quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O direito, o veredicto e o avanço.

      Ao analisar o pensamento de Pierre Bourdieu à luz do julgado da descriminalização do abordo, no caso de anencéfalos, percebe-se claramente a permeabilidade existente no Direito, como defende Bourdieu. O Direito segundo ele é um campo que apresenta uma autonomia relativa, indo contra a ideia kelseniana de uma autonomia absoluta do Direito, e à ideia de uma autopoiéses, mas também criticando a ideia de formalismo no campo jurídico, que é o seu isolamento frente às pressões sociais. A ideia marxista que ignora a existência dos sistemas simbólicos, como a forma específica do discurso jurídico e a própria linguagem retirada das estruturas do Direito, as quais, nos dias atuais, se fazem excludentes de camadas que estão extremamente distantes desse campo e seu habitus.
      Visto que Direito é ciência, mas também moral percebe-se que os valores subjetivos de cada juiz na votação do julgado em particular teve grande importância. Ainda que o ethos compartilhado e a própria hierarquia do campo iniba grandes divergências, fica claro que a posição defendida nesse caso é um avanço em relação ao pensamento defendido pela sociedade em geral.
      Embora o direito se diga racional, como demonstrado por suas expressões de racionalização que dão o cunho legítimo ao que se refere ao campo, pode-se vislumbrar que, em muitos casos, a universalização, em sua certeza, e a neutralização que contraria o uso do direito exclusivamente pelas classes dominantes, não se efetivam plenamente. Nesse caso, pode-se verificar que houve um avanço no sentido de que o direito tutelasse de forma mais equitativa as demandas que afetam, em muito, classes que sofrem com a omissão do Estado a suas demandas.
      A luta simbólica no campo jurídico, na interpretação dos doutrinadores, com seu aporte teórico, e dos operadores, como os magistrados, os quais através da pratica também colaboram com a construção jurídica pode ser vista nesse caso, no qual a participação do judiciário nesse caso foi ativa. A superação do formalismo, pela inclusão de questões sociais, e do instrumentalismo, pelo direito se afastar do caráter de opressão, além da aproximação ao universal traduzem um avanço social. O veredicto, portanto, o produto dessa luta, se vincula mais ao caráter de moral do direito do que ao científico, sendo elemento constitutivo a interpretação, aspecto subjetivo.

      Em um liame com a ideia de Boaventura de Souza Santos, que remete ao uso do Direito como instrumento de emancipação social, o caso representa um avanço, ainda que não completo no sentido de garantir a decisão da mulher no que concerne seu corpo, garantindo que o pertencimento deste é da própria mulher e não dos ditames da sociedade. Além disso, Weber, em sua ideia de vinculação dos Direito aos interesses de classe e de ampliação da forma estabelecida a partir de sua contestação para que esta também abarque os interesses daqueles que eram limitados por ela, se faz muito presente nesse caso a forma que criminaliza totalmente o aborto apresenta uma ampliação, ainda que restrita a certos casos.

Vívian Gutierrez Tamaki - 1º ano de Direito diurno

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