domingo, 10 de junho de 2018

O Conflito entre Moral Religiosa e a Dignidade Humana


A questão acerca do debate sobre o aborto de anencéfalos é permeada de interesses políticos que possuem como fundo temas morais e religiosos, em sua maioria. Contudo, os interesses dos atores políticos muitas vezes deturpam sua compreensão do tema.
A anencefalia é uma condição medica em que o feto não desenvolve o cérebro e ocorre má formação da caixa craniana, porém, devido ao fato de o tronco cerebral; parte que contém o bulbo, que é o responsável pelas funções involuntárias do corpo se encontrar em estágio avançado de desenvolvimento, boa parte dos fetos não sofrerão aborto espontâneo. Apesar de tudo, o feto não possui expectativa alguma de alcançar sequer o período da segunda infância.
Este delicado tema pode ser utilizado para ilustrar a tese de Pierre Bourdieu de que o Direito não pode ser apartado do plano moral e social para ser tratado como uma ciência com fim em si mesma; mas também de que o Direito não deve ser tratado puramente como um instrumento a serviço dos detentores do poder na sociedade.
A ação que iniciou o debate na suprema corte brasileira, foi originária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que visava proteger profissionais que auxiliassem no aborto de fetos anencéfalos de punições. Durante o trâmite do processo, a ação enfrentou resistência, principalmente por parte de religiosos influentes, que  rechaçavam as apelações de algumas grávidas com fetos diagnosticados com anencefalia e a apelação da CNTS usando argumentos com base religiosa que, para não serem imediatamente recusados pelo STF, foram adaptados para que o debate na corte não fosse diretamente entre religião e dignidade humana e sim entre os princípios constitucionais do direito à vida e o princípio da dignidade humana.
Apesar do conflito ter se arrastado por vários anos, atualmente em 2018, o aborto de anencéfalos não é considerado crime; pois o entendimento da corte foi de que a dignidade e o direito à vida da mulher, que é uma vida consolidada deve prevalecer em detrimento de um feto sem perspectiva de alcançar a maturidade.
Um dos fatos centrais sobre a legalização do aborto de anencéfalos a se considerar, é que a legalização da prática não é sinônimo de obrigatoriedade, pois da mesma forma que é moralmente condenável forçar uma mulher a ter uma criança que certamente morrerá após o parto, é condenável forçar uma mulher que não deseja abortar seja por convicções pessoais ou religiosas ao aborto pois existe a certeza da morte da criança no nascimento.
Este ilustra bem a tese de Bourdieu, pois no momento, não foi o entendimento de quem detêm o poder, bancadas religiosas, que prevaleceu, como provavelmente seria esperado por Marx; e também o Direito não se manteve alheio aos fatores sociais e morais que o cercavam como seria esperado por Kelsen.
Caíque Barreto – Turma XXXV- Matutino

Nenhum comentário:

Postar um comentário