domingo, 28 de agosto de 2022

                                                         A ADPF 54 como Fato Jurídico Histórico


A ADPF 54 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54) foi um marco legal das garantias fundamentais da mulher, aprovada em 2012, por 8 votos a favor e 2 contra, ficou-se permitido a interrupção terapêutica da gestação no caso de feto anencéfalo. Antes ficava a cargo da interpretação do juiz do caso autorizar ou não o aborto nesses casos. Havendo, portanto, situações em que o juiz decidia para que a mulher completasse a gravidez e gerasse o natimorto. Nesse julgado estabeleceu-se um conflito de posições divergentes, em que de um lado profissionais da saúde e cientistas se posicionaram a favor da interrupção da gravidez em casos de anecefália dos fetos e de outro lado movimentos conservadores e religiosos foram contra.

A luz do pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), esse episódio pode ser interpretado como que o contexto social do momento da votação da ADPF 54 (ano de 2012) permitiu que não se caracteriza-se crime a interrupção terapêutica da gravidez em caso de fetos anencéfalo, como é o aborto no Código Penal de 1940 e vigente até o hoje. Ou seja, dentro do que Bourdieu caracteriza como “Espaço dos possíveis”, onde a hermenêutica possibilitou uma interpretação jurídica a favor da dignidade das mulheres e de acordo com a ciência que permitiu comprovar que fetos anecéfalos não sobrevivem, rompendo com o com o que ele chama de “Poder Simbólico” exercido por grupos conservadores que são simplesmente contra qualquer forma de interrupção da gravidez.

Nessa mesma linha, Bourdieu acredita que os operadores do direito estão sujeitos à lógica positiva da ciência, somada à lógica normativa da moral. Ao mesmo tempo que deve haver a “Neutralização” no exercício dos mesmos, ou seja, a norma jurídica deve apresentar impessoalidade aos seus destinatários. O que ficou evidente com a ADPF 54, no qual os defensores da causa usaram a ciência naturais como argumento e a dignidade humana das mulheres que enfrentam a situação de gestarem fetos anencéfalos, bem como sua saúde física e psíquica. Outro termo usado por Bourdieu é a “Universalização”, que também se adéqua à esse julgado, pois através da consulta há cientistas ficou provado que não há como gerar vida no caso de anencefalia e o direito positivado com a ciência e com essa demanda social tornou possível essa decisão favorável às vitimas desse tipo de gestação patológica e tornar esse fato uma norma jurídica.

Por fim, a ADPF 54 se tornou um fato histórico, um acontecimento em que há  duas ou três décadas anteriores à votação (2012) não teria acontecido, ou até mesmo nos dias de hoje, uma década depois, em que existe uma reação de grupos conservadores pelo mundo todo e isso inclui o status atual do Brasil. Essa ADPF foi um avanço social com relação aos direitos das mulheres, o que Bourdieu denomina de “Historicização da Norma”, pois adaptou as fontes do direito até então existentes à uma circunstância totalmente nova.

 

Joel Martins S. Junior

Aluno do 1º ano do curso de Direito/Noturno - UNESP/Franca.


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