domingo, 26 de novembro de 2017


Da leitura de Bourdieu, “O Poder Simbólico”, podemos perceber que o referido autor trata das relações entre os homens como relações de poder. Assim, essas relações acabam por reproduzir um sistema objetivo de dominação internalizado numa sociedade estratificada.
Aqueles que detém uma posição de destaque, quer seja no campo econômico, quer seja no campo político – ou em qualquer outro campo de atuação –, ganham o reconhecimento vindo de outros indivíduos e isso gera uma necessidade de impor suas ideias como forma de legitimar a sua posição.
Ocorre que há vários indivíduos nessa condição com ideias diferentes. Em nossa visão, corroborando com o autor, isso acaba por criar “lutas simbólicas” nos diversos campos do cotidiano, na tentativa de impor uma visão de mundo legítima, reforçando essa ideia das relações de poder entre os homens.
Nessa seara, podemos nos ater aos juízes no campo jurídico. Dentre tantas ideias divergentes, vemos essas lutas simbólicas alcançarem lugares extremamente polêmicos. No intuito de verem impostas suas visões de mundo como forma de demonstrarem seu poder, juízes travam verdadeiras batalhas nos tribunais ratificando a ideia proposta por Bourdieu no texto em epígrafe.
Podemos exemplificar isso com o julgado da ADPF 54 sobre o caso de aborto de anencéfalo. De um lado, contrários à permissão do aborto em questão, os defensores do direito à vida, preceito fundamental encontrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal (CF). Do outro lado, os defensores da liberdade do homem, outro preceito fundamental encontrado no mesmo art. 5º da nossa Carta Magna.
Sem adentrar no conteúdo dos votos em si, já deixando a nossa opinião sobre o tema, acreditamos ser o direito à vida tão inviolável quanto o direito à liberdade do homem. Isso, inclusive, encontra guarida na nossa própria CF, ao dispor ambos na mesma linha de importância (art. 5º, caput). Assim, do Direito Constitucional, a melhor doutrina entende que havendo conflito entre os dois direitos, necessário seria haver a conjugação e o sopesamento dos valores abordados. No caso em tela, não se deveria, portanto, admitir que a mãe suportasse toda a carga de uma gravidez, cujo desfecho seria trágico e já esperado.
Por fim, diante da situação em análise, entendemos que se deve permitir a liberdade a cada mulher de decidir se quer ou não prosseguir com a gestação, segundo as suas próprias convicções, pautadas nos princípios da liberdade, da dignidade e da autonomia da vontade.

RODRIGO VILAS BOAS DE SOUZA RA 2205711 DIURNO

Direito: uma luta pelos interesses de nossos representantes

O Direito é excludente. Exclui os profanos de decisões que os afetam diretamente todos os dias e as entrega aos profissionais da área.
O Direito é uma constante luta entre diferentes visões devidas aos diferentes habitus de seus operadores, respaldadas em formas específicas, comandadas por regras específicas para fazerem as decisões valerem.
Mas de que adianta entregar as decisões nas mãos de profissionais qualificados que nunca serão ou seriam afetados por elas? De que adianta o Direito ser um espaço de luta se aqueles que podem efetivamente gerar mudanças são uma massa homogênea com os mesmos habitus?
E é assim que os interesses da população muitas vezes são porcamente atendidos pelo Direito. O aborto de fetos anencéfalos, apesar de hoje ser descriminalizado, só passou a ter atual condição em 2012, no Brasil. Pleno século XXI e as mulheres ainda eram obrigadas a arcar com todos os custos financeiros de médicos, exames e do parto em si para colocar no mundo um ser que, desde o começo, já se sabia não portar consciência e que pouco sobreviveria fora do útero. Pior que isso seriam as consequências psicológicas e físicas para a mulher. Ter a experiência do parto já sabendo que aquele ser não vai sobreviver, ver e tocar o seu bebê, que você sabe que em breve vai perder. Correr risco de vida em um parto de uma criança que todo mundo sabe que não vai sobreviver.
A descriminalização veio tarde para nós, que nos achamos tão evoluídos, né? Isso tudo porque essa luta antes não interessava aos profissionais encarregados do Direito, nossos ditos representantes; porque antes, ainda mais do que hoje, essa classe era composta quase que exclusivamente por homens que, predominantemente, pouco se importam com a escolha e a saúde física e psicológica das mulheres.
E isso não se limita aos interesses das mulheres em confronto à sua pouca representação no Direito, trata-se de um pontual exemplo. Esse contexto está presente em relação a todas as minorias, pouco compreendidas e, menos ainda, representadas. 

Rafaela Carneiro Gonella, 1º ano Direito matutino

Transformação social e o direito

    A visão formalista do direito o concebe como um sistema totalmente autônomo em relação ao âmbito social, constituído por doutrinas e normas independentes dos constrangimentos e pressões sociais, com base em uma dinâmica interna em que o campo jurídico se transforma conforme suas próprias e assegurando coerência através da constância, previsibilidade e homogeneidade dos habitus jurídicos.
    No entanto, essa constatação contradiz um dos objetivo fundamentais do direito, que é regular as relações existente na sociedade, estando entre elas, as sociais. A autonomia do raciocínio jurídico implica constância, porém a própria Constituição brasileira reconhece a necessidade de acompanhar as transformações sociais ao conter em seu texto um procedimento para sua alteração e também dispor sobre como proceder para alterar leis inferiores. Tem-se como exemplo do caráter dinâmico da sociedade o fato de que a evolução científica possibilitou a identificação de feto anencéfalo, hipótese não abrangida pelo Código Penal pois era desconhecida na época de sua compilação, o que levou a questão à deliberação do Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do aborto do feto com a característica retratada devido à ausência de vida-extrauterina potencial, em defesa do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade da mulher, diante do dever jurídico de proteger a saúde física e mental da mãe. Destaca-se que a decisão do tribunal acompanhou a determinação da medicina de que o feto anencéfalo é natimorto cerebral. Além disso, uma doutrina independente do meio social privilegia lutas individuais. Dessa forma, é inconcebível a separação do direito do mundo social e sua relação com outras ciências.
    A hierarquização das instâncias judiciais e seus poderes culmina na hierarquização de suas decisões e das normas em que elas se fundamentam. Assim, a decisão do STF tem efeito vinculante e atinge a todos. Esse fato possibilita solucionar conflitos entre intérpretes e interpretações. A respeito da interpretação, afirma-se sua função adaptativa e destaca-se sua utilização como meio de explorar a polissemia e anfibologia jurídica através da restrictio, extensio, ambiguidade, analogia e lacuna, como é o caso do exemplo citado.
    Outro ponto importante é o sentimento de injustiça. A sensibilidade e a capacidade de percebe-lo não é distribuído uniformemente e depende estritamente da posição ocupada no espaço social. No aborto de feto anecéfalo, não se discute apenas a existência de vida, mas também a função da mulher como progenitora e defensora da família, visão ligada ao conservadorismo e à religião.
    A questão levada ao STF é um exemplo de judicialização pois o tribunal acrescentou nova modalidade que exclui a hipótese de crime de aborto, atuando como legislador positivo, que seria função do Congresso Nacional por meio de lei. O alcance da ação jurídica depende da posição do campo jurídico no campo do poder, e sua ampliação decorre do desprestígio e do descrédito que assola o poder legislativo.
    O fato de que um problema social foi levado ao poder judiciário para ser solucionado demonstra a forte ligação entre o direito e o mundo social, mostrando que o formalismo e a autonomia absoluta é uma idealização.

Eloáh Ferreira Miguel Gomes da Costa
Direito-matutino
    

Supremo Direito

No espaço dos possíveis,
O veredicto é uma luta.
As súplicas não são plausíveis
Ou quem domina nunca escuta?

É no corpo feminino,
Que se funda a discussão.
Um tremendo desatino
Tanta incompreensão

No Supremo se define
A validade de interromper a gestação
Em caso que previne
Uma autodestruição

O habitus de Bourdieu
Presente no Congresso
Faz com que a bancada evangélica anseie
Pelo eminente regresso

Com o instrumentalismo nos falta esperança,
Já o formalismo não passa de mera ilusão.
Com margem à invenção,
Da norma se faz a historicização.


Gustavo Lobato Del' Alamo - Direito - 1º ano - diurno
O Estado (não) é laico para todos.

Há uma distinção entre a ciência e a religião. Enquanto a ciência determinar que a vida começa depois do desenvolvimento do sistema nervoso, a religião acredita que começa com a concepção. A questão, no entanto, não é essa disparidade de crenças, mas, sim, em qual o Estado deve determinar as questões como o aborto de anencéfalos.

De acordo com a Constituição, o Brasil é um país laico.  Mas é laico para todos? É laico para as mulheres que, sabendo que seus filhos nascerão fadados a morte imediata, não podem abortar? É laico para o sofrimento e desgaste emocional de tantas as “filhas de Deus” que, por imposição religiosa, são obrigadas a manter um filho que não é seu e, sim, da morte.

O autor Pierre Bourdieu observou a existência da violência simbólica, que consiste na tentativa de a classe dominante impor seus interesses particulares de maneira a passar o crédito de que são escolhas certas e benéficas para todos. Dessa maneira, o autor cita a religião como um exemplo de maneira de manter a integração social de maneira a provocar o consenso geral. O Estado, então, tentou impor suas vontades particulares nos “ventres” de mulheres brasileira, fazendo com que todos acreditassem que essa era a melhor maneira de lidar com a situação. Para lidar com a problemática, o autor propõe o formalismo no direito, em que o direito deve ser independente das vontades das classes dominantes.
 
 Nesse contexto, a ADPF n°54, que determinou ato lícito o aborto de fetos com anencefalia, veio para salvar a vida de tantas mulheres reféns de uma crença imposta pela sociedade e Estado. Continuemos a lutar pelo Estado laico de todos e para todos.


Luísa Lisbôa Guedes, direito diurno turma XXXIV – 2017  

Além das formalidades

A sociedade contemporânea desconhece um conjuntura na qual haja ausência da luta de classes. Muitas pessoas enxergam o Direito como um instrumento capaz de regular as disparidades sociais. Além disso, estudos são feitos na busca de recursos ou políticas que coloquem fim aos privilégios das classes dominantes e tragam empoderamento para as classes que têm menos acesso aos recursos. Seguindo essa linha, Pierre Bourdieu aponta a ciência rigorosa do direito como alternativa para fugir do formalismo e do instrumentalismo. Ou seja, respectivamente, o Direito como mera instituição de uma forma determinando uma realidade social e o Direito como instrumento de manutenção de uma ordem determinada por classes dominantes.
O pensamento de Bourdier é esplêndido na medida em que nos permite ver  na forma do Direito um mecanismo que apresenta símbolos sociais ao longo da história . Inclusive, ele critica os marxistas estruturalistas por não terem sido capazes de ver e interpretar o Direito como reflexo de toda uma conjuntura histórica. Uma vez que isso possibilitaria entender as influências no Direito e evitá-las ou combatê-las caso privilegiem um grupo específico.
Ademais, a abordagem do campo jurídico como um todo contém em suas obras uma delimitação de sua atuação. Por outra via de atuação o campo jurídico também assegura uma estrutura de poder vigente. Sendo assim, mantendo relações de poder de alguns grupos frente a lutas sociais. Contudo, sobre toda a estrutura do direito, há influência de interesses de grandes grupos. O que torna ilusória a ideia que as pequenas conquistas, das classes nas periferias do poder, tragam grandes avanços e promessas.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, atua em determinados casos garantindo o respeito da Constituição. Entretanto, grupos políticos fortes podem utilizar da hermenêutica sobre as determinações legais para buscar seus interesses nos espaços possíveis. Por fim, como saída para a ameaça de um direito que, simplesmente, mantenha em vigência interesses específicos, têm-se no texto jurídico um potencial de arma de defesa norteado por decisões baseadas em disposições positivadas e reconhecidas.
Escolhas
Estou numa bolha
Eu não posso dizer, eu não tenho voz
Eu não posso fazer, eu não tenho paz
Você fala por mim
Você vota por mim
E se o que eu carregar não for vida?
Quem dita as regras não é a medicina?
Classe dominante, tire sua religião de mim
Estado, seu poder reflete dentro de mim?
Até onde a racionalidade invade o campo jurídico?
Me escuta, eu quero seguir o Formalismo!
Você é pró vida? Então chega de feminicídio!
Você vota por si
Você nunca vai passar o que eu vivi
Você vota pelos seus?
Ou pelo seu Deus?

Rayra Faria - 1° ano Direito

PEC 181 e ADPF 54: A dicotomia conservador-progressista presente nas instituições sociais.

No período dado como atual, faz-se presente comportamentos, muitas vezes esporádicos, conservadores a fim de uma prévia determinação de comportamentos sociais, determinando, assim, o que é concebido como certo ou errado. Vê-se, ainda, uma nova cadência que busca uma vigência de padrões de um intimo grupo social a determinar os conceitos morais. Logo, por consequência é de se notar a presença relativa de um avanço conservador – a se ignorar os conceitos econômicos – no pensamento majoritário da sociedade brasileira.
Em vista disso, questionamentos são elencados, muitas vezes diante de um dado discurso relativo entre o progressismo e o conservadorismo, a respeito do ditame da vida em sociedade, conceitos sobre certo e errado ou sobre os preceitos morais e valorativos que afirmam a vigência constitucional do ordenamento jurídico em associação com a sociedade. Tem-se como um destes, um tema de grande importância e relevância no cenário da modernidade, não só no Brasil como no mundo todo. Esse tema é o aborto.
Atualmente, a questão do aborto tem ultrapassado os limites que o delimita como uma questão criminal, que teria por infringir o conceito de vida. O aborto, passa, agora, a fazer parte das considerações pessoais de cada gestante – ou melhor, de cada mulher – como uma escolha que engloba tanto a respeito da liberdade de expressão como a questão de ter autonomia quanto ao seu próprio corpo. De antemão, o aborto é tipificado como conduta criminal no Código Penal dos artigos 124 ao 128, nessa diagramação normativa há diversas espécies de aborto a serem tratadas e associadas a penas privativas de liberdade.
Contudo, um fato primordial a ser levado em conta é o seguinte: o aborto não deixa de ser realizado só por ser tipificado como um crime, assim como assassinatos, latrocínios ou, até mesmo, a sonegação de impostos. Entretanto, em uma sociedade em que o aborto não é regulamentado, mas sim criminalizado ocorrerão casos de que, na clandestinidade, um alto número de mulheres sujeita-se a correr um grande risco de morte, visto que não há a devida regulamentação dos procedimentos e clinicas abortivas. Sendo assim, há inúmeros dados de países nos diversos continentes que adequaram o aborto e são satisfatórias as condições de vida dos habitantes em questão.
“Um estudo inédito da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que países com leis que proíbem o aborto não conseguiram frear a prática e que, hoje, contam com taxas acima daqueles locais onde o aborto é legalizado. Já nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram a uma queda substancial no número de abortos realizados.”
Diante da disposição dos fatos trabalhados, há no dado momento presente, em primeiro caso, a aprovação da PEC 181 que criminaliza os casos de abortos em que o feto é oriundo de estupro. Todavia, os resultados são oriundos de uma votação de 19 integrantes, onde 18 votaram a favor e apenas 1 integrante contra. Um fato de útil conhecimento é que apenas 1 integrante era mulher e votou, esta, de forma contrária.
Outro caso que envolve o aborto é a ADPF 54 que busca interpretar uma possível violação de preceitos fundamentais oriundos de uma inconstitucionalidade dada pela criminalização de abortos em casos de fetos anencefálicos. Esta um pouco menos atual do que a anterior, foi posta em questionamento no que tange sua constitucionalidade no STF, onde o resultado procedeu-se favorável perante o descumprimento de preceito fundamental.
Ambas situações foram determinadas por votos, de pessoas oriundas de diversos moldes sociais. Devido a isto, uma alusão sociológica, vinda do pensador francês Pierre Bourdieu, emerge em vista de todos os discorrimentos tratados. O conceito de habitus, mantendo-se no olhar legislador da PEC 181 ou no olhar que concerne ao judiciário na respectiva ADPF, o fato de como as pessoas que formam e delimitam padrões sociais, são influenciadas pela própria sociedade, podendo-se dizer: uma estrutura estruturante. A forma de se comportar segue padrões sociais e se delimitam devido as concepções, próprias, de vida de cada deputado que votou contra a referida PEC ou a cada ministro. Exemplo disso é que a única mulher da comissão votou contra, bem como a afamado voto feminista da Ministra Cármen Lúcia. O habitus, deste modo, se torna mais evidente, onde é possível delinear que: as aspirações sociais são transcendidas nas atitudes tomadas por elas. Os 18 deputados que participaram da PEC, por sua vez são de maioria evangélica, não obstante serem homens, são a maioria influenciados por vieses religiosos, que expressam um outro habitus, que como estrutura estruturante, influenciam a modulação da sociedade.
O capital cultural, também tratado por Bourdieu, se mostra como um fator importante nas determinantes formas de mudança social. A moeda de dominância, que se dá pela cultura implica na estratificação social velada. Ao se dar um maior foco a ADPF 54, ou em todos os casos que o STF atua, há uma distinção no comportamento, voto e ideal de cada ministro lá presente, com comportamentos que se expressam como culturalmente elitistas ou como mais simplórios, como as participações dos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, respectivamente, devido ao fato sujeição de situações que cada um passou na vida.
As formas de pensamento em relação com o direito ao determinar a mudança social, apresentam-se como voláteis. O habitus faz-se real e presente nestas expressões sociais. Os operadores do direito partem da constituição dele, a partir da influência que sofreram com o tempo e sofrem cotidianamente, sendo um fator essencial para a transformação social. O Direito então, a Bourdieu, tende a divergir do que foi postulado por Hans Kelsen, como algo independente do social, como o direito puro; o direito, na verdade, por mais que seja estático, ele é adequado e modulado a sociedade, que não se encontra nas mesmas formas.

Em suma, o instrumento judiciário, no Brasil, tem como ultimo a definir os moldes legislativos, como algo constitucional ou não, devido ao seu controle de constitucionalidade. A diferença crucial entre a PEC 181 e a ADPF 54 é que a primeira se encontra no âmbito legislativo, e a segunda no âmbito jurídico. A dicotomia citada no início do texto, logo, faz-se presente devido a percepção de que há, uma vez que a ADPF 54 foi julgada procedente, a dicotomia entre conservadorismo e progressismo na realidade atual. O direito, entretanto, deve ser elucidado como mais importante, por em situações extremas poder dialogar e mudar uma consideração tomada no legislativo, e nesse caso o parecer que se elucida é de que há uma concepção liberal no poder judiciário que emana de constatações advindas dos preceitos individuais de cada um que forma o direito e em seu todo social constrói outra realidade. As demandas sociais, também, quando por necessidade devem ser satisfeitas pelo direito, fazem com que o próprio direito e seus operadores se tornem sujeitos a uma flexibilização, a fim de adequar-se a sociedade. O habitus se emana de forma velada na crença de cada ministro do que tem por ser como certo e errado, bem como nos intuitos de cada deputado.

Referência: http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,paises-que-liberaram-aborto-tem-taxas-mais-baixas-de-casos-que-aqueles-que-o-proibem,10000050484

Pedro Henrique Lourenço Pereira - Matutino

O aborto de anencefálicos e a busca pelo formalismo


No Brasil, o aborto ainda é considerado um tabu, pois mesmo com a ascensão de movimentos sociais pedindo sua legalização, há uma forte resistência, principalmente, por convicções religiosas ou até mesmo influências machistas. Nesse contexto, temos a ADPF n°54 que determinou que seria lícito o aborto de fetos com anencefalia, causando grande repercussão nacional e dividindo opiniões sobre esse assunto polêmico.

Essas diferenças de opinião são naturais, uma vez que em qualquer sociedade há uma luta entre classes sociais, que tentam impor suas ideologias umas sobre as outras. Sobre esse tema, o autor Pierre Bourdieu observa que existe algo chamado violência simbólica, que consiste na tentativa da classe dominante impor seus interesses particulares como se fossem universais e benéficos para o todo. Sendo assim, cita a religião como um exemplo de um sistema simbólico capaz de gerar uma maior integração social, levando seus adeptos a um consenso. Desse modo, fica claro como os sistemas simbólicos influenciam nas opiniões alheias para que se formem pensamentos homogêneos acerca de assuntos polêmicos, como o aborto.

Diante disso, Bourdieu indica que o caminho a ser seguido pelo Direito é o Formalismo. Segundo essa linha de pensamento, o Direito deve ser independente das classes dominantes, agindo de forma isonômica e de acordo com os anseios da população. Dessa maneira, vemos que os movimentos sociais devem ser escutados e acolhidos pelo Direito quando for comprovado que suas exigências zelam para a melhoria social.

Visto isso, a descriminalização do aborto de anencefálicos é um passo para esse Direito apontado por Bourdieu, já que objetiva a autonomia da mãe em escolher qual caminho seguir, priorizando sua saúde física e psicológica.

Érika Luiza Xavier Maia - 1° ano Direito Noturno

Breve Análise

O campo jurídico brasileiro enfrenta, atualmente, a demasiada demanda popular por medidas de peso normativo. O descrédito aos poderes legislativo e executivo alavanca o judiciário a uma posição basilar da construção de valores e regulação de imbróglios sociais e políticos. Em exemplo mais recente, a ADPF nº 54, a qual determinou como possível e lícito o aborto de fetos diagnosticados com anencefalia, cumpre, de maneira incisiva, o papel generativo de padrões morais dentro de um certo contexto social.
O veredito partiu de uma conjunção de votos ministrais, os quais, partindo de uma demanda social evidente, enrijecida por movimentos sociais pelo fortalecimento da liberdade individual das mulheres, em especial no período gestativo. Os votos, não obstante, revelam uma inclinação pessoal de cada ministro com base não na matéria legal senão na formação individual de cada um, no éthos personalíssimo de cada ministro; com isso, fica nítida a impossibilidade de consubstanciação de uma racionalização plena do campo jurídico.
Com efeito, Pierre Bourdieu aponta para a dificultosa tarefa de implementar um Direito plenamente formal e independente das pressões sociais. O Direito parte, não obstante, de uma acumulação de capital simbólico de seus componentes, a saber, os magistrados e doutrinadores teóricos; a ação de tais integrantes do ordenamento jurídico produz efeitos os quais se tornam, de fato, o próprio campo jurídico.

Dessa forma, o parecer positivo à descriminalização do aborto em caso de anencefalia concernente à ADPF nº 54 aponta, portanto, para a existência de um habitus cada vez mais progressista e liberal no campo jurídico, esquadrinhando um alinhamento do poder judiciário com a demanda social no Brasil hodierno. À luz do teórico Pierre Bourdieu, pode-se concluir que a decisão judicial supracitada constata, por fim, a posição lúcida do campo jurídico brasileiro frente às necessidades e possibilidades do ordenamento socioeconômico nacional.

Fernando Melo Gama Peres.
1º ano, noturno.

O poder simbólico na interrupção da gravidez em casos de anencefalia



Pierre Bourdieu foi um sociólogo francês que se destacou pela abordagem acerca da luta simbólica, sobretudo no campo jurídico. Este, em sua concepção, consiste na esfera das relações jurídico-políticas em que se desenvolve categorias especificas que exigem recursos para o poder simbólico. O Direito, para ele, deve se portar de modo a evitar o excesso, ao mesmo tempo, do instrumentalismo, a ideia de que ele deve refletir o que a força social dominante exige, e do formalismo, que o considera como uma força autônoma capaz de retirar de suas próprias referências internas os fundamentos necessários. Concebe, assim, o Direito como um campo com autonomia relativa, sendo razoavelmente permeável à dinâmica social e, da mesma forma, capaz de retirar de si mesmo os elementos necessários para sua manutenção e progresso, sendo capaz de conciliar um equilíbrio entre o instrumentalismo e formalismo. Promove, com isso, ao mesmo tempo, uma crítica a Kelsen e aos marxistas estruturalistas.
            O campo jurídico seria composto, portanto, de uma lógica duplamente determinada: de um lado, pelas relações de forças específicas que lhe conferem a sua estrutura, ou seja, os conflitos de competência que nele têm lugar, e, do outro, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o “espaço dos possíveis” e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas. A dinâmica do Direito engendra a “lógica positiva da ciência” com a “lógica normativa da moral”, reguladas estruturalmente na concorrência no âmbito desse campo, o que permite que ele imponha universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética.
            A sociologia de Bourdieu pode ser aplicada, em especial no que diz respeito à autonomia relativa do Direito e do campo jurídico, ao caso da ADPF 54, de abril de 2012. A partir dessa ação, solicitada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde do Brasil, o STF decidiu que a interrupção da gravidez em caso de anencefalia do feto não pode ser considerada crime. Com um placar de 8 a 2, os ministros julgaram procedente a ADPF para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção deste tipo de gravidez seria tipificada em alguns artigos do Código Penal. Uma medida como essa evidencia ser inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver, como foi provado por estudos da medicina, prevaleça sobre as garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição. Por não ser uma “vida em potencial”, como salientou o Ministro relator Marco Aurélio, o feto anencéfalo não possui proteção jurídica de sua vida.
            É importante ter em mente, ainda, a liberdade da mulher em sopesar valores e sentimentos da ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção ou não da gravidez, não cabendo ao Estado tomar tal decisão. Não se pode deixar de lado também os riscos que a gravidez de um feto com anencefalia traz à mulher, envolvendo não só seu corpo, mas sua saúde mental. Levando-se em conta o fato de ter se tornado comum e relativamente simples descobrir a anencefalia fetal, a não inclusão na legislação penal dessa hipótese de excludente de ilicitude é uma omissão legislativa, uma ofensa à integridade física e psíquica da mulher. A discussão teve grande repercussão, criando de um lado um grupo de defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez, e, do outro, aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de um feto sem cérebro. Este último grupo é predominantemente composto por religiosos, o que vai em sentido contrário à noção de que, em um Estado laico, as concepções religiosas não podem guiar as decisões estatais.
            A aplicação de Bourdieu em um caso como esse se dá, principalmente, levando-se em conta que a transformação do Direito advém de sua relativa permeabilidade às dinâmicas sociais, e foi exatamente isso que aconteceu no caso da ADPF 54. Diante da influência de outras áreas do conhecimento e sociais, como a medicina nos estudos acerca da anencefalia fetal ou as discussões em defesa da liberdade da mulher, a permissão da interrupção da gravidez nesses casos foi uma conquista, um grande avanço. Consistiu, assim, numa adaptação a circunstancias novas, a partir da historicização da norma e na permeabilidade às influências externas, como teorizou Bourdieu. A ADPF, por isso, pode ser vista como uma quebra do formalismo da norma, atingindo outros níveis além do Direito, o qual precisou se adaptar, editar sua realidade normativa sobre a interrupção da gravidez visando atender às condições materiais. O Direito, dessa forma, se flexibilizou para conciliar o desacordo formal com a realidade material, cumprindo o papel proposto pelo sociólogo francês.
            Observa-se, portanto, a importância do Direito como luta simbólica e a necessidade de que haja equilíbrio entre o formalismo e instrumentalismo, visando uma autonomia relativa que se mostra também permeável à dinâmica social. Isso se manifesta em casos de conquista de direitos, como na descriminalização da interrupção da gravidez em hipótese de feto com anencefalia, na qual está em jogo questões como o direito da mulher de autodeterminar-se, de escolher e agir de acordo com a própria vontade, além da comprovação de não ter condições de vida um feto nessa situação. Trata-se da formação de um horizonte de novas possibilidades, a partir da ruptura com o aspecto estritamente formal, permitindo ao Direito receber influências de outras áreas do conhecimento para adaptar-se à medida que for necessário. Apesar de ainda não representar uma liberdade total da mulher sobre seu corpo, o que somente será possível com uma total descriminalização do aborto, a conquista da ADPF 54 já se mostra de significativa relevância na busca pela ampliação dos direitos e na adaptação do campo jurídico às demandas sociais.
Gustavo Garutti Moreira – 1º Ano Direito Matutino

O Estado e as Vidas

Dentro do campo jurídico
há discussões e vereditos
que advém das morais e teorias
assim, a hermenêutica se limita na autonomia.

Na ADPF 54 o habitus se demonstrou importante.
A prática jurídica de cada juiz se fez relevante.
Ciência versus moral, ou moral ao lado da ciência?
A resposta se assenta na experiência!

O que cabe ao Estado definir? Tudo?
Quando começa a vida? O que é vida? O que é luto?
O Direito se restringe, ao restringir a atuação do povo:
operadores aí inclusos, diariamente aparecem conflitos novos.

No limite do possível se apoia a perspectiva do Direito aplicado:
aí se pode dizer o que realmente limita e discute o Estado.
O que é vida digna cabe à sociedade refletir - e pressionar, no seu sentido -
mas a equidade nas reflexões demonstra maior potencial no mundo jurídico.

Tatiane E. Lima - 1º ano de Direito - Matutino

Instrumentalismo invisível

Foi-se discutido, através da ADPF nº 54, a possibilidade de a gestante possuir o poder de escolha de interromper, se desejar, a gravidez em caso de feto anencefálico. Muita discussão social se enquadra em tal proposição, pois fatores como religião e medicina conflituam entre si, ou, como define o autor Bourdieu, o Habitus promove, através de toda a trajetória de vida e experiências pessoais, a possibilidade de indivíduos possuírem ideologias opostas, causadas pela cultura e cotidiano.
O Direito, matéria científica capaz de alcançar e mediar os conflitos sociais, possui papel essencial onde as discussões como a acima citada, chamadas até mesmo de Hard Cases, se incorporam na sociedade. Porém, com uma interpretação mais aguçada, utilizando do senso crítico e de uma visão arguta, percebe-se que o Direito sempre foi mantenedor do status quo, que ainda possui grande parte de seu mecanismo presos às mãos da classe dominadora da sociedade. Bourdieu critica sobre o Instrumentalismo, ideia de Direito a serviço da classe dominante, e o Formalismo, entendimento do direito como força autônoma diante das pressões sociais. O Direito, que antes era mediador de conflitos, encontra-se, entre seus extremismos, uma antinomia interna. Esses devem ser evitados, pois são ideologias que robotizam e limitam o poder histórico e essencial do Direito.

Evidente que o Direito surge através das lutas sociais, e da expressão da sociedade naquilo que o campo jurídico o permita que seja, o que Bourideu chama de Espaço dos Possíveis. Porém, analisando a discussão sobre aborto, não se percebe a voz forte das mulheres e sua expressão. Dizem as más línguas que se o homem engravidasse, o aborto poderia ser feito até em caixa eletrônico. Tal questão mostra a dominação do gênero masculino sobre as decisões que, não somente competem ao corpo das mulheres, mas também em qualquer outra decisão que concerne ao campo jurídico. Grande exemplo de que o Instrumentalismo do Direito é, muitas vezes, imperceptível, e que não somente a burguesia se privilegia do poder, mas também toda uma classe social, étnica, religiosa e simbólica que é dominante. Visto isso é necessário que haja luta e força social para se alcançar a ascensão da minoria e o que do povo é de direito: A Soberania.  

Sobre conservadorismo, religião e dignidade da pessoa humana

          O sociólogo Pierre Bourdieu, em sua obra “O Poder Simbólico”, discorre acerca da ciência rigorosa do Direito, a qual enfoca este como sendo objeto de estudo, devendo evitar-se o instrumentalismo e o formalismo. Enquanto o primeiro refere-se à ideia de Direito a serviço da classe dominante, o segundo explicita-se como um entendimento do Direito como força autônoma diante das pressões sociais. Assim sendo, a ideologia de Bourdieu pode ser empregada em um contexto relativamente atual, no qual a Ação de Descum­­primento de Preceito Funda­men­tal (ADPF) n.º 54, exteriorizada pela Confederação Nacional dos Tra­­balhadores na Saúde (CNTS), pretende assegurar o direito de escolha da gestante pela interrupção (ou não) da gravidez em caso de feto anencéfalo.
          Tal condição clínica pressupõe uma má-formação grave do sistema nervoso central, sendo esta incompatível com a vida a longo prazo. Desse modo, é constatado que o feto anencéfalo não representa uma vida em potencial, uma vez que o início da vida cerebral não concretiza-se. Nesse contexto, o instrumentalismo firma-se em uma sociedade cuja burguesia, não raro, conservadora, dita os possíveis desencadeamentos da vida jurídica e suas consequências danosas para aqueles os quais não pertencem à classe dominante. Tal qual o instrumentalismo, o formalismo evidencia-se através do controle religioso sobre um Estado constitucionalmente tido como laico, fato averiguado através da presença de uma forte bancada religiosa no poder.
          Nessa conjuntura, a aliança entre burguesia conservadora e bancada religiosa culmina em medidas as quais propõem ideologia “pró-vida” e elucidação do princípio da dignidade da pessoa humana em relação ao feto anencéfalo. Tais fatos não levam em consideração o sofrimento físico e psíquico o qual deve ser enfrentado pela gestante em caso de uma gravidez de feto anencéfalo e nem o princípio da dignidade da pessoa humana em relação à esta. Em uma sociedade embasada em princípios de liberdade, previstos na Constituição Federal, a escolha pela interrupção da gravidez em caso de feto anencéfalo não deveria estar sendo posta em xeque, visto que deveria versar sobre o livre arbítrio feminino para agir de acordo com convicções pessoais.
          Portanto, a inexistência de uma vida em potencial em anencéfalos atrelada à criminalização da prática do aborto em tal situação é responsável por imensurável sofrimento à várias gestantes que encontram-se na referida condição, sendo observada uma transgressão ao princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa maneira, decisões jurídicas fundamentadas no conservadorismo de uma classe dominante, bem como em acepções religiosas em uma sociedade laica, devem ser repensadas. Como consequência, o instrumentalismo e o formalismo usualmente combatidos por Bourdieu não firmar-se-ão em solo tupiniquim, corroborando com preceitos constitucionais e democráticos.

Isadora Mussi Raviolo - 1º ano Direito (Noturno)