muniz - Direito (matutino) 
 A anencefalia é uma má formação congênita no tubo neural, que ocorre entre os 23º e 28º dias de gestação. Nesses casos, alguns bebês morrem ainda no útero, outros nascem mortos, e os que chegam a nascer vivos morrem nas primeiras horas ou nos primeiros dias de vida. A doença pode ser facilmente diagnosticada por um profissional na 12ª semana de gestação.
 Para uma mulher, que carrega um filho em seu ventre com grandes expectativas para seu nascimento e crescimento, é devastador saber que seu bebê não viverá mais do que alguns dias. Isso afeta gravemente o psicológico dos pais da criança, principalmente da mãe, haja vista a carga psicológica da gravidez. Além disso, o feto anencéfalo fica em posição anormal no útero, podendo ocorrer acúmulo de líquido, hemorragia e descolamento da placenta, comprometendo gravemente a saúde da mãe. Outro fator a ser considerado é que anencéfalos já são considerados juridicamente mortos, devido a ausência de atividade cerebral. À luz essas questões, é coerente que o aborto de fetos portadores de anencefalia seja legalizado (decisão já positivada pelo STF em 2012).
 Obviamente, existem mulheres que escolhem levar a gestação até o fim, o que pode ocorrer por questão de princípios, ou, segundo o pensamento de Bourdieu, o "habitus". Cada um tem um pertencimento social diferente, e, a partir disso, incorpora diferentes disposições. Assim, a justiça deve garantir a cada mulher seu direito de escolha, deixando-a livre para exercer seu habitus.        
 Com isso, com a decisão de legalizar o aborto de anencéfalos, o direito deu poder simbólico às mulheres, que, dentro dos limites da lei, exercem seu poder de escolha (a dupla lógica de Bourdieu: habitus e fronteiras do direito).

Gabriela Barbosa Rodrigues - Diurno

Fontes:
https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2012/04/11/brasil-e-o-quarto-pais-com-maior-numero-de-casos-de-anencefalia.htm

SANTANA, Marcos Vinicius Martins de Castro. Anencefalia: conhecimento e opinião dos médicos
ginecologistas-obstetras e pediatras de Goiânia.
2016.

ALBERTO, Myrian Viria Lança. Anencefalia: Causas de uma malformação congênita. 2010.
Uma análise do "campo dos possíveis": a luta simbólica no campo jurídico nos estudos de Bourdieu

    O ordenamento jurídico brasileiro por vezes é confrontado com questões polêmicas que possuem diferentes sentidos e valores quando analisadas à luz de determinados setores da sociedade; a descriminalização do aborto de anencéfalos é uma delas. Envolvendo a moral da sociedade, os costumes e diretamente saúde pública, não à toa o Judiciário brasileiro mais uma vez toma a frente da situação, com o objetivo de acelerar um processo de decisão sobre a constitucionalidade da matéria, tentando solucionar um problema que não se move nas mãos do inerte Legislativo. Uma análise cautelosa e técnica do assunto nos permite perceber a urgência da decisão do Supremo Tribunal Federal, que acabou responsável por, ao menos em teoria, salvar vidas de mulheres que diariamente morreriam sem o amparo legal para seu sofrimento. 
    Para uma análise coerente quanto ao aborto de anencéfalos baseada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, onde o STF decidiu favoravelmente à descriminalização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia comprovada, é necessário entender o panorama social que compunha e ainda compõe a sociedade brasileira. A descriminalização é o caminho óbvio e certeiro a ser tomado, visto que permite principalmente a escolha da mulher sobre seu próprio corpo, sobre seguir ou não com uma gravidez infrutífera. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, encabeçada pela Universidade de Brasília, uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já havia realizado pelo menos um aborto até o ano de 2016, e cerca de 250 mil são internadas anualmente com complicações referentes ao procedimento de interrupção inseguro a que se submetem. Quando o Estado não oferece o respaldo e os meios legais para que a mulher decida sobre seu próprio corpo, é diretamente responsável por esse panorama cruel. Na própria área médica, não se entende a questão em destaque como aborto, mas sim como antecipação terapêutica do parto, visto que não há vida cerebral no feto; o ordenamento jurídico brasileiro em sua área civil deixa claro que há morte quando há interrupção da atividade cerebral. É exatamente por contestar essa realidade irracional de criminalizar tal ato que o Conselho Nacional dos Trabalhadores de Saúde recorreu ao STF através da ADPF 54, buscando alterar o entendimento legal da matéria em questão. Sob à luz de Pierre Bourdieu e seus estudos quanto à ciência jurídica, é possível compreender a relação jurídica dualística que se forma entre as partes no que ele chama de "dupla lógica do campo jurídico". 
    O que Bourdieu retrata como o "campo dos possíveis", ao analisar o limite que existe para a atividade hermenêutica, é passível de observação prática quando se trata de um processo jurídico institucionalizado, e não somente um debate moral e puramente filosófico. É através do respeito à hierarquia do próprio campo jurídico brasileiro que ocorre o embate entre as partes, não havendo uma discrepância no modo de atuação: leva-se o assunto para o campo jurídico e nele ocorre as sustentações racionais, de caráter universal e supostamente neutro, dentro da medida do possível. É nesse sentido que se observa os conflitos sociais em busca de equidade, baseados na apropriação de força simbólica através de diferentes interpretações legais. 
    Trata-se, portanto, da validade expressa na linguagem jurídica de levar a luta social ao campo jurídico de maneira universal e neutra, para que haja um afastamento definitivo de pura pressão social, bem como de pura inércia em uma suposta autonomia absoluta do direito por si só. Quando se analisa o caso da interrupção da gravidez em casos de anencefalia, é possível observar que só se obteve o resultado a partir do momento em que se obedece os pressupostos do direito para Bourdieu. Daí a crítica que o próprio autor tece a Kelsen e Marx, ao dizer a impossibilidade de se adotar uma reivindicação puramente isolada do direito ou um sistema de rompimento com a estrutura do direito, respectivamente. 
     Fato é que, como operadores e doutrinadores do direito, segundo a definição do autor em análise, o colegiado de magistrados do STF fora capaz de aplicar o poder simbólico a eles embutido como figura máxima de decisão do ordenamento jurídico, inserindo princípios de eficácia para a sociedade. Respeitar o princípio da dignidade humana, da vida e saúde da mãe, do poder de decisão individual autônoma é dever do direito, e decidir pela descriminalização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia é a eficácia adentrando o "campo dos possíveis". 

Pedro Henrique Dinat Labone - Turma XXXV, Diurno
    


“E a concorrência entre os intérpretes está limitada pelo fato de as decisões judiciais só poderem distinguir-se de simples atos de força políticos na medida em que se apresentem como resultado necessário de uma interpretação regulada em textos unanimemente reconhecidos” (BOURDIEU, 1989, p. 214)

            As ações diretas, como é o caso das ADPF, são manifestações claras da ocorrência de um processo de transição no Direito. A democratização implica muitas mudanças na forma do exercício da justiça, dentre as quais se destaca a possibilidade de interpelação por parte da sociedade civil às cortes competentes para denunciar controvérsias no que diz respeito aos direito adquirido e a posição do Estado. Nessa linha, a ADPF 54/2012 consiste num exemplo da aplicação do ponto de vista de Pierre Bourdieu sobre o Direito e da consolidação de uma nova ordem social.
Bourdieu é um dos símbolos da oposição à ideia de isolamento da lei em relação às forças sociais externas. O esqueleto que sustenta o Direito não é fruto de um desenvolvimento próprio, mas provém de uma estrutura de poder que se projeta sobre o campo do direito  e faz com que o poder simbólico seja exercido também no âmbito jurídico. Nesse caso, o sociólogo francês destaca que o exercício do poder através do Direito parte do emprego de “textos unanimemente conhecidos”, ratificando seu argumento acerca da tendência universalista do direito.
 Dito isso, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é um demonstrativo do emprego de legislações do conhecimento comum dos intérpretes - tendo como destaque a Constituição Federal de 1988 e o Código Penal de 1940 - no sentido de mobilizá-los de acordo com o direito objetivo e, naturalmente, com suas convicções jurídicas. Por mais que as interpretações se voltem para as mesmas fontes normativas, houve diferentes formas de dizer o Direito, no sentido de mobilizar preceitos constitucionais - hierarquicamente superiores àquele da legislação penal - que estivessem alinhados.
Sem dúvida, alinhar direitos sociais considerados à vanguarda de seu tempo, como é o caso daqueles previstos na Lex Mater com um código de 1940 outorgado por um decreto-lei resultaria na prevalência de uma interpretação baseada nos preceitos constitucionais, tendo em vista a transformação jurídica anteriormente mencionada. Isso, além do conhecimento comum, implica num pôr-em-forma comum em relação ao enquadramento das normas aos princípios predeterminados constitucionalmente.

João Pedro Santos Frari, Matutino


A mudança no habitus pelo direito


    O anencéfalo não apresenta vida em potencial, pois o “feto que é acometido desta malformação não sobrevive senão poucas horas de vida, pois todo o sistema nervoso central fica exposto e malformado” (CYPEL; DIAMENT, 1996, p. 741). Além dos graves danos à saúde mental da mãe, pela dor e sofrimento, a gravidez e o parto de um feto anencefálico apresentam um maior risco de hipertensão, hemorragia e infecção. Ademais, ocorre com muita frequência, entre as mães de fetos anencefálicos, o aumento de volume do líquido amniótico, a doença vascular periférica (que causa isquemia pelo estreitamento e oclusão dos vasos), complicações do parto, necessidade de apoio psicoterápico e puerpério com maior incidência de hemorragias por falta de contratilidade uterina.
   Ao ponderar o que se discute na questão do aborto de anencéfalos: a vida do feto (que morrerá no útero ou pouco tempo após o parto) e a saúde da mulher; vê-se que a vida de um feto que não viverá o suficiente para ter a garantia de seus direitos, é menos significativa do que o direito de saúde da mulher (que já tem seus direitos garantidos). Para não sofrer esses abalos na sua saúde física e psicológica, a mulher se volta para o aborto, porém, ele não é permitido na legislação brasileira, então ela procura uma clínica clandestina, após o processo são, muitas vezes, internadas por complicações. Contudo, se tivesse a possibilidade de realizar o aborto de forma segura, no SUS, não teriam todos esses problemas. A Constituição Federal, em seu artigo 196, determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assim, a garantia de um aborto seguro, para que as mulheres não precisem sofrer todas essas complicações (tanto no processo de gravidez, se ela escolher não ter o filho, quanto no processo de aborto) é o mínimo que o Estado pode fazer para que as mulheres tenham seu direito a saúde garantido.
    Tendo isso em mente, o STF permitiu que as mulheres recorram ao aborto no caso de gestação de fetos anencefálicos. O que gerou polêmica na sociedade pois grande parte da população é cristã e acredita que a mulher deve sofrer para ter o filho que nem ficará vivo, para não matar alguém que não tenha vida em potencial. Apesar dessa comoção, o STF não voltou atrás de sua decisão pois determinou que esse habitus não deveria ser levado em consideração por pensar na legitimidade da decisão, garantido, de acordo com Bourdieu, pela ciência (o próprio direito e sua legislação) e pela ética (saúde da mulher e capacidade de decidir o que fazer com o próprio corpo).
    Bourdieu acreditava que o direito se estrutura entre a ciência e a moral, como dito anteriormente, e também pela neutralidade e universalidade. O que foi garantido pela decisão do STF, pois foram, respectivamente, homens decidindo sobre algo que eles jamais passariam, e porque deu direito de escolha a mulher, assim ninguém seria obrigado a fazer algo que não queira. Diferentemente do que o habitus cristão dizia; as pessoas com esse habitus queriam impor uma decisão sobre o corpo de uma outra pessoa.
    Portanto, a decisão do STF garantiu o direito de escolha e fez com que as pessoas contra aceitassem que o aborto fosse permitido (apenas no caso de estupro e que cause risco a saúde da mulher), fazendo com que a moral mudasse um pouco. Isso mostra o poder que o direito tem de causar pequenas mudanças na sociedade, principalmente quando ajudam algumas minorias (que sofrem preconceito pelo habitus burguês e cristão da sociedade), como o caso do aborto, do casamento homoafetivo e das cotas.



Daniela Alves Ribeiro - Direito Matutino - Turma XXXV


Fontes usadas:
CYPEL, S.; DIAMENT, A. Neurologia Infantil. 3.ed. São Paulo: Editora Atheneus, 1996, p. 741
http://agenciapatriciagalvao.org.br/direitos-sexuais-e-reprodutivos/pautas-direitos/a-gestacao-de-anencefalos-traz-riscos-e-complicacoes-para-a-saude-da-mulher/
http://www2.unifesp.br/denf/NIEn/PEDIABETICO/mestradositecopia/pages/dvp.htm
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/11/03/entenda-o-que-e-anencefalia

O Conflito entre Moral Religiosa e a Dignidade Humana


A questão acerca do debate sobre o aborto de anencéfalos é permeada de interesses políticos que possuem como fundo temas morais e religiosos, em sua maioria. Contudo, os interesses dos atores políticos muitas vezes deturpam sua compreensão do tema.
A anencefalia é uma condição medica em que o feto não desenvolve o cérebro e ocorre má formação da caixa craniana, porém, devido ao fato de o tronco cerebral; parte que contém o bulbo, que é o responsável pelas funções involuntárias do corpo se encontrar em estágio avançado de desenvolvimento, boa parte dos fetos não sofrerão aborto espontâneo. Apesar de tudo, o feto não possui expectativa alguma de alcançar sequer o período da segunda infância.
Este delicado tema pode ser utilizado para ilustrar a tese de Pierre Bourdieu de que o Direito não pode ser apartado do plano moral e social para ser tratado como uma ciência com fim em si mesma; mas também de que o Direito não deve ser tratado puramente como um instrumento a serviço dos detentores do poder na sociedade.
A ação que iniciou o debate na suprema corte brasileira, foi originária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que visava proteger profissionais que auxiliassem no aborto de fetos anencéfalos de punições. Durante o trâmite do processo, a ação enfrentou resistência, principalmente por parte de religiosos influentes, que  rechaçavam as apelações de algumas grávidas com fetos diagnosticados com anencefalia e a apelação da CNTS usando argumentos com base religiosa que, para não serem imediatamente recusados pelo STF, foram adaptados para que o debate na corte não fosse diretamente entre religião e dignidade humana e sim entre os princípios constitucionais do direito à vida e o princípio da dignidade humana.
Apesar do conflito ter se arrastado por vários anos, atualmente em 2018, o aborto de anencéfalos não é considerado crime; pois o entendimento da corte foi de que a dignidade e o direito à vida da mulher, que é uma vida consolidada deve prevalecer em detrimento de um feto sem perspectiva de alcançar a maturidade.
Um dos fatos centrais sobre a legalização do aborto de anencéfalos a se considerar, é que a legalização da prática não é sinônimo de obrigatoriedade, pois da mesma forma que é moralmente condenável forçar uma mulher a ter uma criança que certamente morrerá após o parto, é condenável forçar uma mulher que não deseja abortar seja por convicções pessoais ou religiosas ao aborto pois existe a certeza da morte da criança no nascimento.
Este ilustra bem a tese de Bourdieu, pois no momento, não foi o entendimento de quem detêm o poder, bancadas religiosas, que prevaleceu, como provavelmente seria esperado por Marx; e também o Direito não se manteve alheio aos fatores sociais e morais que o cercavam como seria esperado por Kelsen.
Caíque Barreto – Turma XXXV- Matutino

A transformação dentro do espaço dos possíveis


                O Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto, defende que o direito para o caso de interrupção terapêutica da gestação de fetos anencefálos não deve ultrapassar a lei.
“Compreender os textos, incluindo os normativos, exigem um esforço hermenêutico de quem quer dele extrair sentido. Logo raramente o espírito da lei se revela de imediato. É preferível interpretar a lei conforme a Constituição ainda mais se tratando de preceitos oriundos daqueles que a produziram: o legislador.  Não pode o interprete confrontar-se com a lei. Muito menos contrariar o legislador ou substituí-lo”.
Mais adiante o Ministro destaca a importância do legislador, pois
“O poder legislativo tem o poder e o batismo popular e não o judiciário. É o legislativo quem cria o direito positivo e rege as relações sociais. A interpretação só é válida quando existe espaço para ela. Não se admitindo jamais interpretação contra a lei”

                Percebemos pela fala do Ministro Lewandowski a defesa de limites de interpretação, tornando o direito mais independente e autônomo, enquanto também constatamos, à luz de Bourdieu, o direito como “espaço dos possíveis”. Afinal, é possível a transformação do direito?
                Bourdieu, compreende que o direito é uma ciência que deve evitar o instrumentalismo e o formalismo. Critica Kelsen e seus seguidores, devido ao entendimento de que o direito possui autonomia e independência, por isso estaria alheio às pressões sociais, tendo nele mesmo seu fundamento. E, critica Marx e seus seguidores por acusarem o Direito como ferramenta a serviço de uma classe dominante.
                Na perspectiva do autor, o campo jurídico se constitui em uma dupla lógica. Neste campo é que se dá o conflito de forças e recorre a ele quem necessita e é por meio de sua lógica interna de obras jurídicas que se delimita o conflito, tornando-o em um “espaço dos possíveis”. No julgado, por exemplo, vemos o Conselho Nacional dos Trabalhadores de Saúde recorrendo ao judiciário para modificar o entendimento da justiça, que é o de criminalizar os profissionais que interrompem a gestação de fetos anencefálos, que não alcançarão a vida extra-uterina. Logo, é um setor da sociedade que encontra espaço no universo jurídico para lhe solucionar um problema.
                Ademais, analisamos os limites à hermenêutica no campo jurídico, quando os magistrados a condiciona a interpretação em um espaço dos possíveis. É o caso do Ministro Lewandowski, quando se posiciona contra a interrupção da gestação à luz do Código Penal, como no caso do relator, o Ministro Marco Aurélio, quando interpreta os direitos à saúde, à liberdade, à dignidade da mulher à luz da Constituição Federal. De acordo com Bourdieu, “no texto jurídico estão em jogo lutas, pois a leitura é uma maneira de apropriação da força simbólica que nele se encontra em estado potencial”.
                Soma-se a essa constituição do campo jurídico, ou seja, a assimilação social e transformação balizada em seu próprio universo, a eficácia. Se a transformação corresponde à realidade. Isto é, se a dinâmica da lei tem probabilidade de êxito, se aquilo que se evoca advém da vontade.

Murilo Marangoni, aluno da XXXV Turma Direito – Matutino
Franca, 10 de junho de 2018

O direito como instrumento de uma classe desvirtuada

O poder judiciário no Brasil é composto integralmente por bacharéis em Direito, um curso predominantemente elitista. Dessa forma, mesmo com as políticas compensatórias implementadas nas universidades públicas para universalizar o acesso ao curso, a mentalidade do poder judiciário é ainda relativamente uniforme no que tange a alguns temas específios.
Essa situação se torna um problema, pois concretiza o que Marx teorizou e Bourdieu consolidou como instrumentalismo, doutrina que indica a possibilidade de teorias científicas serem usadas como instrumentos para manipulação de interesses (sendo praticada principalmente pelas classes dominantes). Esse uso instrumentalista afeta o direito, indo de frente ao que Hans Kelsen indicou como formalismo, sugerindo que o direito é uma ciencia neutra.
A partir do momento em que o Direito é operado por uma classe dominante, que o aplica conforme suas convicções (como consequência de um vício no status quo jurídico do pais), tanto no âmbito do legislativo quanto do judiciário, temos uma condição que afeta o próprio princípio do estado democrático de direito.
O caso da ADPF/54, em que o STF julgou constitucional a lei do Código Penal que criminaliza o aborto mesmo em caso de anencefalia, demonstra essa problemática, na medida em que há crescente posicionamento contrário na opinião pública brasileira e sem respaldo jurídico.
GABRIEL NAGY NASCIMENTO - 2 ANO DIREITO

Transformações no mundo jurídico

Na sociedade brasileira é situação comum a constante ingovernabilidade que passam os poderes executivos e legislativo, levando a uma situação de envelhecimento do direito e consequentemente o seu distanciamento com a realidade que se transforma a cada geração. Assim, o poder executivo burla o caos burocrático de ineficiência, utilizando-se de medidas provisórias para fazer sua vez como legislador, papel que não o cabe pela idealização da divisão dos três poderes de Montesquieu. Da mesma forma, o poder judiciário, através da flexibilização das leis na utilização da hermenêutica e sua propagação pela jurisprudência, consegue transformar o direito equiparando o direito positivo com o direito de fato.
Apesar do judiciário responder diretamente a necessidade fenomenológica, o mundo jurídico torna obrigatório, de forma indissociável, como aponta Bourdieu, uma resposta com neutralidade e universalidade. Tal processo é evidente no caso de aborto de anencéfalos, em que a neutralidade foi necessária para afastar valores e costumes sociais do aplicador do direito - juiz - e tomar uma decisão adequada com as necessidades dos casos concretos. Claro, a neutralidade, como também aponta Bourdieu, foi construída com base na lógica e linguagem jurídica para que tivesse devido fundamento e, portanto, ter validade aplicativa da decisão. A universalidade ocorreu quando a decisão não foi pautada somente no direito pelo direito idealizado por Kelsen, que levaria a uma criminalização do aborto sem pensar na real necessidade social. Desta forma, foi levado em conta, mesmo que traduzido ao mundo jurídico, a opinião de outras áreas como a filosofia, a ética, a medicina, entre outros campos internos do direito como a hermenêutica; Na reunião dos campos se fez a universalidade para chegar a uma verdade proferida, então, pelo poder simbólico estabelecido: No Supremo Tribunal Federal.
A universalidade e neutralidade na operação do direito não é somente tratado por Bourdieu, sendo possível ver na histórica do direito romano germânico e no apontamento do surgimento da norma teorizado por Miguel Reale.
Durante o principado o mundo romano teve sua maior proliferação de normas e variação do direito, e era produzido e protagonizado pelos jurisconsultos romanos na teoria e na prática o que realmente transformava o direito era os éditos abertos pelos pretores com novos temas de julgamento, aumentando a amplitude do direito para além do que era escrito. Este direito era feito por éditos que anunciavam novos casos que até então não eram previstos em lei. Tal poder decaiu até desaparecer no Dominatu e a exclusividade do imperador em legislar, fixando um Édito perpétuo, assim petrificando a dinâmica dos pretores. Situação análoga foi a situação da mulher separada por corpos ou viúva na idade média: Ao contrário dos valores e costumes que não consideravam a mulher sujeito de direito em comparação com o seu marido, o direito comum previa, em universalidade e neutralidade, o direito do apanágio, que nada mais era que uma pensão monetária para sustento da mulher até o fim de sua vida.
  Ainda em Miguel Reale a variação do direito na sua aplicação é feita pela Nomogênese, em que o fato, valor e norma, em afetação não passiva e dinâmica, influenciam-se diretamente ocorrendo que o direito se torna suficiente na lógica de seu mundo e a partir dessa neutralidade pode ser complementado pela universalidade o fato e de verdades de outras áreas.

Vinicius Araujo Brito de Jesus - Turma XXXV - Diurno.

O aborto sob a perspectiva de Bourdieu


Ao acessar o site do Senado Federal, é possível encontrar a seguinte definição científica para anencefalia: “malformação decorrente do não fechamento do neuróporo anterior do tubo neural do embrião, o que implica na ausência ou formação defeituosa dos hemisférios cerebrais” (DIAMENT, 1996, p.742). Como o direito civil defende que a vida está ligada à atividade cerebral, o anencéfalo é considerado um natimorto cerebral por apresentar, segundo a Resolução Nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade metabólica cerebral, ou ausência de perfusão sanguínea cerebral. Vale ressaltar que 50% desses fetos morrem ainda no útero e a outra metade após o parto.
A mulher que carrega em seu ventre um feto anencéfalo acaba por sofrer duplamente: tanto no quesito psicológico, por saber que a possibilidade de carregar um feto morto dentro de si é grande e de que, caso o feto respire após o parto, a expectativa de vida de seu filho é muito curta, levando a um aumento da taxa de depressão; quanto no quesito físico, pois é comprovado que a gestação de anencéfalos pode trazer riscos à saúde da mãe, uma vez que a poli hidrâmnio é mais frequente nesses casos e que pode levar à um trabalho de parto prolongado, incidindo hipotonia e hemorragia pós parto, além de tornar mais lento, pela falta de amamentação,  a involução uterina que pode levar a sangramentos intensos no puerpério.
Diante dessa situação, o aborto seria a solução mais viável e portanto, segundo o pensamento bourdiano, o direito poderia ser usado de forma a proporcionar mudanças na sociedade, sendo delimitado pela estrutura em que está inserido. Influenciado pelos acontecimentos internos, nesse caso, da realidade de que todos os anos ocorrem no Brasil 1 milhão  de abortos clandestinos, dos quais geram 250 mil internações no SUS provenientes de complicações pós-abortivas, fazia-se necessário a legalização do aborto de anencéfalos. Para isso, utilizou-se como estratégia a judicialização, na qual para Bourdieu, seria legitima uma vez que, a decisão a favor do aborto foi tomada a partir  do direito, que possui como características: neutralidade (representada pelos magistrados), universalidade (esse direito atingiria todas as mulheres), possibilidade do uso da hermenêutica (que no caso interpretaria os princípios constitucionais positivados de forma a privilegiar a mãe) e a multidisciplinaridade para tomada de decisões (STF levou em consideração o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos).
            O fato era que no art 128 do Código Penal o aborto já era legalizado para os casos de estupro, levando em consideração a saúde da genitora. Então porque no caso dos anencéfalos, os riscos à saúde psicológica e física, mesmo que comprovados, não são levados em conta? Afinal, ao lado da mãe existem o princípio da dignidade da vida humana e da autonomia de tomar decisões, que devem ser levados em conta como uma escolha da pessoa que teria que gestar por nove meses e não como uma obrigação que levaria a mulher a passar por todas as complicações desnecessárias ou a recorrência à um aborto clandestino. De qualquer forma, essas mães estariam correndo risco de vida e o direito seria o caminho para assegurar suas necessidades humanas.

JÚLIA SÊCO PEREIRA GONÇALVES - DIREITO MATUTINO

FONTES UTILIZADAS:

A problemática do aborto de anencéfalo


   A descriminalização do aborto de anencéfalos, apesar de já possuir respaldo jurisprudencial, ainda gera muita discussão entre leigos e até especialistas no assunto, seja tratado no âmbito científico ou jurídico. O grande problema se revela na nossa Constituição, a qual não trata especificamente desses casos, abrindo margem então para interpretações divergentes. Como é observado, há uma parcela considerável da população que repudia o aborto por motivos religiosos e morais, embora não conheça as especificidades do nosso código jurídico a respeito desse assunto. Não obstante, mesmo aqueles que detêm de grande conhecimento jurídico e biológico não entram em consenso quando se é colocado em pauta tal questão. Isso se deve aos diferentes recursos utilizados e considerados na formulação das suas opiniões, possibilitando assim discursos diametralmente opostos embora possuam matriz comum. À luz de Bourdieu, tal fato ocorre pela existência de uma lógica duplamente determinada, a qual traz alta carga valorativa em todos os argumentos trazidos ao debate, justamente por possuírem respaldo legal. A Constituição é formada por numerosos artigos objetivos, os quais estabilizam limites às suas interpretações, todavia alguns são caracterizados como subjetivos, abrindo margem para a adequação de diferentes idéias. Tal fato caracteriza a hermenêutica proporcionada pelo direito, que é responsável pela existência dessas inconstâncias, gerando em alguns casos até mesmo um paradoxo, como é visto nesse em questão.
   Tendo como base a análise de Bourdieu, o Direito atua como “molde”, tendo esse modelo um caráter muito especial. Para melhor compreensão, utilizar-me-ei de uma analogia: Na época Colonial do Brasil, especificamente no período da mineração, existiam as Casas de Fundição as quais eram responsáveis pela purificação, cunho e cobrança de impostos do ouro extraídos. Dessa forma era feita a legalização do ouro, somente era válido aquele que estivesse em barra, com o selo das casas de fundição e, por conseguinte, “quintado” (nome advindo do pagamento do “quinto”, imposto cobrado na época). É justamente essa a idéia presente no estudo de Bourdieu, o qual afirma que para as idéias adquirirem valor legal e axiológico, além de corresponderem com a moral de seu momento, devem atuar mediante o aparato normativo, ou seja, devem usar dos recursos promovidos e permitidos pela própria lei, entrando dessa forma nos “moldes prepostos”. Ainda utilizando dessa analogia, muitas vezes é necessário tirar parte das idéias “brutas”, assim como é retirado o quinto, para que essas consigam encaixar-se nos ditames da nossa legislação. Desse modo, levar o debate para o ambiente jurídico traz força, valoração e peso para aquilo que antes não detinha desse poder, há assim a transformação de idéias em argumentos, a fuga da individualidade para a legalidade, reconhecimento e aceitabilidade do campo jurídico e, por conseqüência, dos demais campos.
   Á guisa de conclusão, o estudioso utilizado para a compreensão do assunto se revela muito complexo e relevante, visto que a partir dele que consegue se chegar ao entendimento do fenômeno ocasionado pelo debate acerca do abordo de anencéfalos. Tanto a argumentação pró-aborto de anencéfalos, quanto contra tal ato possuem grande consistência por estarem efetivadas no “espaço dos possíveis” (como o autor se refere ao campo jurídico). Sendo assim, o que deve ser levado em consideração nesta discussão acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal não é a validade do discurso, mas sim a efetividade, há de distanciar-se da normatividade pura para a análise e compreensão da eficácia, da real necessidade tida principalmente pelas mulheres que sofrem por essa indecisão. Só dessa forma poderemos chegar à conformidade, possibilitando assim a melhora e o desenvolvimento tão necessários nessa área escandalosa.

   Iago Gasparino Fernandes                                             Direito Matutino XXXV