quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

DIREITO À EXISTÊNCIA OU DIREITO À VIDA?

Oi, mãe. Sim. Você, mãe. Grávida. De 2 meses e meio, ou como preferem falar: 10 semanas. No pré-natal, você descobre que seu filho tem anencefalia. A medicina já diz: “seu filho, se sobreviver, pode ter cegueira, surdez, incapacidade de sentir dor, inconsciência”. Mas a lei defende: “é uma vida! Não firam os direitos do nascituro, não é por que ele possui esse distúrbio que te dá o direito de abortar, os direitos dele acima de tudo”. Duas frentes diferentes. Duas ideologias. Isso sem contar a religião, que não vem ao caso discutir. De um lado temos uma ciência biológica, que por muitas vezes se aproxima de uma ciência exata, devido a precisão de seus diagnósticos e tratamentos. De outro, uma ciência humana, que se pauta em textos, doutrinas...

Impasse complexo, não?

23h59min59seg do dia 11 de abril de 2012

Não era permitido o aborto legal de fetos anencefálos. Isso se claro, você não entrasse com um processo na justiça para pedir autorização para a realização do aborto, o que se você tivesse sorte, terminaria de correr até um período condizente com a realização do aborto, e se fosse como a maioria dos casos, seu filho já teria nascido e estaria pronto para uma vida de sofrimento, uma vida vazia. Através do pedido que foi formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que foi interposto pela Confederação Nacional dos trabalhadores na Saúde foi alegado que a criminalização do aborto de fetos anencéfalos violava alguns preceitos fundamentais da Constituição: art. 1º, IV (DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; art. 5º, II (LIBERDADE A AUTONOMIA DA VONTADE); art. 6º, caput, e art. 196 (DIREITO À SAÚDE). Criminalização? Sim, mãe! Se você fosse pega abortando você seria P-R-E-S-A. Você está gerando um filho que dificilmente viverá e que se viver sofrerá eternamente. E se você, nesse ato desesperado, abortá-lo sem respaldo da lei obtido por meio de processo, você será presa. Criminosa. Onde já se viu? A lei defende os direitos do nascituro, acima dos seus até. Sua saúde mental e emocional não são prioridade aqui. A lei é a favor do nascimento do feto. Se ele vai nascer morto? Pouco importa. O importante é que nasça.

00h00min01seg do dia 12 de abril de 2012

Dia em que foi aprovada a legalização e descriminalização do aborto em caso de anencefalia. Optou-se por zelar pelos direitos da saúde mental e física da mãe, acima propriamente dos direitos do nascituro, que neste caso, teria chances remotas de viver.

Ademais é possível analisar esse caso sobre a ótica de Pierre Bourdieu. Ele defende que existe uma luta simbólica no meio do direito, uma luta de sentidos interpretativos. Essa luta se dá entre doutrinadores e operadores. Os primeiros, que são os juristas, levam o direito para o lado da teoria pura que ordena um sistema autônomo e autossuficiente enquanto que os segundos, os juízes, estariam mais atentos às aplicações do direito que poderiam ser feitas em situações concretas. Bourdieu afirma que “os magistrados [...] tendem a assegurar a função de adaptação ao real num sistema que, entregue só a professores, correria o risco de se fechar na rigidez de um rigorismo racional”. Pela ótica racional, os doutrinadores poderiam entender conflitantemente a legalização do aborto nos casos de anencefalia como uma ofensa aos direitos do nascituro, presentes no Código Civil. Os operadores, por outro lado, são capazes de observar as demandas práticas que os casos fazem da lei, e no caso do aborto de anencéfalos há ainda uma justificativa científica para a permissão disso, no que tange tanto à possibilidade de vida do feto, quanto aos prejuízos causados a uma mulher e à uma família por ter que gerar/prezar por um ser que não terá uma vida, apenas uma existência. Assim, num texto jurídico estaria presente um jogo de lutas já que a depender de quem o lesse faria esta pessoa uma apropriação de uma força simbólica que estaria presente no texto somente em estado potencial. Por isso a necessidade de uma interpretação com visão mais ampla de situações evitáveis caso o aborto no referido caso fosse legalizado em diversos âmbitos da vida dos indivíduos envolvidos. O magistrado, assim, optou por prezar pela vida da mulher, a vida saudável mental e psicológica em detrimento da vida do nascituro, que biologicamente não teria chances altas de ter uma vida, mas sim uma existência. A dinâmica do direito, que consiste na lógica positiva da ciência somada com a lógica normativa da moral concorrem juntas no campo do direito e a essas lógicas é imposta a necessidade de se interpretar uma situação lógica e ética, como afirma Bourdieu. O direito ao aborto de fetos anencéfalos concedidos às mães, veio tarde, a discussão foi adiada por tempos, mas enfim, foi considerada em um aspecto amplo pelo magistrado.

Heloísa Guerra Rodrigues da Silva - 1ºano - Diurno

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