segunda-feira, 29 de agosto de 2022

ADPF 54, Direito e Bordieu

    A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54) realizada no ano de 2012 buscou julgar a constitucionalidade do aborto em casos de anencefalia. Como se sabe, até 2012, a interrupção da gravidez no Brasil só era permitido em casos específicos em que a vida da gestante corre sério risco ou em casos de estupro. Entretanto, com o crescimento dos debates e emancipação dos movimentos feministas buscou-se ampliar o direito da mulher de realizar o aborto, como por exemplo, quando o feto é acometido por anencefalia, doença que impede a formação integral do cérebro ou crânio do feto e portanto, há impossibilidade de vida por mais de poucas horas em 99% dos casos.

    Adiante, é preciso expor os argumentos favoráveis à realização da interrupção em questão. Diante disso é evidente que a mulher passará por um processo doloroso, sabendo que terá que passar meses com o feto na barriga, criando uma afetividade que não poderá ser prolongada, gerando dor e sofrimento. Por fim, por diversas definições médicas, a morte real se dá através de morte encefálica (completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro) atestada por dois médicos, sendo assim, se não há formação do cérebro, não é possível a vida.

    Como forma de analisar o caso em questão, podemos recorrer à filosofia de Pierre Bordieu, francês nascido em 1930, e portanto, contemporâneo às demandas sociais mais recentes. Bordieu afirma que para que uma regra seja eficaz em uma determinada sociedade, essa sociedade deverá ser passível de recebê-la e aplicá-la, ou seja, deverá fazer parte do "Espaço dos Possíveis". Sendo assim, a aprovação da norma que possibilita a interrupção da gravidez deve ser pautada nas mais diversas características da sociedade. E para tanto, Bordieu no leva a outro conceito, o de "campos".

    Para o filósofo francês, existem vários campos na sociedade, como por exemplo, o Campo Médico, o Campo Jurídico, campos estes que dentre muitos outros que acabam por envolver a aprovação de uma norma como a em questão, sendo que, caso estejam de acordo, podem favorecer a implementação da lei por estar dentro do campo dos possíveis.

    Ao analisarmos o Campo Médico, fica evidente um consenso de que o caso analisado é procedente. Pois, como já salientado, a medicina define a morte real como encefálica, e portanto, como não há formação do cérebro que consiga exercer suas funções, não é possível haver morte, e consequentemente, se algo não pode morrer é porque ele não está vivo. Por conseguinte, o campo médico reconhece os prejuízos que a gestação de um feto anencefálico pode ocasionar na mulher: como o feto não consegue exercer boa parte de suas funções vitais há um acúmulo de líquido amniótico na gestante, podendo gerar hemorragia, deslocamento de placenta, desequilíbrios hormonais e até mesmo a morte.

    Consoante ao campo analisado, destaca-se o Campo Jurídico, que deve estar de acordo com a constitucionalidade do caso para que a norma possa ser aprovada e colocada em prática. Neste campo, as normas pré-existentes, jurisprudências e necessidades são os pilares para julgar a possibilidade. Portanto, desde 1940 o aborto é criminalizado pela Código Penal, entretanto, deixa claro que quando há risco para a gestante, não se deve punir o médico que realiza o procedimento, diante disso, é possível concluir que a anencefalia do feto traz riscos à integridade física da mulher e deste modo, verifica-se a possibilidade da realização do aborto nestes casos.

    Diante do que foi exposto, é possível afirmar que de acordo com a ideia de "Espaço dos Possíveis" de Pierre Bordieu, é plenamente possível a legalização do aborto nos casos de anencefalia do feto pois no Brasil, diversos campos convergem para a necessidade de tal feito.




Lorenzo Pedra Marchezi - Direito - 1º Ano - Noturno

A ADPF 54 aos olhos de Bourdieu

 Num contexto atual vemos diversos meios se interligando dentro da política, a democracia possibilita que diversas pessoas de gênero, origem e idades se candidatem e tomem decisões representando todo o povo.Deste modo,com tantas visões é de se esperar um alto conflito a cada lei descrita e votada e com a ADPF 54 não seria diferente.

Permitido a interrupção da gravidez da mulher em caso de feto anencéfalo um avanço considerável aos direitos reprodutivos e autonomia da mulher, numa visão do sociólogo Bordieu podem ser visto como a forma sistêmica que o meio jurídico se desenvolve. Os diversos fatores e valores influenciam nas decisões polemicas tomadas pelo judiciário, num "espaço dos possíveis" as duas vertentes do direito a vida e o direito da mulher batalham, a corte procura se manter neutra em suas decisões e procura justiça entre valores.

Bourdieu dependendo de como sua teoria for posicionada na análise da ADPF 54 pode defender ambos os lados ,de modo que sua teria explica toda a dinâmica envolvida na tomada das decisões.



Fernanda Tiemi, direito matutino 1 ano

ANÁLISE DA ADPF 54 SOB A PERSPECTIVA DO “ESPAÇO DOS POSSÍVEIS”

  Há décadas no Brasil se é discutido temas relacionados ao aborto, infelizmente esse assunto ainda é carregado de muitos estigmas, tabus e concepções arcaicas. Sabemos que no Brasil o aborto é considerado criime tipificado nos artigos 124°,125° e 126° do Código Penas e possui duas exceções, o aborto é legal salvo se em condições de estupro e ou situações que oferecam risco de vida para a gestante. Dessa forma, em 2012, foi julgado no STF a ADPF 54 , processo que visa que em caso de fetos anencefálos, ou seja,  que não sobreviveriam a vida extrauterina, a não ser em estado vegetativo, a ação não seja considerada como aborto, e que so ocorra tendo em vista a vontade expressa da mãe.

  Os principais conflitos de interesses variam entre aspectos dos direitos fundamentais do homem, onde se conflitam a dignidade da mulher, sua liberdade individual, integridade física, moral e psíquica versus o direito à vida,  garantido desde a concepção do feto, a vida é protegida em todos seus aspectos pela nossa Constituição, não dando a ninguém o direito de tirar uma vida, este é um direito inviolável e indisponível, ou seja, não podemos dispor deste direito. Para usufruir dos direitos humanos fundamentais é necessário a vida, por isto esta é protegida integralmente, uma proteção plena, onde até mesmo os abortos legais, são tidos por inconstitucionais.Assim, verificada a impossibilidade de vida, poderia a lei autorizar a interrupção da gestação, pois são meses onde a mulher acompanha os avanços de sua gestação, o amor e o apego ao bebê fica cada vez maior, a gravidez aflora sua sensibilidade, assim é uma gravidez normal, o que se transforma em uma grande dor quando a mulher toma ciência da condição de seu bebê.

   A teoria de Bourdieu  propõe compreender a percepção e a representação de mundo dos agentes classificados como possuidores de capital simbólico depreciado pela cultura dominante legítima. O espaço dos próprios agentes estigmatizados configura o espaço dos possíveis, porém, incongruentes ou impossíveis de superação dos conflitos implícitos nas diferentes visões e confrontos dos agentes sociais que coabitam em condições de miséria.Ademias, o espaço dos possíveis também pode ser entendido como juridizição, ou racionalidade júridica, que cerca as noções de limites e desfechos possíveis para os conflitos.No caso, o conflito entre liberar ou não o aborto no caso de anencefalia, no qual diferenciam os lados entre aqueles que não são a favor do processo, alegando que o Brasil não está preparado para realizar tal mudança e outro que acredita que tal decisão já deveria ter sido tomada anos atrás. 

   Além disso, a racionalização do direito pode ser observada na tentativa de se resolver tal conflito por via estritamente dos princípios jurídicos através da imparcialidade dos agentes envolvidos, no caso da ADPF 54 é possível analisar pelas três correntes de perspectiva, a primeira delas é do Lewandowski, que defende o direito à vida do nascituro, em segundo lugar temos Barroso referindo-se aos direitos reprodutivos das mulheres e por último Marco Aurélio como defensor dos direitos fundamentais garantidos às mulheres.

   Por fim, cabe ressaltar que a ADPF foi proposta em 2004 ao STF e apenas 8 anos depois ela foi julgada e teve seu resultado positivo. Porém, a demora no sistema judiciário ainda representa uma grande barreira para se construir uma política efetiva e de resultados mais rápidos, afinal quantas mulheres não se lesionaram seja mental ou fisicamente durante esses 8 anos? As mulheres precisam ser notadas e suas dores precisam ser levadas com seriedade.Enquanto a maioria dos agentes judiciais forem conservadores os espaços dos possíveis e o poder simbólico, nunca estarão nas mãos do povo.  


Thais Maria Rosario , Direito Noturno, 2° Semestre.

A abordagem de Bourdieu sobre os anencéfalos

    A ADPF 54 está relacionada a gravidez em caso de feto anencéfalo e sua interrupção, isto é, quando o feto pode nascer com algum defeito no tubo cerebral, podendo nascer com cérebro não desenvolvido ou com o crânio incompleto. Dessa forma, um bebê que nasça com anencefalia pode ser considerado natimorto ou sobreviver por pouquíssimas horas após o nascimento.  Logo, cabe o indagamento em questão de onde a vida de fato começa.

    Vale ressalta a aflição e angustia pela qual a mãe passa durante seu período de gestação e pós parto ao já saber que seu filho poderá nascer e morrer em poucas horas, além do risco de passar por um parto com dificuldades. Contudo, mesmo com esse conjunto de dados, ainda há pessoas que vão contra a legalização da interrupção da gravidez, é notório que aqueles que defendem a não legalização usam de argumentos machistas e conservadores.

    A partir de uma análise sobre o aborto de acordo com Pierre Bourdieu, entende-se que decisões jurídicas não não devem ser concretizadas baseadas em ideias dominantes, ou seja, usando poder simbólico. Assim, o direito se constitui de um fato da realidade. Logo, o direito deve assim se afastar do instrumentalismo, isto é, não deve estar apenas de um lado, de apenas um grupo com poder.

    Em síntese, o direito se molda conforme as mudanças e necessidades sociais, e é evidente que uma sociedade conservadora influencia nas questões que se tratam sobre os direitos das mulheres, e embora felizmente o aborto em caso anencéfalos seja legalizado no Brasil atualmente, há muitas outras conquistas em muitos outros campos apresentados por Bourdieu que a mulher ainda deixa de obter por questões moralistas. Isso leva a uma reflexão sobre como a moral e a racionalidade podem entrar em conflito.


1º ano de Direito - Isis Lara Bento Schiavom

 

ADPF segundo a ótica de Bordieu.

 

Segundo a ótica de Pierre Bordieu “o espaço dos possíveis”, o qual possui a sua acepção pautada no âmbito jurídico, este que possui a função de mediar os interesses dos grupos dominantes dos grupos dominados. Se mostrou evidente na decisão tomada pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a qual autorizou a interrupção da gravidez nos casos de anencefalia.

Ademais essa decisão também é orientada pela ótica positivista, no que diz respeito ao embasamento dessa decisão, pois segundo os atuantes da área da saúde isso implicaria em uma possível complicação na gravidez. Além dos traumas físicos, essa comorbidade pode desenvolver um trauma psicológico permanente para a gestante.

Pedro Paulo de Souza.

Período: Noturno.

A evolução do "espaço dos possíveis"

A ADPF 54, enquanto julgado que determina a legalidade do aborto em casos de fetos anencéfalos, se mostra uma grande representação da evolução do “espaço dos possíveis” que traz Pierre Bourdieu em seu texto “O Poder Simbólico”.

Assim, compreender a mulher como um ser que existe por si e não apenas a fim de procriar é uma ideia que, ainda hoje, não é totalmente aceita e estabelecida. Ao ver diversos casos, como de crianças estupradas que têm seu direito ao aborto violado, entende-se que a vida da mulher é a vida priorizada somente em raríssimos casos. Dessa maneira, inova o STF ao aceitar o argumento que afirma a analogia à tortura em casos que se compele uma mulher a manter uma gestação que não irá gerar uma vida, como a de fetos anencéfalos.

Como bem exposto pelo Dr. Mário Ghisi em audiência da ADPF 54: “É constrangedora a ideia de outrem decidir por mim, no extremo do meu sofrimento, por valores que não adoto. É constrangedor para os direitos humanos que o Estado se imiscua no âmago da intimidade do lar para decretar-lhes condutas que torturam.”. Imaginar criminalizar uma mulher nessa situação é, de fato, desumano; esperar que se gere uma vida, sem poder atribuí-la um nome, uma ideia de futuro, jeitos e manias, é indubitavelmente manter essa mulher em um estado de tortura psicológica profunda, por meses.

Entender que a gestação não é o que mais necessita de proteção quando tantos outros direitos fundamentais são atacados, é entender a mulher como um ser humano que merece, por exemplo, o seu direito à dignidade. Assim, percebe-se que esse “espaço dos possíveis” se expandiu ao compreender a necessária separação de valores religiosos e morais da racionalidade que deveria ser característica primária do Direito. Por mais que isso possa ser visto como evolução, é necessário que se mantenha a atenção quanto à atuação das classes dominantes, que manipulam o dito “espaço dos possíveis” de acordo com seus “habitus”, sua criação opressora e exploradora, que sempre tenderá a manter os espaços de poder.

 Patrícia André, 1° ano de Direito - noturno 

 


ADPF 54 e os direitos femininos

             A ADPF 54 versa a respeito da interrupção terapêutica da gestação em casos de fetos anencéfalos. Tal malformação fetal, impede o desenvolvimento completo do tubo neural, bem como o cérebro e o cerebelo deste, fazendo com que a criança tenha uma sobrevida limitada à  horas.

Apesar dessa conquista de liberdade de escolha por parte das mulheres, certos grupos veem como retrocesso, pois defendem radicalmente a pretensa vida do anencéfalo. 

É nessa dialética de ideias, entre os que creem na autonomia das mulheres na decisão da interrupção da gravidez em fetos anencéfalos e aqueles que defendem universalmente o feto, independentemente das circunstâncias que dá ensejo a essa discussão.

Para que se melhor contextualize tal questão, faz-se necessário trazer à tona um pensador e sociólogo de envergadura: Pierre Bordieu. Esse, discorre sobre “o espaço dos possíveis”, cujo significado alicerça-se no âmbito jurídico como um todo, ou seja, trata-se de  tudo aquilo que seria coerente e cabível para o Direito e que se  incorpora a ele, e representa o território entre a razão e a moral. Tal relação, é determinada de acordo com uma lógica própria, em que a decisão e suas consequências são uma expressão do poder simbólico e são o reflexo das forças exteriores ao Direito. Em ambos os casos, há a lógica positiva, validada pelas ciências, e a movida pela moral, a qual está inerentemente ligada à preservação da vida fetal. 

Sendo assim, vê-se que a decisão da interrupção da gravidez em certos casos, deu ao universo feminino direitos que outrora não eram reconhecidos, permitindo melhor autonomia às mulheres que foram historicamente negligenciadas pela Codificação jurídica, e que estão em processo de emancipação do jugo da sociedade, a qual se vale da imperiosa lógica normativa da moral, mesmo que essa, se veja abalada pungentemente, na contemporaneidade, pela lógica científica.

Rienzzi K C P Morais

1 ano- Direito Matutino


PIERRE BOURDIEU DESCE AO STF

          O tema em questão é a legalidade da interrupção da gestação da mulher de feto anencéfalo, tendo em vista seus direitos sexuais e reprodutivos, além, é claro, do seu direito à saúde, autodeterminação e dignidade. Neste sentido, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 de 12 de abril de 2012, ou seja, os Ministros acordaram na inconstitucionalidade da interpretação do aborto de fetos sem viabilidade de sobrevivência à luz dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. No entanto, como tal problemática, embora agora com decisão favorável da Suprema Corte, é complexa, observa-se a imprescindibilidade de a analisar com base no pensamento de Bourdieu.

          Em primeiro lugar, o confronto presente na lide em questão é aquele entre conservadorismo e liberalismo dos costumes, isto é, reacionarismo por parte de uma parcela majoritariamente marcada pela religiosidade e reconhecimento de direitos femininos tão arduamente conquistados pelo feminismo, respectivamente. Segundo o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a configuração do “espaço dos possíveis” é estabelecida pelo raciocínio jurídico dos textos do campo que marcam os limites e as saídas admissíveis para conflitos; a título de ilustração, o CP tipifica o aborto praticado pela gestante ou com o consentimento desta e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (até o julgamento do Supremo só era permitida a interrupção da gravidez resultante de estupro ou quando a vida da mãe corre perigo), porém, desde o final da década de 80, alvarás autorizantes de abortos de bebês com malformação parcial ou total do cérebro passaram a ser concedidos por magistrados tupiniquins. Os doutrinadores de Direito Penal concordam com tal tendência, prova cabal disso é Cezar Roberto Bitencourt que afirma que “No atual estágio, a Medicina tem condições de definir com absoluta certeza e precisão eventual anomalia do feto e, consequentemente, a inviabilidade de vida extrauterina. Nessas condições, é perfeitamente defensável a orientação do Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal, que autoriza o aborto quando o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais, ampliando a abrangência do aborto eugênico ou piedoso.” (2022, p. 125). Mediante o exposto, clara é a divergência entre grupos específicos da comunidade social: um acredita que o Brasil não está pronto para conceber o aborto de fetos anencefálicos e outro acredita que já passou da hora desta previsão legal tornar-se hegemônica.

          Em segundo plano, a racionalização do Direito, melhor dizendo, a tentativa de se resolver o caso por meio de somente concatenações de princípios jurídicos, com o objetivo de se alcançar a maior imparcialidade possível dos juízes, mostra-se em três etapas do processo: na tese do Advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), Luís Roberto Barroso, no voto contrário do Ministro Ricardo Lewandowski e na solução do caso representada pelo voto do Relator Marco Aurélio. Barroso invoca os direitos reprodutivos da mulher, Lewandowski, o direito à vida do nascituro, enquanto Marco Aurélio relembra a todos o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Depois disso, só resta situar a norma no tempo e no espaço, em outras palavras, historicizá-la. Talvez em 2012, oito anos depois da ADPF ter sido impetrada no Supremo, realmente a decisão do Tribunal em “ratificar” o aborto de fetos sem viabilidade de vida fosse um grande passo em um País marcadamente conservador, porém, depois de uma década, o mundo apresenta-se mais uma vez desfavorável aos direitos reprodutivos das mulheres (revogação de Roe v. Wade pela Suprema Corte nos EUA, como exemplo), é por isso que o STF deve novamente cumprir seu papel de guardião da Constituição de 1988, onde a igualdade de direitos é consagrada, e guiar o continente rumo a uma nova etapa de proteção de prerrogativas jurídicas que será “personificada” na garantia irrestrita do direito ao aborto.

Aluno: Thiago Ozan Cuglieri

Curso/Semestre/Período: Direito/Segundo/Noturno

     Em uma de suas obras mais marcantes, "O Poder Simbólico", Bourdieu reflete acerca de conceitos como Habitus, capital, campo e o espaço dos possíveis, utilizando-os para explicar o meio jurídico e suas estruturações, enquanto se relaciona a outros meios e se modifica conforme suas relações de poder internas. Seus estudos servem para a compreensão de casos jurídicos até os dias atuais. 

    Exemplificando, em uma análise da ADPF 54, a qual trata da interrupção da gestação de um feto com anencefalia, é possível perceber o conflito entre os campos científico e da moral, enquanto se entremeiam ao campo jurídico. Por um lado, o campo científico, guiado pela lógica positiva, argumentando que o feto nasceria já sem vida, além de causar danos psicológicos para a mãe, e por outro, um campo regido pela moral e pela religião, marcados com um conservadorismo histórico, defendendo a vida do feto, mesmo que dure apenas alguns dias. 

    O primeiro grupo indica um habitus mais progressista, ou seja, um conjunto de repertórios que associa capitais (poderes) simbólicos, sociais, econômicos e culturais em prol da defesa da dignidade e da saúde da mulher gestante, enquanto o segundo possui um habitus mais conservador. A conexão entre os dois campos cria um espaço dos possíveis, por onde o Direito consegue permear a fim de encerrar o embate. 

    O STF aprovou o aborto em casos de anencefalia, demonstrando se importar com a heterogeneidade da sociedade, mesmo sendo composto pelo que se supõe ser um grupo com grande poder simbólico, um grupo dominante, agindo a favor de uma minoria. Assim, nota-se a importância dos estudos de Bourdieu para entender o campo jurídico e a sociedade até atualmente.

     

Quando se inicia a vida? - Uma análise da ADPF 54 à luz de Bourdieu.

     Primordialmente, peço licença ao meu leitor para tornar essa dissertação um pouco mais pessoal. Dessa forma, inicio meu texto realizando uma indagação um tanto quanto polêmica, a qual abre brechas para uma série de respostas: Quando se inicia a vida? 

     As prováveis centenas de diferentes respostas, segundo Bourdieu são reflexos do habitus de cada um, ou seja, todos possuímos uma matriz cultural que nos influencia fortemente a tomar determinas escolhas ou posicionamentos, matriz essa que está relacionada com a condição de classe e com os diversos campos que os indivíduos pertencem e conhecem ao decorrer do tempo. A questão se faz ainda mais complexa quando não há um posicionamento científico unânime e concreto, desse modo, os posicionamentos se tornam cada vez mais embasados no senso comum e em preceitos morais e religiosos. 

    Caro leitor, sem dúvida nenhuma não serei eu que darei a resposta para uma pergunta tão complexa, entretanto, apesar de não conseguir definir precisamente em que momento se inicia a vida, carrego comigo uma certeza indubitável- a mulher que é obrigada a manter a gestação de um feto que não possuí possibilidade de vida acaba morrendo. Não afirmo isso por conta dos riscos físicos dessa gestação os quais são evidenciados e comprovados pela ciência, digo também no aspecto mental, toda mulher que passa por uma situação como essa forçadamente, acaba por morrer um pouco por dentro e por “matar” aos poucos sua saúde mental. Ser mulher é morrer um pouquinho diariamente, seja por grupos dominantes decidindo sobre nosso próprio corpo, pelo assédio, pela discriminação ou pelas séries de injustiças enfrentadas. 

    Nesse viés, o STF em 2012 acabou por julgar a ADPF 54, a qual buscava descriminalizar e trazer o direito da mulher de interromper a gravidez de fetos anencefálicos. A decisão não foi unanime, mas possuiu a maioria favorável sob o argumento de que seria uma medida necessária para proteger a genitora dos riscos da gravidez, sejam eles físicos ou psicológicos, além de que se faz necessário proteger o direito da mulher a dignidade humana em detrimento do “direito a vida” do feto, uma vez que, de acordo com o Ministro Luiz Barroso, não há um consenso na jurisprudência a respeito de quando se inicia a vida, porém, há um marco do que é considerado morte e um feto nessas condições não possuí nenhuma chance de vida, sobrevivendo por no máximo minutos após a gestação, dessa forma, a interrupção da gravidez não pode ser considerada como aborto. Por fim o ministro Luiz Fux(2012) ainda complementa: 

"Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta de um cérebro descarta completamente qualquer possibilidade de haver consciência. [...] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura”. 

    Entretanto, conforme citado acima a decisão não foi baseada em opiniões somente favoráveis e dividiu opiniões na época assim como continua dividindo na atualidade. A razão da demora para que um direito básico fosse concedido e para que mesmo assim fosse visto como subversivo, imoral e cruel para muitos, decorre do fato de que na maior parte das vezes o campo social é carregado pelo conservadorismo, pela religiosidade e por preceitos machistas que acabam por invadir e influenciar o campo jurídico, o qual não é um mecanismo isolado e que depende apenas das normas. Bourdieu ainda vai além na sua análise e cita o Espaço social para exemplificar tal situação, segundo ele há uma série de campos, o jurídico, social, científico, artístico e político, os quais se influenciam na maior parte das vezes e possuem entes ou instituições que dominam e que possuem o poder simbólico constituindo uma relação antagônica de dominador sob dominado. Nesse julgado, o dominado, através das lutas sociais (e não pela bondade e compaixão do dominador) conseguiu se sobrepor, fazendo com que o espaço dos possíveis fosse ampliado, garantido mais direitos para uma demanda necessária e urgente. 

    Por fim, Bourdieu afirma com convicção que o Direito deve evitar o instrumentalismo, de forma que ele represente as questões sociais de todas as classes e não apenas daqueles que detém o poder simbólico e, felizmente, a decisão do STF foi certeira nesse ponto ao identificar a necessidade de deixar questões patriarcais, morais em religiosas em prol do racionalismo, da ciência e do princípio de dignidade humana. Contudo, a luta ainda não acabou e ainda há muito a ser conquistado e aprimorado, nós mulheres mesmo com os avanços conquistados, seguimos morrendo um pouco todos os dias, entretanto renascemos das cinzas como fênix e seguimos lutando pelo que é nosso por direito, seja ele forma ou material, positivado ou não. 



Anny Barbosa- 1º Ano de Direito Noturno.

A dignidade da mulher no campo jurídico e a teoria de Bourdieu

ADPF 54 aborda a interrupção da gravidez em caso de feto anencéfalo, ou seja, quando o feto pode ter alguma anomalia que o impeça de nascer vivo ou que tenha uma morte logo após o parto. O julgado traz o questionamento de onde começa e o que é a vida. Em debate, os campos, aquilo que segundo Bourdieu são os espaços sociais de relação sociais que estão em posições de dominância distintas. Nesse caso, estão em pauta a biologia e o direito, o que deve prevalecer para as decisões nesse sentido? O campo da biologia que define a vida, ou o direito que define a vida como a dignidade da vida humana?  Utilizado dentro do campo do direito são as legislações e doutrinas:

Muito bem. E o Professor Luís Roberto Barroso, fazendo essa associação do artigo 3o da Lei no 9.434/97 entre morte encefálica e cessação da vida humana; diz:

"A morte encefálica, a servir de critério para a legitimação do transplante post mortem de tecidos ou partes do corpo humano”.

(p.262)

Enquanto na biologia e medicina, são utilizados estudos e pesquisas que definem a possibilidade de vida do feto, critérios que perpassam até mesmo as resoluções do Conselho de Medicina.

Não foi por outra razão que o Conselho Federal de Medicina, mediante a Resolução no 1.752/2004, consignou serem os anencéfalos natimortos cerebrais. O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura.

(p.46)

O capital simbólico está nos próprios argumentos dos votos, que segundo a teoria de Pierre Bourdieu seria tudo aquilo que se aplica e adquire-se durante a vida e que consequentemente gerará uma dominância, advém da cultura (argumentos científicos, por exemplo).

Por fim, traz também na ADPF 54 a historicização da norma, ao trazer para um contexto atual a noção de dignidade humana a qual a própria Constituição Federal é formulada. Ao ambientar os artigos dos códigos para justificar a favor da interrupção da gravidez, ele traz a lei para o tempo presente que se ocorre o conflito.




Angela Ramos - Direito Noturno

ADPF 54, e um olhar bourdieusiano.

     Em princípio, cabe explanar alguns dos conceitos do Sociólogo – Pierre Bourdieu – que permitem uma análise sobre a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n° 54.  São eles, o campo; habitus e capital, esses conceitos devem ser pensados como armazenadores de uma “teia, com ramificações”, nesse caso quer dizer que eles se comunicam, e o conjunto, é o que mantem o sentido, devemos entende-los como substâncias do convívio e das relações sociais, mesmo que as pessoas não os conhecem, reproduzem no “viver” e nas condutas enraizadas. Simplificadamente, no campo, um espaço multidimensional no qual atuam forças, assim, criam-se lutas e por meio de poderes estratégicos, um grupo busca legitimar aquilo que representa sua visão de mundo, mas, como explicado anteriormente, os conceitos estão associados, e nessa dinâmica do campo, o meio pelo qual as ações se concretizam, ou, os objetivos são alcançados é pelo capital, um campo único pode englobar e colocar em disputa mais de um, entenda-os além do recurso financeiro, como, conhecimento, posição de poder e conexões pessoais. Enfim, o habitus, influência na característica de algumas ações, e decisões, resultado da complexa operação explicada, em virtude desses conceitos, uma observação aguçada permite reconhece-los e analisar o processo na ADPF 54.

    No exemplo desse julgado pelo Supremo Tribunal Federal, entram em conflito duas vertentes de pensamento, interesses conflituosos entre diferentes grupos, um deles, no limiar do “Espaço dos Possíveis” existente, mas não positivado, o interesse feminino em reestabelecer o bem-estar físico e psíquico, enquanto, na segunda visão possibilitada, estava os indivíduos que acreditavam na primazia do direito à vida – em qualquer situação – a decisão, tornou garantida a interrupção terapêutica da gestação no caso de feto anencefálico, somente para as mulheres que desejassem assim prosseguir, possibilitando o arbítrio para determinar o seu bem-estar, essencialmente, o resultado respeitou o que estava em cheque desde o princípio – o direito feminino de escolha, como um indivíduo autônomo e não apenas um útero a disponibilidade da sociedade, o poder simbólico opositor não foi suficiente para garantir a vontade do grupo, já que, na maior parte dos casos, o feto nascerá morto – segundo o ordenamento brasileiro, a morte é quando o cérebro humano interrompe o funcionamento – contudo, mesmo que em casos excepcionais em que o feto sobreviva horas, ou dias, forçar a mulher a nove meses de gestação em que, estão intrínsecas inúmeras alterações hormonais e corporais, somado com os estudos que apontam para um maior risco para a gestante durante essa gravidez específica, a maior parcela dos ministros decidiram respeitar a vontade da mulher, que por vezes, é demasiadamente questionada. Cabe dizer que, fez-se a justiça para a maior parcela dos interessados, enquanto, nenhum grupo viu-se prejudicado por qualquer injustiça que fosse, mesmo os que atuavam nesse campo, baseados nos princípios religiosos – éticos e morais – pois, a interrupção é permitida, entretanto é opcional a todas as mulheres.

     Dessa forma, independente do partido que tome o analista, esse utilizará a normatividade moral, bem como, a positividade assegurada pelo conhecimento científico, assim, caracteriza-se a racionalização do pensamento e do fazer jurídico, apenas, com os depoimentos médicos, que explicaram e diminuíram as dúvidas sobre o quadro anencefálico, foram capazes, os operadores do direito de decidir, justamente, com o intuito de respeitar os envolvidos, e cumprir a função social solicitada. No abranger do que pensou Bourdieu, a decisão tornou a norma universal, anteriormente existia a possibilidade do respeito aos direitos individuais das mulheres (no contexto ADPF 54) contudo, após o litígio, esse caso passou não só a ser possível, como também adquiriu caráter universal, portanto, a universalização para o sociólogo é concretizar de fato aquilo, assim é determinado o que é a norma e o seu funcionamento, contrariamente ao passado, em que apenas afirmavam o que "deveria ser". 

Rodrigo Zanuto - 1º ano de Direito, período noturno.

A óptica de Pierre Bourdieu na ADPF/54

 A ADPF 54 discorre sobre a interrupção terapêutica da gestação em casos de fetos anencéfalos. Julgada pelo Supremo Tribunal Federal, a arguição com ação ajuizada pela pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde), que visa a defesa da saúde bem como da autonomia da mulher, pode ser estudada e analisada sob a ótica de Pierre Bourdieu, um expoente de suma importância para os estudos do campo jurídico e sua configuração estrutural. 

O conceito de “espaço dos possíveis”, concretizado pelo francês, abrange o âmbito jurídico como um todo; tudo aquilo que seria coerente e cabível para o Direito insere-se nele, e representando o território entre a razão e a moral, há um conflito de percepções sobre tal. No contexto analisado, aqueles contra a ADPF em questão são influenciados, em sua maioria, pela tradição conservadora social e político-jurídica bem como pela teoria concepcionista sobre a origem da vida, visando a proteção da potencial vida do nascituro e a criminalização da gestante que optar pela realização da interrupção voluntária da gravidez, ainda que de forma clandestina, e se sustentam pelo Código Penal brasileiro que nos respectivos artigos 124, 125 e 126 tipifica como crime tal ato. Já aqueles a favor, além de apoiadores da teoria natalista, a qual reconhece a vida após o parto e a primeira respiração, inserem-se como defensores do direito à autonomia da mulher, à liberdade e à dignidade da mesma. 


 A ADPF foi julgada procedente pelo STF por 8 votos a 2 e uma abstenção e permitiu, a partir de então, a interrupção voluntária e terapêutica da gestação nos casos de anencefalia do feto. A decisão contou com argumentações importantes no que concerne à racionalização do direito e de conceitos, uma vez que a concepção de dignidade da pessoa humana, por exemplo, que fora utilizada em primazia para a defesa do nascituro, foi utilizada de forma a favorecer as mulheres e garantir sua autonomia, sendo mobilizada para tal.  Ademais, com tal decisão, instaurou-se a possibilidade de um precedente para a descriminalização do aborto no país, já que foi possibilitado que a mulher, em mais uma situação, possa decidir sobre sua vontade e sobre seu corpo, com a palavra de Gilmar Mendes em seu voto “Não parece tolerável que se imponha à mulher tamanho ônus na falta de um quadro para resolver essa questão”. 


Em conclusão, o direito pode se adequar às mudanças e reivindicações sociais e, como exposto por Bourdieu, deve constituir-se de um fato da realidade e refletir a sociedade em que está inserido. Ainda que haja um caminho a ser percorrido em prol dos direitos das mulheres nesse âmbito, a decisão da ADPF/54 inicia os caminhos para a expansão do espaço dos possíveis a fim de que se obtenha o direito de forma universal. 


Ana Laura Murari Silva 

1o Direito - Matutino 


Bordieu nas sociedades brasileiras

   Pierre Bordieu, nascido na década de 30, foi um sociólogo francês que definiu o conceito de habitus e sintetizou em suas obras a definição de poder e violência simbólica, utilizando de tais termos para expor o funcionamento e a fundamentação social, uma vez que, em sua teoria, todas as pessoas estão sujeitas a perseguir o poder simbólico, ou seja, uma dominação significativa dentro do meio em que o indivíduo está inserido, seja na arte, em sua vida pessoal ou profissional. Para este sociólogo, ao contrário do que muitos pensam, o dinheiro não é a única forma de demonstração hierárquica, pois a relevância do ser, naquilo que ele demonstra fazer, pode ser tratado como uma forma de controle, considerando que o mesmo será respeitado e servirá como exemplo para os demais. 

     Sendo assim, é notório que mesmo na sociedade atual, a suposição da existência de um poder simbólico paira quando se é proposto a pensar na estruturação da mesma. Sendo um exemplo disso, a ADPF 54, norma que não criminaliza a situação de aborto em casos de anencefalia, que apresenta-se inserida dentro do espaço dos possíveis, uma vez que foi legitimada tanto pelas normas jurídicas na época em que foi criada, quanto pelas lutas sociais que abriram o caminho para a questão ser trazida para o debate a respeito das decisões sobre o corpo e a dignidade da mulher gestante. Além disso, pode ser debatida a questão apontada por Bordieu não apenas na criação da norma em si, mas também em sua repercussão, levando em conta que diversas vezes, no Brasil, ao exercer o direito do aborto nesse sentido, as mulheres foram ofendidas e injustiçadas por defensores do conservadorismo, que baseados em seus habitus, ou seja, aquilo que os influencia e que está intrínseco em suas ações, tentam exercer uma violência simbólica e trazer o direito para o seu favor. 

     Sobre o direito, Pierre Bordieu afirma que o mesmo deve evitar o instrumentalismo, ou seja, colocar a criação da norma como um mero "instrumento" na mão de classes mais favorecidas e propor a disparidade social entre seus habitantes, fator este, que é solicitado diversas vezes e já citado, verificando que as classes mais conservadoras, não sendo a favor da ADPF 54, impõem que a lei trabalhe em prol de suas próprias convicções morais e religiosas, ainda que isso não ocorra e não possa ocorrer. Dessa forma, a evitação do instrumentalismo surge como uma forte defesa dos direitos da mulher, onde a dignidade para a mesma deve prevalecer, tanto em consideração às suas condições físicas quanto psicológicas ao gerar o feto.

       Em vista disso, é possível reconhecer que a estrutura das sociedades brasileiras possuem grande relação com a teoria de Bordieu, se encaixando em diversos aspectos da área do sociólogo e se apresentando como parte da luta simbólica exposta pelo mesmo, não deixando de legitimar tal criação da lei e analisando ainda, a resposta que a mesma recebe em inúmeros âmbitos dentro das sociedades brasileiras.

Maria Cecília da Silva Mateus, 1° ano de direito, noturno

ADPF 54 e racionalidade do campo jurídico

 Pierre Bourdieu é um dos grandes sociólogos do século XX, ele se evidencia por ter atualizado as ideias de autores clássicos como Marx, Weber, Durkheim e Strauss, criando um verdadeiro sistema teórico para interpretar a sociedade. É um dos pensadores mais importantes para a Sociologia e a Antropologia, tratando de temas sobre as desigualdades sociais, a educação e a violência simbólica e a cultura. Dentre eles se encontram o habitus, o campo e o capital, eles podem se definir, respectivamente, como: uma estrutura que molda a sociedade e influencia no ambiente; um local em que se reproduz o habitus, espaço de atuação do indivíduo; aspectos contribuintes para as divergências e desigualdades no corpo social. O campo jurídico é um dos campos existentes que é determinado por um campo com alguma independência de pressões externas, seguindo seu próprio raciocínio pautado pela racionalidade. 

Neste momento é possível utilizar a ADPF 54 como exemplo, que aprovou o aborto em casos de feto anencefálico. Porém este documento provocou divergências de opiniões se concentrando em dois grandes grupos que, por conta do meio onde estão inseridos e das estruturas que moldaram esse meio (o campo e o habitus), trazem visões diferentes sobre a decisão. Uma delas, o lado que apoia a aprovação do aborto nesses casos, revela os danos causados a mulher ao ser forçada a perseverar por uma gestação que não será capaz de gerar um indivíduo com potencial de vida por mais de um ano, acarretando sofrimento para a mãe e para o resto da família. Já no grupo contrário a essa aprovação, é possível enxergar que as influências religiosas os inclinam a pensar que abortar o feto anencéfalo seria o mesmo de assassinar alguém, pois para eles a vida se inicia a partir da concepção. Logo, para resolver esse dilema foi utilizado o campo jurídico para se basear em fatos e se manter racional, sem se deixar levar por crenças religiosas ou populares. Sendo assim, a decisão foi positiva para este caso de aborto pois só dessa forma poderia manter os direitos essenciais da mulher.


Giovanna Cayres Ramos 

Direito noturno 

A ADPF 54 sob a perspectiva de Bourdieu

A ADPF 54 sob a perspectiva de Bourdieu


Em 2012, foi julgada como procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54), que concede às gestantes de fetos anencéfalos a permissão de interrupção da gravidez. Essa condição médica congênita, a Anencefalia, acontece a partir de uma malformação do tubo neural, que faz com que o cérebro e o cerebelo do feto não se desenvolvam ou se desenvolvam parcialmente e com que, após o nascimento, a criança não sobreviva por muitas horas. 

Nesse sentido, considerou-se, durante o julgamento, a questão dos Direitos Fundamentais da mulher, concedendo-lhe o direito de escolha de não se submeter a uma gravidez inoportuna, em que o filho não possui condições favoráveis de sobrevivência, e então, a decisão do tribunal se deu por maioria e nos termos do voto do Relator, e julgou-se procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II do Código Penal.

No entanto, em oposição ao reconhecimento dos direitos à autonomia, dignidade e liberdade femininas quanto à decisão da interrupção da gravidez, certos grupos defendem que qualquer vida humana, mesmo que sem esperanças de qualidade ou extensão de vida, deve ser preservada. Esse conflito de perspectivas sobre a questão julgada na ADPF 54, sob a ótica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, pode ser englobada pela percepção que se tem sobre o espaço dos possíveis. Pode-se fazer essa relação pois, dentro do campo jurídico, esse conflito é determinado de acordo com uma lógica própria, em que a decisão e suas consequências são uma expressão do poder simbólico e, mesmo que não aparente, são reflexo de relações de forças externas ao próprio Direito, pois regula a concorrência de, de um lado, a lógica positiva da ciência, marcada pela possibilidade de escolha da interrupção da gravidez, e da lógica normativa da moral, que defende a preservação da vida fetal a qualquer custo.

Dessa forma, fica evidente que a ADPF 54 foi levantada para que se reconhecesse uma necessidade simultaneamente lógica e ética, o que foi conquistado com sua decisão de procedência e consequente possibilidade de decisão de interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Assim, a concessão de tal permissão de interromper foi universalizante e reconheceu o direito feminino de autonomia, escolha e liberdade dentro desse contexto, com a reinterpretação normativa e representação da luta simbólica feminina no campo jurídico a partir da conquista realizada no julgamento do STF. 

  

Luiza Polo Rosario - 1º ano matutino