domingo, 26 de novembro de 2017

Breve Análise

O campo jurídico brasileiro enfrenta, atualmente, a demasiada demanda popular por medidas de peso normativo. O descrédito aos poderes legislativo e executivo alavanca o judiciário a uma posição basilar da construção de valores e regulação de imbróglios sociais e políticos. Em exemplo mais recente, a ADPF nº 54, a qual determinou como possível e lícito o aborto de fetos diagnosticados com anencefalia, cumpre, de maneira incisiva, o papel generativo de padrões morais dentro de um certo contexto social.
O veredito partiu de uma conjunção de votos ministrais, os quais, partindo de uma demanda social evidente, enrijecida por movimentos sociais pelo fortalecimento da liberdade individual das mulheres, em especial no período gestativo. Os votos, não obstante, revelam uma inclinação pessoal de cada ministro com base não na matéria legal senão na formação individual de cada um, no éthos personalíssimo de cada ministro; com isso, fica nítida a impossibilidade de consubstanciação de uma racionalização plena do campo jurídico.
Com efeito, Pierre Bourdieu aponta para a dificultosa tarefa de implementar um Direito plenamente formal e independente das pressões sociais. O Direito parte, não obstante, de uma acumulação de capital simbólico de seus componentes, a saber, os magistrados e doutrinadores teóricos; a ação de tais integrantes do ordenamento jurídico produz efeitos os quais se tornam, de fato, o próprio campo jurídico.

Dessa forma, o parecer positivo à descriminalização do aborto em caso de anencefalia concernente à ADPF nº 54 aponta, portanto, para a existência de um habitus cada vez mais progressista e liberal no campo jurídico, esquadrinhando um alinhamento do poder judiciário com a demanda social no Brasil hodierno. À luz do teórico Pierre Bourdieu, pode-se concluir que a decisão judicial supracitada constata, por fim, a posição lúcida do campo jurídico brasileiro frente às necessidades e possibilidades do ordenamento socioeconômico nacional.

Fernando Melo Gama Peres.
1º ano, noturno.

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