domingo, 28 de agosto de 2022

ADPF 54 e Bourdieu: a realidade das novas problemáticas sociais

 A teoria de Pierre Bourdieu propõe uma visão do campo jurídico a partir dos pilares que sustentam a sociedade civil. Pode-se entender como campo é analisado, sendo ele uma forma de organização que é ainda dominada pelas relações de produção. Além disso, vale destacar o que seria o habitus, uma forma de predisposição dos indivíduos a algumas reações específicas, o que seria condicionado a condições de classe e pelos campos de maior influência ao ser.  

Nessa perspectiva, ainda há a necessidade de explicar aquilo que seria o espaço dos possíveis, entendido como todas aquelas soluções que seriam baseada no ideal jurídico. Assim, essa teoria é relacionada com problemáticas atuais, provando a realidade da problemática trazida pelo francês, como aquilo que é ressaltado pela ADPF 54, a qual debate a possibilidade de aborto em casos de gestação com condições de anencefalia. Quando se analisa aquilo que seria posto em foco nessa situação, deve-se entender que se o STF decide a favor ou contra, as opções vão ser baseadas naquilo que está não contido no campo jurídico, mas também nos campos adjacentes da sociedade, a fim de criar uma opinião que expressa diversos valores em uma só decisão. 

  A permissibilidade do aborto nesses casos, o que foi favorável pelo tribunal numa votação de 8 contra 2 votos, entende os riscos e de se manter o feto, o que pode ser danoso para a mãe de formas física e psicológica, haja vista o esforço para manter a gestação e as consequências do parto são pontos cruciais de análise na saúde da mulher. Com isso, pode-se ainda destacar que o contrário visa a chance de se haver, na realidade, um desenvolvimento da criança após o nascimento, uma vida. Essa caracterização está intimamente relacionada com aquilo que seria o espaço dos possíveis, haja vista que seu conteúdo baseia-se em demandas sociais de grande relevância para que se possa haver uma legitimação jurídica em torno da problemática.

  Por fim, entende-se que a decisão foi contrária a diversos preceitos fundamentados na sociedade, como ideais cristãos, a fim de garantir, acima da possibilidade de vida do feto, a saúde da mulher, o que movimenta a sociedade a entender problemáticas modernas como fatos que corroboram debates com perspectivas que podem ser consideradas inovadoras para que haja uma solução real.

 Maria Julia Pascoal da Silva- direito matutino/ 1° ano

                                                         A ADPF 54 como Fato Jurídico Histórico


A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54) foi um marco legal das garantias fundamentais da mulher, aprovada em 2012, por 8 votos a favor e 2 contra, ficou-se permitido a interrupção terapêutica da gestação no caso de feto anencéfalo. Antes ficava a cargo da interpretação do juiz do caso autorizar ou não o aborto nesses casos. Havendo, portanto, situações em que o juiz decidia para que a mulher completasse a gravidez e gerasse o natimorto. Nesse julgado estabeleceu-se um conflito de posições divergentes, em que de um lado profissionais da saúde e cientistas se posicionaram a favor da interrupção da gravidez em casos de anecefália dos fetos e de outro lado movimentos conservadores e religiosos foram contra.

A luz do pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), esse episódio pode ser interpretado como que o contexto social do momento da votação da ADPF 54 (ano de 2012) permitiu que não se caracteriza-se crime a interrupção terapêutica da gravidez em caso de fetos anencéfalo, como é o aborto no Código Penal de 1940 e vigente até o hoje. Ou seja, dentro do que Bourdieu caracteriza como “Espaço dos possíveis”, onde a hermenêutica possibilitou uma interpretação jurídica a favor da dignidade das mulheres e de acordo com a ciência que permitiu comprovar que fetos anecéfalos não sobrevivem, rompendo com o com o que ele chama de “Poder Simbólico” exercido por grupos conservadores que são simplesmente contra qualquer forma de interrupção da gravidez.

Nessa mesma linha, Bourdieu acredita que os operadores do direito estão sujeitos à lógica positiva da ciência, somada à lógica normativa da moral. Ao mesmo tempo que deve haver a “Neutralização” no exercício dos mesmos, ou seja, a norma jurídica deve apresentar impessoalidade aos seus destinatários. O que ficou evidente com a ADPF 54, no qual os defensores da causa usaram a ciência naturais como argumento e a dignidade humana das mulheres que enfrentam a situação de gestarem fetos anencéfalos, bem como sua saúde física e psíquica. Outro termo usado por Bourdieu é a “Universalização”, que também se adéqua à esse julgado, pois através da consulta há cientistas ficou provado que não há como gerar vida no caso de anencefalia e o direito positivado com a ciência e com essa demanda social tornou possível essa decisão favorável às vitimas desse tipo de gestação patológica e tornar esse fato uma norma jurídica.

Por fim, a ADPF 54 se tornou um fato histórico, um acontecimento em que há  duas ou três décadas anteriores à votação (2012) não teria acontecido, ou até mesmo nos dias de hoje, uma década depois, em que existe uma reação de grupos conservadores pelo mundo todo e isso inclui o status atual do Brasil. Essa ADPF foi um avanço social com relação aos direitos das mulheres, o que Bourdieu denomina de “Historicização da Norma”, pois adaptou as fontes do direito até então existentes à uma circunstância totalmente nova.

 

Joel Martins S. Junior

Aluno do 1º ano do curso de Direito/Noturno - UNESP/Franca.


Os poderes simbólicos na ADPF 54

   Pierre Bourdieu foi um pensador francês responsável por estabelecer o conceito de poder simbólico, o qual se caracteriza por uma espécie de autoridade que demonstra e legitima certas formas de domínio. Para ele a dominação simbólica se justifica exatamente por causa deste poder simbólico. Este poder apresenta-se na prática como autoridade de construção da realidade, assim detendo os meios necessários para influenciar e determinar valores e conceitos, seja individualmente ou coletivamente. Sendo muito comum observar que, no fim das contas, muitos nem sabem a origem de seus pensamentos estabelecidos por esses poderes.
   Assim sendo, entendendo esses conceitos abordados por Bourdieu é fácil visualizar o papel do Supremo Tribunal Federal (STF), em sua atual configuração, como uma forma de poder simbólico institucionalizado dado seu papel de “guardião da Constituição''. Um caso em que se pode observar as influências do conceito do poder simbólico é a aprovação do STF pela interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos, a ADPF 54, por 8 votos a 2, a qual se organizou em duas perspectivas antagônicas: a primeira, baseada em argumentos de caráter concepcionista (a vida se inicia durante a concepção) por muitas vezes religioso, e a segunda que se baseia em argumentos que revelam a liberdade da mulher para escolher, caso queira, pelo fim da gestação de feto anencéfalo, tornando-o assim uma espécie de aborto legal, protegido por lei. Esse embate evidencia o conflito entre os poderes que interferem na vida e nas visões das pessoas em sociedade.
   Em conclusão, foi aprovada a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos, em virtude, principalmente, de argumentos que prezam pela liberdade da mulher e pelo direito de escolha e reprodutivo.


João Pedro Menon - Direito matutino



O “espaço dos possíveis” e sua relação com a ADPF 54

Pierre Bourdieu foi um dos principais filósofos a analisar os campos de uma sociedade e suas influências. Para ele, o “espaço dos possíveis” advém do embate entre os vários campos e agentes da sociedade. Tal conceito  pode ser definido como algo realizável dentro de um campo e é um nítido reflexo das manifestações sociais. No campo jurídico, a limitação são as obras jurídicas definidas pela sociedade ou seus representantes, as quais vão se modificando para, na teoria, serem mais justas e compreensivas com a sociedade que as cria.

Essa teoria pode ser claramente vista no caso da ADPF 54, o qual abordava o tema da interrupção da gravidez em caso de anencefalia.  A  decisão do STF  foi favorável à interrupção da gravidez nesses casos. Contudo, a decisão não foi unânime, uma vez que essa decisão teve 8 votos a favor, 2 contrários e uma abstenção. A própria votação é um exemplo da questão dos campos e sua influência, uma vez que essa multiplicidade de opiniões é uma das características da trajetória de cada indivíduo e da influência de seus campos. Bourdieu define que esse conflito de discursos é o que delimita o espaço dos possíveis, uma vez que tal discussão acarreta uma lei que será utilizada em decisões posteriores a ela.  Felizmente, o julgado em questão firmou-se em favor da liberdade feminina, considerando fatores como a saúde mental da mulher, além dos riscos gerados pela gravidez de um feto anencefálico.

Em suma, essa votação mostra uma ampliação do espaço dos possíveis jurídico, uma vez que torna as demandas sociais mais flexíveis e pode talvez garantir mais direitos a mulheres, como a questão do aborto amplo. Contudo, apesar de a votação ser o que tornou legal essa operação médica específica, é importante lembrar que esses avanços advém da luta social. Em outros termos, as mulheres que lutaram e lutam pelos seus direitos como melhores condições são as que tornam possível a possibilidade de avanço social nos campos jurídicos.


Paulo Henrique Illesca Da Costa 1º Ano de Direito - Matutino




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ADPF 54 e Pierre Bourdieu

 O sociólogo francês Pierre Bourdieu é de extrema importância para a interpretação do direito moderno. A partir de sua visão, inicia-se uma nova maneira de se compreender o direito; agora não apenas de maneira isolada e funcionalista, mas sim interpretando-o  em conjunto com as influências exercidas e propagadas pelo social. 

 A ADPF 54, que trata sobre o aborto de fetos anencéfalos, é um claro exemplo dessa influência no direito. Por lei, no Brasil, o aborto é expressamente proibido, porém com essa decisão do STF abriu-se uma exceção à proibição completa. Tal análise e decisão só foram possíveis pela influência das demandas sociais de várias camadas da sociedade sobre o caso. 

 Interpretou-se o direito não apenas a partir de si mesmo, mas a partir dos campos científicos e sociais também. Bourdieu prevê que isso é fundamental para o funcionamento do direito, uma vez que é o elemento de coesão da sociedade, deve ser alterado e influenciado pelos membros que compõem-a e não apenas controlado por uma elite detentora do poder.

Enzo Gonçalves Peres 

1° ano matutino 

Análise da ADPF 54 pela ótica de Bourdieu

         O filósofo francês Pierre Bourdieu acrescentou grandemente a área jurídica, abordando o espaço social como multidimensional no qual há diversos campos sociais parcialmente autônomos, de modo que interseccionam entre si em prol da vida em uma comunidade funcional. Além disso, o mesmo expressa que o indivíduo está condicionado ao seu habitus - seria uma matriz cultural que preordena o sujeito a determinadas escolhas e comportamentos, influenciado pela condição de classe e também pelos diversos campos sociais que o homem compõe ao decorrer de suas vivências, este conceito é denominado pelo pensador como “espaço dos possíveis".

           Ao analisar a ADPF 54 (que tem como objeto o aborto em caso de feto anencéfalo) a partir da perspectiva de Bourdieu, é visível o conflito entre dois discursos de espaço dos possíveis, a vertente mais conservadora e religiosa, que enxerga o ato de interrupção da gravidez de forma criminalizada, defendendo que o feto é uma vida em potencial; do outro lado está uma ótica mais liberal e cientifica em favor da dignidade e liberdade sexual e reprodutiva da mulher, assumindo que é possível realizar o procedimento qualificando como “antecipação da gravidez terapêutica do caso”, levando em conta a baixíssima estimativa de sobrevivência, o feto é considerado natimorto.

O STF decidiu por votação, 8 votos a favor e 2 contra, a legalização do aborto neste caso, evitando maiores complicações e infortúnios, preservando não apenas a saúde física mas também a saúde psíquica da mulher que estaria levando uma gestação na qual não existirá vida. Por conseguinte, é visto a forma em que a sociedade, ainda que tenha preceitos tradicionalistas, vem evoluindo de maneira positiva e possibilitando a ampliação do espaço dos possíveis, comprovando o pensamento de Bourdieu de que a dinâmica do direito busca a "lógica positiva da ciência" mais a "lógica normativa da moral”. Desse modo, o direito impõe universalmente por uma precisão conjunta de lógica e ética. 


Maria Eduarda da Cruz Cardoso

1º Direito - Matutino


O Poder Simbólico do Direito na ADPF 54

 A ADPF 54, assinada pelo então ministro Marco Aurélio, relativa à interrupção da gestação em casos de fetos anencefálicos foi uma decisão judicial muito polêmica. A questão do aborto é das mais polêmicas socialmente, sua prática sendo considerada um “tabu” cultural e religioso por diversas sociedades. No Brasil, a decisão tomada pelo STF foi amplamente criticada, assim como elogiada publicamente, sendo que os lados contrários e favoráveis são proporcionalmente significativos nesse caso. 

A anencefalia por si só é considerada, por alguns, um estado de morte, sendo que o feto não se desenvolverá fisicamente e mentalmente, enquanto outros não consideram esse estado comparável com a morte. Por serem assuntos de tanta relevância social, a decisão jurídica poderá ser analisada a partir do estudo sobre o poder simbólico do Direito, formulado por Bourdieu.

Em seu texto, o autor irá concluir sobre a forma como o Direito é capaz de se impor socialmente de diversas maneiras, e como a mentalidade social irá ser um reflexo dessas ações. O caso da ADPF 54 demonstra um exemplo em que o poder do Direito irá refletir diretamente no suposto direito do feto anencefálico, que, segundo aqueles contrários à decisão tomada, seria possuidor de direito ao nascimento, indiferentes às opiniões da gestante sobre os possíveis traumas psicológicos e riscos físicos que a continuidade da gestação poderiam acarretar.  Ao mesmo tempo, o poder simbólico do Direito será capaz de garantir que o direito à autonomia sobre o corpo da gestante seja preservado. 

Bourdieu fez um estudo amplo sobre as formas como o Direito interage implicitamente com o cotidiano dos indivíduos, e sobre o quanto esse é relevante em suas vidas, assim, possibilitando uma melhor compreensão acerca da decisão jurídica e o porquê de sua grande relevância social. 


Giovanna Faria Araújo Cunha - RA 221226044 
1° ano Direito - Matutino

Relações de Dominância e o ADPF 54

Pierre Bourdieu, diferente dos demais sociólogos que buscaram este entendimento, estudou o Direito não somente considerando puramente sua forma teórica, mas também sua aplicação no campos social de acordo com as lutas sociais e divergências que ascendem na sociedade. Sendo assim, o Direito deve atuar como instrumento conciliador de interesses, para além, deve atender à estas alterações compreendendo que as lutas sociais acompanham reivindicações não atendidas, logo o seu papel seria reparar aos direitos não concedidos a todos os grupos sociais.

 Ademais, para entendimento do decorrer do texto, vale compreender os conceitos de campos, capital, habitus e espaços possíveis: Campos( espaços sociais relativamente autônomos que compõem a sociedade); capital( recursos que possibilitam um indivíduo de atingir posições almejadas dentro dos campos sociais, não se restringindo somente ao capital econômico, sendo também social, cultural ou científico, por exemplo); habitus( é uma os fatores que condicionam um indivíduo a agir de determinada forma; espaços dos possíveis( é o resultado das movimentações sociais e a jurisdição, sendo sua abrangência a tudo o que for juridicamente legitimo). Posteriormente a esta compreensão, são determinadas as posições de dominância na sociedade por grupos ascendentes dentro do campo social, através de seu capital econômico, cultural científico e, também, social. Estes que assumem caráter exclusivamente conservador e positivista que, devido a conjuntura que compunha a formação do Braisil, atuam de forma dominante no campo político jurídico, interpretando o direito e sua forma de atuação de acordo com os seus preceitos e habitus. Ademais, os dominados seriam aqueles que, não por escolha, são submetidos a estas condições, não sendo atendidas suas reivindicações ao longo da história. Considerando estes entendimentos, podemos considerar que na atualidade as lutas sociais são resultado de anos e anos da falta de equidade entre as divergentes classes dentro do campo social.

A diante, foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) conceder às gestantes de anecefálicos o direito de interrupção da Gravidez, conforme determina o Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 (ADPF 54). Neste viés, o aborto perde seu caráter como crime e assume um papel de zelo à saúde física e mental da mulher nestas condições, o que gerou certo conflito entre a moral cristã conservadora e o campos Jurídico. Porém, analisando do ponto de vista apresentado por Bourdieu e considerando que esta moral conservadora atende somente os preceitos de um determinado grupo(dominante) e ignora a integridade e saúde do indivíduo diretamente afetado, no caso a mulher(dominado), podemos inferir que o STF atendeu à ambos os campos, pois foi concedido o direito de escolha, e não apenas determinou a necessidade obrigatória do aborto. Este direito foi concedido em resultado de anos de lutas a favor que fosse tomada esta decisão.

Com o caso acima, é possível enxergar certo avanço no campo jurídico com uma maior abrangência do espaço de possíveis, definido por Bourdieu, de forma progressiva. Há esta relutância de entendimento na aplicação do ADPF54, pois este não corresponde aos conceitos do grupo dominante, mas ainda assim atende às partes por trás desta discussão, cumprindo então com o papel de equidade atribuída ao direito. 



Isabella Carvalho Silva

Direito - Matutino 

Uma pequena vitória para a luta das mulheres no Brasil: uma análise sob a visão da sociologia jurídica de Pierre Bourdieu

 A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ou ADPF), é uma diligência apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de impedir lesão a um preceito fundamental, pleiteado pelo Poder Público. Em 2012, discutiu-se a ADPF de número 54, tratando da inconstitucionalidade em considerar a interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo como conduta-crime prevista pelo Código Penal. 

O acórdão tomou como base diversos princípios expressos na Constituição Federal. Em especial, há de ser destacado o início de seu texto, invocando a laicidade do Estado, o que já indica um campo dentro do espaço social que possivelmente seria um agente conflituoso com o teor da decisão. 

Pierre Bourdieu em sua teoria a respeito da Sociologia Jurídica, nos apresenta um mundo de lutas simbólicas dentro do campo jurídico. A definição de “campo” dada por Bourdieu é a de grupos e/ou indivíduos, munidos de aspectos específicos pelos quais acabam pertencendo a campos próprios, e que estão em constante competição pelo poder, também simbólico, enquanto coexistem dentro de um espaço multidimensional. Aplicando-a ADPF-54 sob a ótica de Bourdieu, temos diversos campos em conflito: em primeiro lugar, apresenta-se o campo científico/médico, que conclui a impossibilidade da vida extra-uterina de um feto anencéfalo, visando então salvaguardar o direito das gestantes de antecipar o parto, em prol da autonomia, saúde e dignidade de sua condição; há também àqueles que poderiam se mostrar contrários à decisão, como por exemplo, ferrenhos religiosos e defensores “pró-vida”. 

Neste sentido, a utilização do Direito como método de se evitar a lesão dos direitos fundamentais da mulher mostrou-se adequada, pois, segundo Pierre Bourdieu, o Direito deve exercer posição não-instrumentalista e não-formalista, o que significa não ser uma ciência somente à serviço dos dominantes e que recusa a forma jurídica como superior ao mundo social. É possível depreender, portanto, uma pequena vitória para os direitos da mulher, que em um Brasil conservador é tida como minoria. Quando o Direito age em defesa dessas, demonstra abrir mão de seu instrumentalismo e, levando em consideração a não aplicação do Código Penal nos casos de feto anencefálico, também recusa o formalismo. 

A decisão de tornar inconstitucional a condenação com base nos arts. 124º, 126º e 128º do Código Penal na interrupção da gravidez no caso de anencefalia, demonstra a universalização do Direito em presumir o caso concreto como realmente é, ou seja, trata-se de uma condição não compatível com a vida, cuja sequência trará danos irreversíveis à parturiente e que, desta forma, assegurando-lhe o direito de interromper a gestação, sem imposição de crime, trata o ato com pitadas de realidade. Assim, ao reconhecê-lo, indica o começo da superação da superioridade do moralismo dentro da norma, vencendo lentamente o grave histórico de opressão dentro da individualidade da mulher no Brasil. 



Ana Beatriz Cordeiro Santos - 2º semestre de Direito (noturno)


A Desconstrução do Debate da ADPF 54 Através do Entendimento Sociológico de Bordieu.

        A partir de um entendimento dos contrapontos e bases teóricas utilizadas na ADPF 54, que trata acerca de Direitos Fundamentais em uma situação de interrupção de gravidez para o feto anencefálico, é possível destacar uma condição recorrente do campo social que acaba frequentemente invadindo o campo jurídico: o interesse puramente ideológico, tradicionalista e, muitas vezes, conservador de diferentes entes sociais.

        Através de Pierre Bordieu, é possível explicar tal hipótese de forma clara, pois para o sociólogo, os campos são inundados pelo chamado "espaço dos possíveis", em que, no contexto jurídico, diferentes interesses permeiam e utilizam de variadas ferramentas para se manifestarem de forma contínua e produzirem seus efeitos desejados.

        No caso da ADPF, esse espaço dos possíveis está no suposto conflito entre direitos fundamentais que regem a interrupção da gestação. Pelo pensamento de Bordieu já explicado, é possível entender que não há de fato conflito de direitos, mas sim de discursos, que defendem ou não a existência desse conflito, em virtude de comprovarem os motivos que geraram os interesses engendrados na fabricação desses dispersos posicionamentos.

        De forma concreta, toda essa abstração citada anteriormente acontece principalmente nos votos dos ministros, na reação social em relação ao resultado e no levantamento da questão pela CNTS. O capital cultural e de valoração inerente a cada um dos indivíduos que se manifestam dentro desse espaço acaba transformando-o no "dos possíveis" e portanto, com finalidade de gerar uma socialmente necessária resolução, o debate se revela mais favorável à segurança da mulher gestante e contrário à manutenção do feto anencefálico.


Pedro Henrique Falaguasta Nishimura - 1° Ano Direito (Matutino)


ADPF 54 e Dinâmica do Campo Jurídico

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 (ADPF 54) possui o objetivo de assegurar as gestantes de anencefálicos a autorização de interrupção da gravidez. A Anencefalia é um defeito congênito, uma má formação do tubo neural que ocorre por volta da quarta semana de gravidez e acarreta o não desenvolvimento (ou desenvolvimento parcial) do cérebro e cerebelo. Segundo Thomas Gollop, médico docente em genética na USP, após o parto, a criança anencefálica sobrevive, na maioria das vezes, por poucas horas, se chegarem a tal estágio, pois 50% das mortes ocorrem com o embrião ainda no útero, 99,5% morrem logo após o parto e 0,5 sobrevivem por dias ou até poucos meses; uma quantidade ínfima consegue sobreviver até sem aparelhos, mas sobrevivem em estado vegetativo em cerca de até dois anos, causando danos à saúde física e psicológica da mãe maiores que uma gravidez típica.

O aborto é criminalizado no artigo 124 do Código Penal e conta com poucas exceções legais, dentre elas o aborto em caso de anencefalia, o Supremo Tribunal Federal autorizou facultativamente a prática da cessação da gestação de fetos anencefálicos, a fim de promover a dignidade humana da mulher e a diminuição de seu sofrimento.

Ocupando posições de dominadas, através do poder simbólico, as mulheres, sobretudo tratando-se aqui daquelas com menores condições financeiras, possuem, no geral, pouco poder sobre seus corpos e ínfimo domínio sobre questões de sexo, sexualidade e ainda sobre seus órgãos competentes ao sistema reprodutivo. O Direito, segundo Bourdieu (1930-2002) possui o dever de negar se colocar somente a serviço das classes dominantes e apesar de relativa independência, jamais o direito deve permanecer alheio as pressões geradas em seios sociais, contrariando a autonomia absoluta jurídica aderida por Kelsen; desta forma, destaca-se o confronto dado entre a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde e o ideal conservador social que defende a ideia Pró-Vida, como exemplificado pela ex-Ministra Damares, que defende campanhas contra situações abortivas legais. Entretanto, as duas posições nesta luta simbólica não são necessariamente antagonistas, onde uma delas é vilã, considerando o capital diferente entre elas, os recursos culturais, sociais, educação formal e acima de tudo isso o habitus, o conhecimento e movimentações que o indivíduo adquiriu durante sua vida.

As lutas simbólicas se manifestam dentro do campo jurídico o princípio de transformação, através da luta pela descriminalização do aborto de anencefálicos é possível notar o desprendimento obrigatório do direito à moral e inclusão no espaço dos possíveis. A luta travada no espaço dos possíveis demonstra sua estrutura amorfa e em constante transformação, movido pela lógica e ética baseado na tendência do Direito em obter um corpus equânime, ainda de modo lento, mas aos poucos avançando na racionalização das situações de dominação social e consequentemente sua modificação, considerando o equilíbrio entre lógica normativa da moral e a lógica positiva da ciência.

Apesar do tom de universalização da norma sob a cláusula Untermassverbot, ainda existe a impossibilidade da racionalidade pura dentro do espaço dos possíveis, devido a posição hierárquica dos magistrados. Graças a isto, a historicização da norma produz o veredicto em conferir triunfo da legalização do aborto de fetos anencefálicos, garantindo mais uma política pública de saúde, concedendo para a mulher, através dos recursos jurídicos disponíveis, a liberdade de decisão para escolher à medida que apresenta maior eficácia na maneira de lidar com sua situação particular de sofrimento.

Bianca Lopes de Sousa - Matutino

Análise ADPF 54 STF sob a perspectiva de Bourdieu

 

A ADPF 54 aborda a interrupção terapêutica da gravidez em casos de anencefalia, tal tema gera polêmica na sociedade, não por menos é discutida pelos ministros do supremo tribunal federal e sua resolução causa grande impacto na sociedade. É perceptível como contrapõe duas visões que concorrem, por um lado tem-se os artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, que, resumidamente, tipificam o crime no caso de interrupção voluntária da gravidez, em contrapartida, é posto os preceitos da dignidade da pessoa humana, o princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade, além do direito à saúde, que nesse caso envolve também a saúde mental da mulher.

Nesse caso há um claro conflito na percepção do “espaço dos possíveis”, a afirmação de que o nascituro tem direito a vida em contrapartida a dignidade, autonomia e saúde da mulher. Neste ponto vale destacar o que Bourdieu considera como a dinâmica do direito, sendo está a união entre a lógica positiva da ciência e a lógica normativa da moral, ao mesmo tempo em que evita o instrumentalismo, portanto ao utilizarem o recurso do amicus curiae, ouvindo a opinião de especialistas da área médica a decisão, por 8 votos a 2 e uma abstenção, foi favorável a possibilidade de interrupção terapêutica da gravidez em casos de anencefalia. A tese apresentada mostra como continuar com a gravidez, em diversos casos, pode impactar gravemente sobre a saúde mental da mulher, além do risco que a gravidez de um feto anencefálico produz ser maior do que o de um feto viável.

Desse modo, a decisão abre a possibilidade de realizar essa interrupção de maneira legal, como o ministro Gilmar Mendes diz em seu voto “Não parece tolerável que se imponha à mulher tamanho ônus na falta de um quadro para resolver essa questão”, sendo que a decisão expressa o que o juiz deve ser, não um simples executante que deduzisse da lei as conclusões diretamente aplicáveis ao caso particular, mas alguém que adapta as fontes a circunstâncias novas.


   Lucas Drabek dos Santos - Matutino

ADPF 54 pela visão de Bourdieu

Pierre Bourdieu, buscou compreender a sociedade a partir de suas estruturas internas, o que era visto por ele como campos (jurídicos, cientifico, social e entre outros), que se comunicam, mas que mantêm sua própria autonomia. Para ele, em cada um desses campos seriam reconhecidas formas de luta especificas e simbólicas para ser hegemônico. E de acordo com Bourdieu, essas lutas seriam pelo poder simbólico, pelas posições de status, o que desse modo geraria um tipo de violência, também simbólica.  

Dentro desses campos, existe o chamado habitus, que era definido pelo sociólogo como os padrões de conduta dos indivíduos de um determinado grupo social. Assim, um campo seria estabelecido pelo seu habitus. 

Ao discutir sobre o campo do Direito, Bourdieu afirma que se deve evitar a classe dominante, ou seja, evitar o instrumentalismo, e também o formalismo, que compreende o direito como uma força autônoma frente às pressões sociais, portanto, se “desprendendo” de outras áreas fora do campo jurídico para analisar os conflitos da sociedade. 

A ADPF 54 que tem como tese a inconstitucionalidade diante da criminalização referente a interrupção de gravidez em caso de feto anencéfalo. Os argumentos utilizados levaram em consideração que os fetos anencéfalos na maioria das vezes morrem minutos após o parto, então não seria qualificado como aborto, já que o feto não apresentaria qualquer expectativa de vida após o nascimento. E ainda utilizam da questão de que esse tipo de gestação trariam sérios riscos para a saúde da mulher. Assim, o formalismo do Direito, citado por Bourdieu, seria um obstáculo para a análise dessa situação, já que as pautas da discussão não se baseou apenas em normas jurídicas, mas também em campos médicos e psicológicos para a sua solução.

Dessa forma, cabe ressaltar que o campo jurídico não deveria se restringir apenas em leis, mas sim se ampliar para os outros campos, deixando de lado esse conservadorismo de seus próprios habitus para proporcionar uma melhoria na sociedade. 





Maria Eduarda Gusmão de Jesus

1º Direito - Matutino