Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
quinta-feira, 8 de dezembro de 2016
A anencefalia consiste na ausência parcial ou total do
encéfalo e da calota craniana, devido a uma má formação do tubo neural nos
primeiros momentos de formação embrionária. Estima-se que 50% das mortes em caso de anencefalia ocorram
ainda na vida intrauterina, e dentre os que nascem com vida, 99% falece logo
após o parto. O restante sobrevive por pouco tempo, mas realizando apenas
movimento involuntários controlados pelo tronco cerebral, como respirar e
engolir.
Em 2004, a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54 foi proposta pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), com o objetivo de
declarar a inconstitucionalidade de qualquer interpretação que considerasse a
interrupção da gravidez em casos de anencefalia um crime, conforme as condutas
tipificadas nos arts. 124 e 126 do Código Penal brasileiro. Já em 2012, o
Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido, considerando que a
criminalização da interrupção terapêutica da gravidez nestes casos feria
princípios fundamentais da Constituição, como o direito à saúde, a dignidade da
pessoa humana e a liberdade e autonomia da vontade.
Esta decisão
teve como resultado um debate marcado pelos conflitos ideológicos entre grupos
que visam o direito de escolha da mulher gestante e defensores da “vida”. A
discussão abrangeu questões como a laicidade do Estado, o direito à vida, a
saúde física e psíquica, o direito de escolha e o direito sobre o próprio
corpo.
“Deuses e césares tem espaços apartados. O Estado não é
religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro” - Marco Aurélio Mello
De acordo
com a teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu, evidencia-se a
historicização da norma pelos operadores do direito que votaram favoravelmente,
que agiram “adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo
nelas possibilidade inéditas (...)”. Verifica-se, assim, que a decisão do STF
vai contra o que Bourdieu chama de instrumentalismo (concepção do Direito como
ferramenta de defesa da opinião e dos valores da classe dominante), uma vez que
diverge das convicções de um país majoritariamente católico, que enxerga o “aborto”
como crime.
A
tese de Bourdieu de que o Direito deve evitar o formalismo (entendimento do
Direito como força autônoma diante das pressões sociais) também se confirma na
ação analisada. Se por um lado, a parte que considera crime a interrupção da
gravidez em casos de anencefalia se deixa influenciar pela moral religiosa e,
com isso, impede medidas progressistas, por outro, o veredito do STF é
influenciado pelo crescente debate acerca dos direitos e das reivindicações
sociais como, neste caso, a luta feminista.
Observa-se,
ainda, a hermenêutica exercida pelos operadores do Direito, que colocado “(...)diretamente
perante a gestão dos conflitos e uma procura jurídica incessantemente renovada,
tendem a assegurar a função de adaptação ao real num sistema que, entregue só a
professores, correria o risco de se fechar na rigidez de um rigorismo racional”.
O direito persegue a história
No momento em que o ordenamento jurídico concretiza seu processo dialético, traduzido no conteúdo de uma decisão, veredito, o sistema de direito delineia seu caráter de força viva. De modo que todo seu conteúdo expresso não se restringe a um sistema de normas jurídicas, age este também, na medida de seu processo, como um fator de luta, no tocante das matérias latentes às zonas de conflito da sociedade a qual esta imerso.
O parecer do STF, referente a questão do
aborto de anencefálicos denota o caráter de força do direito. Seu status de
ambiente deliberativo dá caráter simbólico à matéria tratada e sua decisão
tenciona a sociedade. No momento em que o direito direciona seus esforços para
uma questão até então desviante das "leis sociais”, como no caso do aborto
e a converge, mesmo que pontualmente, a favor do gradiente do ordenamento, não
é uma simples questão de sanar uma situação destoante a um preceito fundamental
do direito, é na verdade o direito, traduzindo em sua praxe, o seu caráter
político. De modo que o direito não se descola da sociabilidade, tal qual seus
processos, ora tencionam, ora conformam-se a sociedade, e esta, reage ao
direito segundo sua própria dinâmica.
O direito então, mesmo que impregnado por
seu próprio habito de submeter-se prioritariamente a si próprio e a seu ordenamento,
no anseio de prescrever a história, ele somente a persegue. Mesmo que busque
engendrar dentro do próprio ordenamento, o motor de sua atividade, o que o
impulsiona é a dialética social. Ao passo que toda matéria, até o momento de
sua tratativa pelos "autores" do direito, passa por toda a atmosfera
política e social inerente ao momento da análise, de modo que todo parecer, de
qualquer instituição jurídica, ganha invariavelmente a carga completa que orbita
tal matéria, não só a carga que diz respeito ao sistema de normas e sua lógica.
Tomando como referência a decisão do STF,
referente a questão do aborto de anencéfalos é possível perceber seu conteúdo
político. Não se trata de uma questão respondida através de um exercício lógico
e puro do direito. Envolve toda a carga moral, seja pelo viés religioso,
conservador, progressista, ou simplesmente social. E aqueles que compõem o quadro de ministros, trataram a matéria segundo uma égide política, mesmo que sob o pretexto de não o fazer e suas interpretações, de um modo ou de outro, deram tempero a dinâmica política, neste caso aproximando-se, no conteúdo de sua decisão, ao expectro progressista.
Sendo assim, toda resposta do direito
constitucional e sua interpretação dos símbolos jurídicos, no fim de seu
processo, representará caráter político, de modo que a própria resposta é
oriunda de uma questão política, de luta das forças vivas do Direito.
Lucas Tadeu Ribeiro Efigênio - 1 noturno
E diz Pierre Bourdieu,
é o campo social: espaço de jogo
onde os agentes lutam, criam, participam, impõem
opiniões
o mesmo se configura em espaços jurídicos
o campo onde a disputa deslancha entre o instrumentalismo
e o formalismo
E ainda dotado de um poder simbólico
que é esse poder além de um disfarce simbiótico
entre a linguagem, a simbologia e a hegemonia
da ideia que ela aquela tua tia
vive disseminando na cozinha?
De que a menina
Ah! A menina
se aborta é o contrário de feminina
É feia, é bárbara, é assassina
É desleixada,
"Se é a favor do aborto é por quê
já nasceu não é, desgraçada?"
E ainda que a decisão da primeira turma do STF
Ao julgar o caso ADPF 54
tenha optado pela dignidade da mãe
sobre a do feto anencefálico
que já fora dado como morto
nasceria finado
Seria correto admitir um ativismo judicial
a favor da causa social
feminista, progressista, rebuscado
convencido de autonomia absoluta
se não rompe perfeitamente com a determinação social
de inferioridade da mulher (é prostituta!)
para qualquer âmbito ocasional?
Luana A. Marachini (noturno)
é o campo social: espaço de jogo
onde os agentes lutam, criam, participam, impõem
opiniões
o mesmo se configura em espaços jurídicos
o campo onde a disputa deslancha entre o instrumentalismo
e o formalismo
E ainda dotado de um poder simbólico
que é esse poder além de um disfarce simbiótico
entre a linguagem, a simbologia e a hegemonia
da ideia que ela aquela tua tia
vive disseminando na cozinha?
De que a menina
Ah! A menina
se aborta é o contrário de feminina
É feia, é bárbara, é assassina
É desleixada,
"Se é a favor do aborto é por quê
já nasceu não é, desgraçada?"
E ainda que a decisão da primeira turma do STF
Ao julgar o caso ADPF 54
tenha optado pela dignidade da mãe
sobre a do feto anencefálico
que já fora dado como morto
nasceria finado
Seria correto admitir um ativismo judicial
a favor da causa social
feminista, progressista, rebuscado
convencido de autonomia absoluta
se não rompe perfeitamente com a determinação social
de inferioridade da mulher (é prostituta!)
para qualquer âmbito ocasional?
Luana A. Marachini (noturno)
"Leis de Deus" x "Leis dos homens" : o emblemático caso do aborto de anencéfalos
O caso julgado, em 2012
pelo STF, da ADPF (arguição de descumprimento de princípio fundamental) de
número 54 é bastante emblemático pois ao considerar inconstitucional a
criminalização do aborto de anencéfalos (fetos com ausência total ou parcial do
cérebro), prova as ideias de Pierre Bordieu que afirmava que, embora o Direito
não seja autopoiético (isolado de pressões sociais e isento de valoração), ele
pode sim ser usado como instrumento de luta das minorias, que neste caso são as
mulheres, ao invés de promover o instrumentalismo.
Diante disso percebe-se que, embora a Igreja, um grupo dotado de elevado capital simbólico, social e cultural, condene veemente o aborto, por considerá-lo "um pecado diante das leis de Deus", o Direito usou-se de seu também forte e influente capital social, simbólico e cultural, bem como de sua racionalidade universal, assumindo uma postura ativa diante de tal conflito, a qual está totalmente de acordo com o princípio da laicidade do Estado.
Sthéfane Souza Tavares Direito Diurno
Instrumentalismo brasileiro
Em 2012, na ADPF 54, o STF delibera a descriminalização do aborto de anencéfalos, tal decisão foi tanto baseada na perspectiva do feto que teria expectativa de vida baixa e frequentemente morrendo após o parto, como também das mães que estariam sujeitas ao trauma e ao sofrimento da perda do filho.
A repercussão do caso foi proveniente da forte formação conservadora e católica da sociedade brasileira que veta processos, como no caso, referente a saúde pública, devido as suas crenças. A descriminalização do aborto, passa a ser um critério elitista de seletividade já que as mulheres ricas têm condições de realizar abortos de forma segura, enquanto os restantes das mulheres brasileiras serão submetidas a abortos clandestinos, em condições precárias.
Assim, comparando a realidade ao pensamento de Bordieu, o Direito que criminaliza aborto tem um caráter instrumentalista, à medida que atua em função dos interesses e necessidades da classe dominante, ou seja, das mulheres que tem condição de abortar em meios alternativos daqueles oferecidos pelo serviço público, não serão prejudicadas. Dessa forma, o direito perde todo seu formalismo -Direito como força autônoma diante das pressões sociais - pois é moldado por preceitos religiosos e em função de interesses de classes.
Dessa forma, de acordo com o autor, é função dos atores do Direito, em conectar a teoria do Direito a realidade da sociedade, adequando as diversas mudanças , como também, suas necessidades. Assim, a descriminalização do aborto de anencefalos por parte do STF, revelam como os juristas, servidores da coletividade, devem criar um direito formal, abrangendo as necessidades materiais da população.
Nome: Helena Lamante Scotton - diurno
Direito maleável ou não.
Após
dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 8 votos a
favor e 2 contrários, que não é crime a interrupção de gravidez no caso de
fetos com comprovada anencefalia.
Os
votos contrários foram proferidos pelos ministros Ricardo Lewandowski e Cezar
Peluso. O ministro Dias Toffoli não votou por ter se considerado impedido,
já que se manifestou sobre a ação enquanto advogado-geral da União.
O Último
a votar, o ministro Cezar Peluso defendeu que o feto anencéfalo tem vida intra
e extra-uterina, mesmo que dure apenas alguns segundos ou dias. “Não é possível
pensar em morte do que nunca foi vivo”, disse.
Ainda
no primeiro dia de julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a
votar contrário a ação. Para ele, só o Congresso Nacional poderia mudar a lei e
permitir o aborto nestes casos.
Diante
disso, é visível o grande passo que a justiça brasileira deu, ao reconhecer tal
direito às mulheres brasileiras, e realçando também como a ideologia de Bordieu
quanto ao direito pode ser um fato real.
Bordieu
tem uma visão a respeito do direito como sendo algo orgânico, que comunica-se
com a sociedade e se molda em concordância com as mudanças morais presentes
nela, podendo este ser até mesmo um
mecanismo para as classes minoritárias alcançarem seus direitos. Tal retórica
entre o direito e sociedade como um todo, sendo ela minoritária ou dominante, é
indispensável na historia dos povos.
Portanto,
mesmo que seja evidente tal passo dado pelo STF nas questões acerca dos
direitos das mulheres, não percorremos nem um terço do caminho, a
descriminalização do aborto só é permitida em dois casos, assim não concedendo
as mulheres plenos direitos sobre seu próprio corpo. O que nos deixa claro, que
ainda temos um longo caminho a seguir.
Ari D’antraccoli Neto – 1°Ano/Diurno
A efetivação dos direitos individuais baseado na soberania individual
A
anencefalia consiste em uma doença que durante a fase embrionária há uma má
formação do cérebro, caracterizando-se pela ausência total do encéfalo e da
caixa craniana do feto. Para esses casos não há qualquer tipo de tratamento,
sendo que a morte do feto seja certa. Portanto, em relação a essa consequência
da doença, surge conflitos de ideias acerca da vida e do bem-estar da mãe, qual
seria a melhor forma de apaziguar o sofrimento materno, a prática do aborto ou
a espera até o nascimento da criança e, logo em seguida, sua morte? Antes de
analisar essa questão, será ressaltado o pensamento e a análise do pensador
Bourdieu.
Primeiramente, Bourdieu critica
Kelsen em relação à sua teoria do direito, pois este autor tenha criar uma
ciência jurídica sem levar em consideração as relações sociais, assim, o
direito teria seu fim em si mesmo. Além disso, vê o direito na perspectiva
formal. Contrariamente, Bourdieu apresenta uma dualidade, o formal e o
material, assim, há uma diferença interpretativa e estrutural entre aqueles que
produzem e os que aplicam as normas do respectivo sistema jurídico.
Em relação ao caso concreto, a legalização
do aborto de anencéfalos, o Supremo Tribunal Federal concedeu. No entanto, não
por força de lei, mas sim de interpretação, o que se relaciona com Bourdieu, visto
que a interpretação por parte dos magistrados foi um instrumento de mudança e
não por força de lei.
A questão interpretativa que pode
tornar-se jurisprudência, é uma ferramenta muito utilizada no commom law, nos Estados Unidos, dessa
forma, as decisões dos Tribunais e juízes são consideradas com força de lei e
são aplicadas as mesmas decisões em casos semelhantes, o que também torna-se
importante é a não necessidade de vastas leis e normas para cobrir o máximo de
casos que podem existir no direito, mas sim a competência aos Tribunais e
juízes para que criem o direito mediante decisões.
A procedência da ADPF 54 pelo STF,
levou-se em conta os princípios da Magna Carta que são a dignidade da pessoa
humana, o princípio da legalidade, o direito à saúde, o princípio da liberdade
e autonomia de vontade. Assim, a grávida tem amplo direitos sobre o seu corpo e
suas ambições. Além disso, o aborto de anencéfalos não confronta o princípio da
vida, já que o feto não terá qualquer chance de viver, a única questão ou
pensamento que confronta é o religioso.
A decisão do STF comprova a crítica
de Bourdieu ao instrumentalismo, principalmente, ao pensamento marxista que visualiza
o direito como expressão direta da realidade econômica e dos interesses dos
grupos mandatários. O STF pautou-se em fundamentos jurídicos e não em
interesses, como por exemplo o religioso, respeitando a estrutura simbólica do
campo.
Mesmo com a aprovação do STF, há
ainda alguns impasses que as mulheres terão de enfrentar, que pode-se chamar de
poder invisível, consistente na desaprovação do ato abortivo, mediante uma
cultura ou ideais, como por exemplo a cultura machista.
Finalmente, a transformação do
direito a fim de pleitear os direitos individuais e coletivos é uma forma
imprescindível de sua atualização, no entanto, para isso tem de haver o
seguimento de leis e normas vigente (neutralidade) e não pautar-se em ambições
pessoais. A questão abortiva de anencéfalos tratada e discutida ao longo do
texto pode-se dizer que foi o início para a aquisição do direito abortivo até o
terceiro mês de gestação, o que torna-se também uma questão de importância
econômica e social para o país, visto que a mulher ao contrair uma gravidez não
planejada, pode submeter-se a métodos deficitários para cometer o aborto ou
também pode ter o filho e não lhe dar a devida educação e saúde.
Douglas Torres Betete - 1º ano Direito (noturno)
Direito menos intrumentalista
O STF decidiu sobre a descriminalização
do aborto de anencéfalos, sob o fundamento de que o os fetos nessas condições
não apresentam grande expectativa de vida após o nascimento, transformando a
gestação em um período de enorme flagelo desnecessário para a mulher.
Tal decisão evidência o
caráter mais amplo do Direito como apresentado por Bourdieu, pois este acredita
na influência das mais diversas áreas da sociedade na formação do Direito.
Portanto, o STF, ao fornecer embasamento de decisão em fatores médicos, ou
seja, não puramente jurídicos, endossa o pensamento de autonomia relativa do
Direito que Bourdieu defende. Além disso, ao considerar diversas forças sociais
na tomada de decisão neste caso, o STF mais uma vez explicita um outro conceito
de Bourdieu: o de que o Direito não pode servir de instrumento das classes
dominantes. Tal conceito se aplica na medida em que o aborto tem ampla
resistência na sociedade e, boa parte dessa resistência tem base religiosa,
colocando as mulheres que sofrem com a proibição em situação de minoria
desamparada. Dessa maneira, temos aqui o Direito como garantidor de direitos
para a minoria, contrapondo-se e evitando o instrumentalismo tal como presente
na obra de Bourdieu.
A discussão acerca da descriminalização
do aborto na sociedade brasileira ainda é muito pouco abordada devido a sua
grande resistência. Todavia, a decisão do STF, ainda que para um caso específico,
abre uma janela para ampliar-se a possibilidade de descriminalização aborto de
forma mais geral e garantir às mulheres o direito de fazerem o que bem
entenderem sobre o seu próprio corpo, contando com procedimentos seguros oferecidos
pelo Estado.
Marco Aurelio Barroso de Melo - 1º ano Direito/Noturno
O direito, o veredicto e o avanço.
Ao
analisar o pensamento de Pierre Bourdieu à luz do julgado da descriminalização
do abordo, no caso de anencéfalos, percebe-se claramente a permeabilidade
existente no Direito, como defende Bourdieu. O Direito segundo ele é um campo que
apresenta uma autonomia relativa, indo contra a ideia kelseniana de uma
autonomia absoluta do Direito, e à ideia de uma autopoiéses, mas também criticando a
ideia de formalismo no campo jurídico, que é o seu isolamento frente às pressões
sociais. A ideia marxista que ignora a existência dos sistemas simbólicos, como
a forma específica do discurso jurídico e a própria linguagem retirada das estruturas
do Direito, as quais, nos dias atuais, se fazem excludentes de camadas que
estão extremamente distantes desse campo e seu habitus.
Visto
que Direito é ciência, mas também moral percebe-se que os valores subjetivos de
cada juiz na votação do julgado em particular teve grande importância. Ainda
que o ethos compartilhado e a própria hierarquia do campo iniba grandes divergências,
fica claro que a posição defendida nesse caso é um avanço em relação ao
pensamento defendido pela sociedade em geral.
Embora
o direito se diga racional, como demonstrado por suas expressões de
racionalização que dão o cunho legítimo ao que se refere ao campo, pode-se
vislumbrar que, em muitos casos, a universalização, em sua certeza, e a
neutralização que contraria o uso do direito exclusivamente pelas classes
dominantes, não se efetivam plenamente. Nesse caso, pode-se verificar que houve
um avanço no sentido de que o direito tutelasse de forma mais equitativa as
demandas que afetam, em muito, classes que sofrem com a omissão do Estado a
suas demandas.
A
luta simbólica no campo jurídico, na interpretação dos doutrinadores, com seu
aporte teórico, e dos operadores, como os magistrados, os quais através da
pratica também colaboram com a construção jurídica pode ser vista nesse caso,
no qual a participação do judiciário nesse caso foi ativa. A superação do
formalismo, pela inclusão de questões sociais, e do instrumentalismo, pelo
direito se afastar do caráter de opressão, além da aproximação ao universal
traduzem um avanço social. O veredicto, portanto, o produto dessa luta, se
vincula mais ao caráter de moral do direito do que ao científico, sendo
elemento constitutivo a interpretação, aspecto subjetivo.
Em
um liame com a ideia de Boaventura de Souza Santos, que remete ao uso do
Direito como instrumento de emancipação social, o caso representa um avanço,
ainda que não completo no sentido de garantir a decisão da mulher no que concerne
seu corpo, garantindo que o pertencimento deste é da própria mulher e não dos
ditames da sociedade. Além disso, Weber, em sua ideia de vinculação dos Direito
aos interesses de classe e de ampliação da forma estabelecida a partir de sua
contestação para que esta também abarque os interesses daqueles que eram
limitados por ela, se faz muito presente nesse caso a forma que criminaliza
totalmente o aborto apresenta uma ampliação, ainda que restrita a certos casos.
Vívian Gutierrez Tamaki - 1º ano de Direito diurno
DIREITO À EXISTÊNCIA OU DIREITO À VIDA?
Oi, mãe. Sim. Você, mãe. Grávida. De 2
meses e meio, ou como preferem falar: 10 semanas. No pré-natal, você descobre
que seu filho tem anencefalia. A medicina já diz: “seu filho, se sobreviver,
pode ter cegueira, surdez, incapacidade de sentir dor, inconsciência”. Mas a
lei defende: “é uma vida! Não firam os direitos do nascituro, não é por que ele
possui esse distúrbio que te dá o direito de abortar, os direitos dele acima de
tudo”. Duas frentes diferentes. Duas ideologias. Isso sem contar a religião,
que não vem ao caso discutir. De um lado temos uma ciência biológica, que por
muitas vezes se aproxima de uma ciência exata, devido a precisão de seus
diagnósticos e tratamentos. De outro, uma ciência humana, que se pauta em
textos, doutrinas...
Impasse complexo, não?
23h59min59seg do
dia 11 de abril de 2012
Não era permitido o aborto legal de
fetos anencefálos. Isso se claro, você não entrasse com um processo na justiça
para pedir autorização para a realização do aborto, o que se você tivesse
sorte, terminaria de correr até um período condizente com a realização do aborto, e se fosse como a maioria dos casos, seu filho já teria nascido e estaria
pronto para uma vida de sofrimento, uma vida vazia. Através do pedido que foi
formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que foi
interposto pela Confederação Nacional dos trabalhadores na Saúde foi alegado
que a criminalização do aborto de fetos anencéfalos violava alguns preceitos
fundamentais da Constituição: art. 1º, IV (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; art. 5º,
II (LIBERDADE A AUTONOMIA DA VONTADE); art. 6º, caput, e art. 196 (DIREITO À SAÚDE).
Criminalização? Sim, mãe! Se você fosse pega abortando você seria P-R-E-S-A. Você
está gerando um filho que dificilmente viverá e que se viver sofrerá
eternamente. E se você, nesse ato desesperado, abortá-lo sem respaldo da lei
obtido por meio de processo, você será presa. Criminosa. Onde já se viu? A lei
defende os direitos do nascituro, acima dos seus até. Sua saúde mental e
emocional não são prioridade aqui. A lei é a favor do nascimento do feto. Se ele vai nascer morto? Pouco importa. O importante é que nasça.
00h00min01seg do dia
12 de abril de 2012
Dia em que foi aprovada a legalização
e descriminalização do aborto em caso de anencefalia. Optou-se por zelar pelos
direitos da saúde mental e física da mãe, acima propriamente dos direitos do
nascituro, que neste caso, teria chances remotas de viver.
Ademais
é possível analisar esse caso sobre a ótica de Pierre Bourdieu. Ele defende que
existe uma luta simbólica no meio do direito, uma luta de sentidos
interpretativos. Essa luta se dá entre doutrinadores e operadores. Os
primeiros, que são os juristas, levam o direito para o lado da teoria pura que
ordena um sistema autônomo e autossuficiente enquanto que os segundos, os juízes,
estariam mais atentos às aplicações do direito que poderiam ser feitas em
situações concretas. Bourdieu afirma que “os magistrados [...] tendem a assegurar a função de adaptação
ao real num sistema que, entregue só a professores, correria o risco de se
fechar na rigidez de um rigorismo racional”. Pela ótica racional, os
doutrinadores poderiam entender conflitantemente a legalização do aborto nos
casos de anencefalia como uma ofensa aos direitos do nascituro, presentes no
Código Civil. Os operadores, por outro lado, são capazes de observar as
demandas práticas que os casos fazem da lei, e no caso do aborto de anencéfalos
há ainda uma justificativa científica para a permissão disso, no que tange
tanto à possibilidade de vida do feto, quanto aos prejuízos causados a uma
mulher e à uma família por ter que gerar/prezar por um ser que não terá uma
vida, apenas uma existência. Assim, num texto jurídico estaria presente um jogo
de lutas já que a depender de quem o lesse faria esta pessoa uma apropriação de
uma força simbólica que estaria presente no texto somente em estado potencial. Por
isso a necessidade de uma interpretação com visão mais ampla de situações
evitáveis caso o aborto no referido caso fosse legalizado em diversos âmbitos
da vida dos indivíduos envolvidos. O magistrado, assim, optou por prezar pela
vida da mulher, a vida saudável mental e psicológica em detrimento da vida
do nascituro, que biologicamente não teria chances altas de ter uma vida, mas
sim uma existência. A dinâmica do direito, que consiste na lógica positiva da
ciência somada com a lógica normativa da moral concorrem juntas no campo do
direito e a essas lógicas é imposta a necessidade de se interpretar uma
situação lógica e ética, como afirma Bourdieu. O direito ao aborto de fetos
anencéfalos concedidos às mães, veio tarde, a discussão foi adiada por tempos,
mas enfim, foi considerada em um aspecto amplo pelo magistrado.
Heloísa Guerra Rodrigues da Silva - 1ºano - Diurno
Heloísa Guerra Rodrigues da Silva - 1ºano - Diurno