domingo, 10 de junho de 2018

A mudança no habitus pelo direito


    O anencéfalo não apresenta vida em potencial, pois o “feto que é acometido desta malformação não sobrevive senão poucas horas de vida, pois todo o sistema nervoso central fica exposto e malformado” (CYPEL; DIAMENT, 1996, p. 741). Além dos graves danos à saúde mental da mãe, pela dor e sofrimento, a gravidez e o parto de um feto anencefálico apresentam um maior risco de hipertensão, hemorragia e infecção. Ademais, ocorre com muita frequência, entre as mães de fetos anencefálicos, o aumento de volume do líquido amniótico, a doença vascular periférica (que causa isquemia pelo estreitamento e oclusão dos vasos), complicações do parto, necessidade de apoio psicoterápico e puerpério com maior incidência de hemorragias por falta de contratilidade uterina.
   Ao ponderar o que se discute na questão do aborto de anencéfalos: a vida do feto (que morrerá no útero ou pouco tempo após o parto) e a saúde da mulher; vê-se que a vida de um feto que não viverá o suficiente para ter a garantia de seus direitos, é menos significativa do que o direito de saúde da mulher (que já tem seus direitos garantidos). Para não sofrer esses abalos na sua saúde física e psicológica, a mulher se volta para o aborto, porém, ele não é permitido na legislação brasileira, então ela procura uma clínica clandestina, após o processo são, muitas vezes, internadas por complicações. Contudo, se tivesse a possibilidade de realizar o aborto de forma segura, no SUS, não teriam todos esses problemas. A Constituição Federal, em seu artigo 196, determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assim, a garantia de um aborto seguro, para que as mulheres não precisem sofrer todas essas complicações (tanto no processo de gravidez, se ela escolher não ter o filho, quanto no processo de aborto) é o mínimo que o Estado pode fazer para que as mulheres tenham seu direito a saúde garantido.
    Tendo isso em mente, o STF permitiu que as mulheres recorram ao aborto no caso de gestação de fetos anencefálicos. O que gerou polêmica na sociedade pois grande parte da população é cristã e acredita que a mulher deve sofrer para ter o filho que nem ficará vivo, para não matar alguém que não tenha vida em potencial. Apesar dessa comoção, o STF não voltou atrás de sua decisão pois determinou que esse habitus não deveria ser levado em consideração por pensar na legitimidade da decisão, garantido, de acordo com Bourdieu, pela ciência (o próprio direito e sua legislação) e pela ética (saúde da mulher e capacidade de decidir o que fazer com o próprio corpo).
    Bourdieu acreditava que o direito se estrutura entre a ciência e a moral, como dito anteriormente, e também pela neutralidade e universalidade. O que foi garantido pela decisão do STF, pois foram, respectivamente, homens decidindo sobre algo que eles jamais passariam, e porque deu direito de escolha a mulher, assim ninguém seria obrigado a fazer algo que não queira. Diferentemente do que o habitus cristão dizia; as pessoas com esse habitus queriam impor uma decisão sobre o corpo de uma outra pessoa.
    Portanto, a decisão do STF garantiu o direito de escolha e fez com que as pessoas contra aceitassem que o aborto fosse permitido (apenas no caso de estupro e que cause risco a saúde da mulher), fazendo com que a moral mudasse um pouco. Isso mostra o poder que o direito tem de causar pequenas mudanças na sociedade, principalmente quando ajudam algumas minorias (que sofrem preconceito pelo habitus burguês e cristão da sociedade), como o caso do aborto, do casamento homoafetivo e das cotas.



Daniela Alves Ribeiro - Direito Matutino - Turma XXXV


Fontes usadas:
CYPEL, S.; DIAMENT, A. Neurologia Infantil. 3.ed. São Paulo: Editora Atheneus, 1996, p. 741
http://agenciapatriciagalvao.org.br/direitos-sexuais-e-reprodutivos/pautas-direitos/a-gestacao-de-anencefalos-traz-riscos-e-complicacoes-para-a-saude-da-mulher/
http://www2.unifesp.br/denf/NIEn/PEDIABETICO/mestradositecopia/pages/dvp.htm
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_mulheres_gestacao_anencefalos.pdf
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/11/03/entenda-o-que-e-anencefalia

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