terça-feira, 19 de junho de 2018

De fantoche a ventríloquo


O dilema do direito e sua postura perante a sociedade é um dos maiores questionamentos do meio jurídico e social hodierno. Entender o viés da ciência jurídica consiste na utilização de filtros ideológicos que preestabelecem visões muitas vezes deturpadas da realidade. No entanto, surge Boaventura de Sousa Santos com uma acepção técnica que possibilita uma concepção menos tendenciosa acerca dos valores do direito no suceder das décadas. Aliado a este expoente da sociologia do direito, tem-se a questão indígena (e outras minorias brasileiras) e a representatividade de Sonia Guajajara no poder executivo.
O artigo 231 da Constituição Cidadã positivou a luta indígena pela demarcação de terras, visto que é nesta norma que se tem o direito à terra desse povo. Auxiliado pelo direito, a conquista indígena permitiu uma nova concepção do âmbito cultural, pois o intuito não seria a adaptação da cultura nativa aos costumes brasileiros – senão existente por muitos séculos no Brasil -, mas sim uma acepção plural de valores que permitiria o intercambio de hábitos. Porém, não foi esse o cenário analisado no decorrer das décadas posteriores a 1988. Na quadra atual, a esperança no passado instalada demonstra-se um simples disfarce de um poderio maior e, por sua vez, o direito simplesmente faz-se fantoche desta força.
Boaventura define o direito em dois estágios: o reconfigurativo e o configurativo. O primeiro, protagonista das lutas sociais do século passado, faz-se contra hegemônico, ou seja, questionador e, o segundo, representante da atualidade, demonstra-se como uma expressão mantedora do status quo. Assim, a conquista que se tornou pesar no âmbito da luta indígena foi consumida nessa transição, pois hoje, a exemplo, a PEC 215 possui o intuito de transferir a demarcação das terras indígenas para do executivo para o legislativo, institucionalizando o controle de uma decisão progressista na mão de conservadores detentores de interesses individualistas. O Direito que no passado funcionou como instrumento criador de vertentes progressistas foi dominado pelo poder hegemônico e passou a funcionar como mero justificador da sistemática atual, ou seja, configurativo. Somado a este agravo, a valoração da realidade também expressa-se controlada por interesses alheios ao coletivismo. Dessa forma, alterar a realidade a partir de questionamentos não se mostra esperançosa, visto que o instrumento (direito) tornou-se alienado pela elite e a vontade (cultura e política) estão enrijecidas nos alicerces do status quo.
No entanto, o mestre do pensamento sociológico jurídico traz uma possível luz para um cenário tão sombrio. Boaventura revela que sua crença no direito reconstitutivo ainda se revela existente. A principal mobilização para tornar o direito e, consequentemente, a justiça em algo progressivo consiste na pressão “de baixo para cima” no cenário político e social. Assim, pessoas como Sonia Guajajara, a primeira vice-presidente de origem indígena, mostram resquícios de um folego a muito tempo perdido que, por questionar a realidade considerada única, pode introduzir a “pressão” mencionada que, de forma incisiva, altera a cultura valorativa e inviabiliza a transformação do direito em sombras de uma elite. Em suma, a partir de um direito reconfigurativo pode-se usar esta ciência como criadora de instrumentos progressistas que inviabilizarão projetos como a PEC 215 e manterão, neste caso, a cultura indígena.

Direito - Turma XXXV - Diurno

Grupo: Carolina Ribeiro, Luiza Romero, Luca Gajevic, Maria Eduarda Martins, Mariana Cruz, Matheus Faria e Tainah Gasparotto

Decisão judicial entre o espaço dos possíveis

     O campo jurídico, de acordo com Pierre Bourdieu, é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, e é exatamente isso que se percebe em todos os processos que correm na Justiça. Sendo assim, o julgado sobre interrupção da gestação de anencefálicos não apresenta nada novo ou diferente disso. Isto significa que, até o momento do veredito, houve uma luta constante, com armas simbólicas, entre os operadores do direito para decidir quem possui maior competência.
     No entanto, essa luta simbólica não é perceptível, uma vez que o trabalho contínuo de racionalização faz com que o sistema de normas jurídicas apareça aos que o impõe e aos que estão sujeitos a ele, como totalmente independente das relações de força que ele sanciona e consagra. Aliás, o resultado desse trabalho são os efeitos de neutralização e universalização, que travestem as decisões judiciais de racionalidade, ética e, desse modo, de universalidade. Portanto, as resoluções jurídicas nunca aparecem como consequências do poder simbólico, mas sim uma visão geral, que deve ser reconhecida por uma necessidade simultaneamente lógica e ética.
     Vale ressaltar ainda que o veredito é o resultado de uma luta simbólica, de maneira que os profissionais envolvidos na discussão, mobilizam suas armas simbólicas disponíveis, para fazer triunfar a sua causa. Ou seja, a todo instante se vê os implicados no processo usando recursos, como a lei, doutrinas, argumentos de especialistas no assunto, como formas de fazer prevalecer o seu ponto de vista. Pois, ao “vencer” sua visão de mundo, ele se distingue dos demais, que não puderam sobrepor seus pressupostos.
     Por fim, a decisão do STF de permitir a interrupção da gestação de anencefálicos trata-se de um efeito simbólico do direito, o de oficialização, que, segundo Bourdieu, consiste no “reconhecimento público de normalidade que torna dizível, pensável, confessável uma conduta até então considerada tabu”. Assim o campo jurídico, à medida que sofre influências do meio externo, modifica a realidade de acordo com o que considera legítimo a cada tempo, colocando em prática sua racionalização. Dessa forma, o direito oculta as relações de forças simbólicas que compõem sua estrutura.

Débora Cristina dos Santos – 1º ano, Direito, Turma XXXV, Noturno

Uma análise da ADPF 54 à luz de Pierre Bourdieu

Pierre Bourdieu iminente sociólogo, Francês, do século XX traz em seu livro ``O Poder Simbólico´´ diversos conceitos acerca das estruturas do direito e da conduta de seus operadores. Nesse sentido, com o intuito de elucidar tais conceitos, é valido trazer à tona a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54.Tal ADPF não descriminaliza o aborto, bem como não cria nenhuma exceção ao ato criminoso previsto no Código Penal Brasileiro, a ADPF 54 decidiu, porém, que não deve ser considerado como aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto anencéfalo.Dessa forma, o presente texto propõe-se a fazer uma análise da ADPF 54 e das falas do eminente juiz Luiz Roberto Barroso à luz dos conceitos de Pierre Bourdieu.

Em primeiro lugar, é valido destacar, como bem argumenta Luis Roberto Barroso, o significativo avanço que essa decisão representa para as mulheres: ''A condição feminina atravessou muitas gerações em busca de igualdade e reconhecimento de seus direitos fundamentais [...] liberdade sexual e direitos reprodutivos [...] o direito que a mulher tem de não ser um útero à disposição da sociedade, mas uma pessoa plena na sua liberdade de ser, de pesar e de escolher''. Essa argumentação é embasada, principalmente,no princípio da dignidade da pessoa humana e na distinção entre aborto e antecipação terapêutica. A dignidade da pessoa humana, de maneira simplista, diz respeito à proteção da integridade física e psicológica das pessoas. A distinção entre aborto e antecipação terapêutica ocorre, pois a anencefalia é uma má formação congênita que tem por consequência uma gravidez de risco para a mãe e a formação de fetos sem cérebros sendo, portanto, incompatíveis com a vida extra uterina. O código civil versa sobre o aborto, pois pressupõe a potencialidade de vida extrauterina. Como no caso da anencefalia o feto não tem perspectiva de vida extrauterina o ato não se encaixaria na classificação de aborto, mas sim como interrupção terapêutica. Nesse sentido, o Estado decidir no lugar da gestante à respeito dessa gravidez representaria uma clara violação da autonomia da vontade e liberdade existencial da mulher. Na visão de Bourdieu esse seria um exemplo claro de violência simbólica que a mulher sofreria.Além disso, é possível destacar, também, o espaço dos possíveis.O espaço dos possíveis se enquadra na medida em que o STF limitou-se a discutir  especificamente o ``aborto de anencéfalos´´ e não a descriminalização do aborto o que trouxe legitimidade ao poder jurídico


Em segundo lugar, como, também argumenta Barroso: ''A decisão da ADPF 54, feita a partir da racionalização,dados médicos e estatísticos, reconhece que existe um desacordo moral razoável.Contudo, não é escolher um lado, mas sim assegurar que cada um possa viver a sua convicção, a sua autonomia e seu ideal de vida boa''. A partir da fala de Barroso é possível extrair vários conceitos de  Bourdieu. A autonomia relativa(ilusão de independência) refere-se ao fato do campo do direito anexar e utilizar conceitos de diversos outros campos para embasar as ações dos operadores do direito.No caso em questão foram utilizados conhecimentos da medicina, história e estatística para se chegar a uma conclusão.Vale destacar que toda essa bagagem cultural e teórica, para Bordieu, que o operador do direito dispõe, é denominada Capital ou Recurso Simbólico e esse capital serial usado para ``ganhar´´ o embate pelo direito de dizer o direito.Verifica-se, também, na fala de Barroso o princípio de neutralização e irredutibilidade do direito. A neutralização diz respeito ao fato de não levarmos em consideração aspectos religiosos e morais como fatores determinantes nas decisões de peso social coletivo. Já a irredutibilidade do direto diz que os conhecimentos da área jurídica- lei, analogia, costumes, jurisprudência- devem se sobrepor aos demais, pois o direito não se reduz às convenções sociais.

Em última fala do Barroso a respeito do papel do Judiciário nesse assunto: ''O processo legislativo e político não produziram uma solução. E quando a história emperra é preciso que uma vanguarda iluminista faça que ela avance. E este é o papel que o STF desempenhará no dia de hoje''.É possível destacar nessa fala o trato do direito de evitar o Instrumentalismo - interpretação do Direito somente sob a perspectiva de uma ciência a serviço da classe dominante-, assim como o Formalismo -como um fundamento em si mesmo. Por fim, é possível concluir, pela fala do Barroso, que a ADPF 54 , por meio do direito, alterou o habitus-interpretação própria acerca de um aspecto da realidade- demonstrando, assim, o poder que o direito tem de induzir condutas.


Alexandre Bolzani Morello-XXXV direito noturno

O mecanismo de dominação através do campo jurídico


Para Pierre Bourdieu, as relações de poder no âmbito jurídico ocorrem internamente e externamente: através da luta de competência, ou seja, o direito de dizer o direito e através da eficácia simbólica, que é a influência do campo jurídico em outros campos, respectivamente. Além do denominado “espaço dos possíveis” que é um agrupamento de ideias que tangem a ciência e a moral, sendo assimilado pela sociedade.

Hodiernamente, é concebível no espaço dos possíveis a ideia acerca do aborto em casos de anencefalia. Malgrado a sociedade não considere a possibilidade, por vezes, interpelando a conduta da mulher em relação a isso, empoderando-se através de um discurso irracional ou formal; a religião como pressuposto e a moral social, afim de legitimar o discurso proferido. Todavia, Bourdieu define o campo como forma de legitimação da hermenêutica, mesmo que tendenciosa, ora pois, o campo jurídico é “lugar de relações complexas que obedece a uma lógica relativamente autônoma, e o campo do poder e, por meio dele, o campo social no seu conjunto. ” (BOURDIEU, 1989, p. 241).

Entretanto, na ADPF-54, fica visível o posicionamento da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em relação à legalização do aborto de anencéfalos, onde utiliza-se do direito como codificação jurídica de seus interesses, assim como a CNTS, que traz a sua hermenêutica utilizando-se da ciência.

É perceptível, portanto, que o direito é a batalha sem fim dos operadores para a conquista do direito de dizer o direito e, sem dúvidas, obter a eficiência simbólica sobre as questões advindas da sociedade e em conjunto dela.


O DIREITO OCUPADO, INSTRUMENTO DE LUTA
Boaventura retoma um tema que foi mencionado pela matéria de Introdução a Sociologia do Direito no começo do ano, a ocupação do direito para fins de luta social. Boaventura menciona com frequência diversos movimentos sociais com objetivos diferentes, mas semelhantes, classificando os movimentos contemporâneos como os “novíssimos movimentos sociais”, o movimento dos indignados como chama Boaventura. Estes seriam aqueles que são conscientes da injustiça e visam a retomada da democracia, contestando o domínio social pelas classes no poder.
       Estes movimentos são mais radicais que anteriores, em seus fundamentos, e procuram transformação de forma mais ativa, não através de inclusão ou integração nas políticas já existentes, pois estas são inefetivas fora de sua teoria, mas sim desafiar a soberania das estruturas estatais existentes de maneira a evitar a perpetuação destas através de meras reinvindicações de direitos formais. Afinal, como se refere Boaventura, com o fascismo social existente, no qual apesar do Estado ser formalmente democrático este produz comportamentos e medidas opressivas ou que não provocam progresso, sendo socialmente fascista, não há maneira de mudar o funcionamento da sociedade através de lutas sociais sem que estas tomem o poder.
       No referente a tomada de poder, entra a questão da ocupação do direito, esta que se propõe a causar uma alteração definitiva nas estruturas do estado. De acordo com Boaventura, a ocupação apenas do direito é inútil, pois este quando deixado por si só não consegue constituir instrumento de mudança, ele está diretamente ligado a ideia de instituição e a permanência da ordem do estado moderno. O direito é um instrumento que atua como perpetuador quando tratado de maneira isolada, por isso é necessário que a política seja ocupada antes, porque o que a política altera e busca será consolidado pelo direito. A ocupação da ambas as instituições pelos grupos que visam a luta permitiria uma nova hermenêutica do direito.
       Dessa forma, um exemplo prático no Brasil desta luta, no caso pelo movimento indígena, é a Sônia Guajajara. Ela que em sua palestra já deixou claro suas intenções de mudança se entrar em seu almejado cargo político. Este seria um exemplo do que Boaventura classifica como um “novíssimo movimento social”, que recusa medidas dadas pelo governo remanescente do colonialismo, de maneira a exercer sua própria cultura da maneira desejada, desafiando o modo de ver eurocêntrico do estado.
O ativismo de Sônia pretende ocupar a parte que falta para que sejam consolidados os direitos fundamentais da minoria que esta representa, a política. Para assim o direito se transformar em um instrumento emancipatório, neste caso, dos povos indígenas, de maneira a buscar igualdade e independência.

Grupo: Brianda Invernizzi, Giovanna Gugelmin, Maria Eduarda Paschoim de Oliveira, Matheus Cattini Bueno – Turma XXXV de Direito Diruno

A OCUPAÇÃO DO DIREITO EM CASOS CONCRETOS E A ATUAÇÃO DAS MINORIAS


           O direito começa a adquirir um aspecto emancipatório à medida que deixa de ter seu uso majoritariamente feito pela classe dominante. Indubitavelmente essa perda do seu espaço de domínio não agradou, ainda que em pequenas proporções, os interesses da elite, que se fez contrária ao processo chamado de “judicialização” em favor da conservação das estruturas jurídicas já existentes e não admitindo a competência do poder judiciário para trazer à tona questões pertinentes atualmente.
            Desde muito cedo o caminho para se chegar ao direito esteve, quando não fechado, cheio de obstáculos que impediam a classe menos favorecida de ocupar esse espaço e trazer junto consigo as demandas que a classe presente num patamar mais alto da sociedade é incapaz de escutar.
            Entretanto, de acordo com Boaventura de Sousa Santos, o Direito e o sistema judicial não estão impunes às lutas sociais. Quando utilizados pelos excluídos e oprimidos, o acesso à justiça pode ser parte importante de “revolução democrática da justiça”. Para que isso aconteça, é necessário que os grupos se organizem em movimentos sociais e tracem estratégias jurídicas.
            A presença, por exemplo, de uma representante das minorias no âmbito político, como a da candidata a vice-presidência Sônia Guajajara, líder indígena, é de extrema importância para as novas mudanças estruturais. Mostra a inserção progressiva dos grupos oprimidos e excluídos no direito e na política, que antes nada podiam fazer para alcançar as mudanças.
            Não obstante, além da luta desses grupos por novas leis e medidas públicas de proteção, há também uma grande demanda pelo cumprimento das leis já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, mas que, favoravelmente à elite, caíram no esquecimento; pratica muito comum no território nacional no que tange leis de garantias sociais. Como exemplo podemos citar as diversas ações requisitadas pelos indígenas, por meio do judiciário, para que seja reconhecida as terras demarcadas pela FUNAI. Logo, segundo Boaventura, “o judiciário representa um papel importante, e neste momento é o local privilegiado das lutas pela afirmação dos princípios de diversidade cultural e acesso à justiça”.
            Portanto, o acesso à justiça e ao Direito é um processo fundamental para as transformações sociais. O Direito reflete a sociedade e seus conflitos, reconhecendo a possibilidade e o espaço para mudança que, precipuamente, deve vir da articulação jurídica e política fortalecida com estratégias inovadoras.


IAGO GASPARINO FERNANDES
JOÃO PEDRO DE MATOS SILVA
LETÍCIA DOS SANTOS ARCO DE PANI
LUÍS AUGUSTO PELEGRINI PUPO
MURILO SALVATTI MARANGONI
PEDRO HENRIQUE DINAT LABONE SILVA
YANNICK NOAH FERREIRA SILVERIO

DIREITO DIURNO

Guajajara, Boaventura e os movimentos sociais


Sabemos que ao parar para analisar as nações que se dizem possuidoras de um Estado de direito, com acesso a justiça na realidade, majoritariamente estão infectadas por um Direito que privilegia as elites dominantes, e trabalha a favor destas de modo a manter assim a configuração social. As políticas têm feito pouco ou nada para reduzir a desigualdade.
Para Boaventura de Sousa Santos, a mudança social é alcançada promovendo a operabilidade de um sistema judicial eficiente, eficaz, justo e independente. O autor, sofre uma mudança em seus pensamentos, visto que, em um primeiro momento, influenciado pelos diversos movimentos da década de 60/70, como a luta por uma carga menor de trabalho, ampliação do Estado de Bem estar social e ampliação da inserção de determinados grupos, sente uma maior esperança no que ele chama de direito reconfigurativo, o qual seria a invenção de um direito não hegemônico.
Em um segundo momento, entretanto, baseado nos movimentos de 2011-2013, possui uma perspectiva mais negativa do direito, perdendo um pouco a esperança na sua capacidade de se transformar em instrumento das massas populares. Para ele, nessa nova época falta uma maior reinterpretação, ou seja a possibilidade de uma hermenêutica nova, e sem essa pulsação política de enxergar o problema se torna inviável que a população mobilize o direito.
Levando agora em consideração a palestra de Sonia Guajajara, ela cita diversos exemplos que poderiam exemplificar o pessimismo de Boaventura, pois tivemos recentemente muitos retrocessos como a nova CLT, que infringiu vários direitos trabalhistas já previamente conquistados; além disso podemos citar a emenda de congelamento de gastos públicos.
O autor também fala sobre a necessidade de mobilização social, nesse sentido é seguro afirmar que existem duas vertentes quanto a isso. Na palestra, Sonia Guajajara cita como os ativistas ambientas e de direitos humanos são marginalizados e mortos, ressaltando ainda que os estados em que isso mais acontece são Pará e Maranhão, evidenciando portanto que além da dificuldade em mobilizar a população, aqueles mobilizados passam por muitas dificuldades. Por outro lado, não podemos negligenciar que passamos por algumas mudanças positivas nas ultimas décadas, como por exemplo a drástica mudança entre o código civil de 1916, o qual era individualista e oligárquico , para o código atual, que reconhece a função social da propriedade, ou ainda a instauração das cotas raciais nas universidades públicas no país.
Assim , vemos que o direito de fato ainda é majoritariamente instrumento da elite, mas é notável que através das pressões sociais é possível que este mude, portanto, precisamos nos mobilizar sempre que possível frente as injustiças sócias, buscando sempre um direito mais igualitário.

Jordana Martins Perussi
Lucas de Araujo Ferreira Costa
Jorge Pompeu de Souza Neto
Ádrio Luiz Rossin Fonseca 
Henrique de Mendonça Carbonezi

O curso do Direito está em nossas mãos


      Há uma narrativa dominante que parte do pressuposto de que se vive em um período de mudanças, a começar pela globalização e a consequente flexibilização em todos os âmbitos, devido ao surgimento da nova ordem mundial, às inovações tecnológicas na organização do trabalho bem como na organização social. Porém, deve-se enxergar que o que realmente está acontecendo é uma mudança de período. Nesse sentido, é essencial reconhecer esse momento de ruptura histórica e deixar pra trás os entraves paradigmáticos ao desenvolvimento social, a fim de que a finalidade das transformações de agora sejam proveitosas na construção de um futuro próximo. Desse modo, deixar no passado esses ranços emblemáticos envolve também abandonar esse Direito retrógrado, o qual opõe-se a essa nova proposta de um futuro emancipatório e condizente com o avanço social. Assim, deve-se admitir que o curso do Direito, bem como o da história, está em nossas mãos.
      A priori, a forma com que se deu a pavimentação do Direito tanto na teoria quanto na prática do corpo social, constituiu-se como meio representativo da elite e de suas respectivas vontades. Dessa forma, a perpetuação desse viés promoveu um afastamento do sistema jurídico perante a camada popular, possibilitando a reprodução de injustiças na realidade social. A prova de que crenças como essas se enraízam intensamente na sociedade, é o que ocorreu no processo histórico brasileiro após a abolição da escravatura, em que a ideia de que os brancos eram maioria disseminou-se pelo país, fortalecendo o poder dessa classe, fazendo com que eles preenchessem os postos de trabalho, em grande escala, o que marginalizou a parcela negra da população, que em verdade constitui a maioria.
      Em contrapartida, devido às mudanças da ruptura histórica em que se vive, é notório que o Direito apropria-se de uma nova essência, tornando-se meio de ocupação social como instrumento emancipatório. Sendo justamente essa posição que a sociedade deve perpetuar e lutar a favor. Diante disso, Boaventura de Sousa Santos pontua que a mudança social é alcançada promovendo a operacionalidade de um sistema judicial eficiente, eficaz, justo e independente. Assim, essa perspectiva será parte importante da “revolução democrática da justiça”, proposta pelo autor, voltada à democratização do estado e da sociedade, ao passo em que esse novo processo histórico vai se efetivando.
      Condizente com essa proposta, em similar situação que tange uma temática do Direito Tartuce dispõe da citação de Lotufo: "[...] foi à liberdade dada ao contratante que levou o fraco a ser submetido ao forte, de onde veio a frase de Lacordaire, dizendo que entre o fraco e o forte a liberdade escraviza e a lei liberta" e é exatamente essa postura de libertação que o Direito, utilizando do seu aparato legislativo, deve se vestir e promover esse novo curso para o Direito. 

Texto relacionando a palestra de 14 de junho com Boaventura de Sousa Santos:
Alice Oliveira Silva  

Cainan Fessel Zanardo
Caio Alves da Cruz Gomes
Gabriel Reis e Silva 
João Marcelo Bovo
Maria Gabriela Bonfim Alcantara
Pedro Henrique Kishi
Turma XXXV, Direito- Noturno.


A questão sociológica acerca do aborto de anencéfalos

O avanço moral e ético da sociedade induzem o aprimoramento dos movimentos e das lutas sociais em qualquer meio, principalmente em relação aos assuntos que antes nem se quer eram debatidos, seja por meios sociais ou jurídicos. No presente, uma das maiores discussões existentes é a relacionada à constitucionalidade do aborto de anencéfalos, caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2012. Aborda-se, neste texto, este julgado, relacionando-o as teses do sociólogo Pierre Félix Bourdieu. 

Bourdieu chamaria de "direito de fazer direito" esta imposição de ideais ao judiciário feita tanto pelos pró-aborto de anencéfalos quanto pelos que possuem a opinião contrária a essa em questão. Ademais, o sociólogo crê que o Direito em si é o resultado do equilíbrio entre o técnico e o a realidade social. Para mais, é indispensável que a decisão do jurista sobre o julgado considere este segundo aspecto, a chamada realidade social, para assim equilibrar seu julgamento e o tornar justo. Portanto, na visão de Bourdieu, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi certeira, pois amparou-se na realidade social do assunto, fugindo do perfil estático da lei positivada.

Relaciona-se, também, o conceito de "violência simbólica" ao julgado discutido. Bourdieu elaborou esta formulação para descrever uma violência que foge do campo da coação física, agindo, especificamente, na moral e na saúde psicológica do indivíduo. Pode-se relacionar ao ADPF 54 no que diz respeito ao fato de impedir uma mulher de abortar, expressando sua vontade, o feto anencéfalo, forçando-a a carregar um bebê sem expectativa de vida, o que pode resultar diversos problemas em sua saúde psicológica.

Bourdieu, portanto, discorre acerca de diversas questões que interligam Direito e realidade social. A partir de sua teoria, entende-se o motivo pelo qual o aborto de anencéfalos deve ser legalizado, tanto em pro da sociedade como um todo quanto em defesa da integridade e do poder de decisão de uma mãe que supostamente carregaria um indivíduo sem expectativa de vida em seu ventre. 


A estruturação construtivista reflexiva do direito: poder e abrangência na vida

As incorporações ativas de elementos assinalados pelas fundamentações do estruturalismo construtivista enunciam a superação de modelos vinculados à esterilização da complexidade a qual considera-se no corpo social. A condição, quando vista em um prisma objetivista, poderia designar-se, até mesmo a demarcar elementos ou estruturas de sistemas sociais, a um viés simplista, paralelamente a projetar-se, em uma abordagem prática-estrutural da realidade, como forma de um universo conflituoso, dinâmico e envoltório. A vista de uma intersecção entre os agentes envolvidos na sociedade, tange necessária a conforme posição da ciência jurídica como um campo irredutível, porém essencial ao Estado e seu funcionamento. 

São visíveis, às consequências da ativação constitucional brasileira, a política e o seu sentido figurador em parte do judiciário. A base limitante a qual encontram-se as ações reproduzidas em sociedade é o direito, afirmando sua disposição determinadamente plural cujas "práticas e os discursos [...] são, com efeito, produto do funcionamento de um campo cuja lógica específica está duplamente determinada: por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas" (BOURDIEU, p, 211). O campo jurídico, entretanto, não é hermético a apenas julgar ou garantir direitos aos cidadãos; sua resolução afirma um aformoseamento específico, uma concepção própria gerativa e praxiológica de suas forças. Trata-se, portanto, útil a compreensão do campo e das forças do direito para revestir as finalidades sociais e evitar um reducionismo apenas funcional seja através da atribuição economicista instrumental do direito ou tornar absolutas as leituras internas do direito. 

A dimensão conceitual bourdieusiana operacionaliza no contexto social uma expansão neste confronto sistemático dentro dos campos. Para analisar um enquadramento exemplificado na abrangência articulada da vivência, a reinterpretação do direito e da instrumentação sociológica serve-se para discutir orientações teóricas de casos como o aborto de anencéfalos, percebido entre o contexto da dignidade da pessoa humana e do universo social sucedido em campos. Em razão das conquistas de posições materiais e simbólicas no campo jurídico e judicial, explicita-se primeiramente útil o desenvolvimento de uma precisão quanto à força do direito e a significação deste mesmo campo. 

Dentre vários, todos campos abordam-se em um senso comum, generalizações ou nomos que os governam. Assegura-se ainda, quanto à teoria expressiva do exercício em um campo indeterminado, a parte de conflitos, os quais evidenciam-se ou não através da violência simbólica, isto é, a dominação de uns e a cumplicidade de outrem em meio a conformidades complexas. Refletem-se, portanto, na vida social, os interesses de campo e suas especificidades mediante à utilização do habitus, capital e violência simbólica. 

De certo modo, compete-se novamente ao esclarecimento da abrangência de situações e casos na sociedade contemporânea, como ao caso da ADPF 54. A arguição que envolve a interrupção terapêutica da gestação de um feto anencéfalo, quando vista em seu teor completo, envolve três significações distintas e complexas entre si internamente e externamente; de modo primeiro, as composições conferidas pela lei, as quais discutem-se perante princípios fundamentais, os quais enraízam-se nas delimitações possíveis da sociedade; em segundo, tem-se as determinações da própria saúde, discute-se noções quanto ao reconhecimento de fetos anencéfalos, a possibilidade de vida extrauterina, argumentos os quais inclusive conflitam-se em suas conclusões e estruturam o domínio para decisões diferentes; por último, mas não menos relevante, puramente a sociedade, em pertinência a designar o papel feminino das gestantes, e sua moral, isto é, as noções que formam-se do corpo e a ética própria dos primeiros esboços de uma emancipação propriamente subjetiva, no sentido de direitos e da liberdade. 

À guisa de integrar o campo jurídico, diz-se que as decisões previstas ao judiciário brasileiro envolvem as elementaridades do campo jurídico. Processos linguísticos exercem, portanto, grandes investidas em dizer o direito, estreitando a postura e a consagração de corpus reiteradamente interpretados pelos juristas. Assim afirmando Bourdieu: "Esta retórica da autonomia, da neutralidade e da universalidade, que pode ser o princípio de uma autonomia real dos pensamentos e das práticas, está longe de ser uma simples máscara ideológica[...] aquilo que se chama de 'o espírito jurídico' ou 'o sentido jurídico' e que constitui o verdadeiro direito de entrada no campo( evidentemente, com uma mestria mínima dos meios jurídicos acumulados pelas sucessivas gerações, quer dizer, do corpus de textos canônicos e do modo de pensamento, de expressão e de ação, em que ele se reproduz e o que o reproduz) consiste precisamente nessa postura universalizante" (BOURDIEU, p. 216). Observa-se novamente nas decisões do STF são elaboradas em palavra da lei concernentemente ao campo jurídico: a própria utilização do termo interrupção em detrimento do termo aborto, articula a não descriminalização do mesmo. A retórica é, portanto, objetiva e busca efeito de neutralização, convergindo em recursos de fala e consensos éticos presentes no corpus. 

Há uma luta simbólica em representar os recursos e mobilizar as desigualdades capitais em qualquer campo, representando igualmente ao direito uma adaptação às circunstâncias de apenas uma busca emblemática da impessoalidade. O triunfo destas desigualdades de forças as quais encontram-se no campo, instrumentalizam o irmanamento hermenêutico correspondente da historicização das normas. Afirmando: "A interpretação opera a historicização da norma, adaptando as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidades inéditas, deixando de lado o que está ultrapassado ou o que é caduco" (BOURDIEU, 223). Deste modo e retornando ao caso da ADPF 54, o Código Civil, ao iniciar a personalidade civil a partir do nascimento e pôr a salvo, através da lei, os direitos do nascituro (Art. 2º, CC), verticaliza a amplitude da interpretação acerca do feto após o seu nascimento; abre-se à prática a ação histórica na análise da norma e o exercício de forças cabíveis de mudanças. A defrontação histórica, todavia, é limitada pelo uso de poderes e forças desiguais. Trata-se da instituição do monopólio, a qual neutraliza e distancia a utilização do direito da ambiguidade externalista e internalista, ressaltadas no início do texto. A adaptar, puramente externalistas seriam os complexos anseios sociais, para o marxismo, por exemplo, intrínsecos às definições instrumentais econômicas. 

A resposta final em conferência externa, em natureza permissiva, acerca da interrupção da gestação de fetos constrói-se no âmbito de estruturas já estabelecidas ao mesmo tempo que atua em sua força de produzir efeitos e institui-los em nomos. Por este poder, Bourdieu vincula a nomeação, afirmando: "O direito é, sem dúvida, a forma por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em particular, os grupos; ele confere a estas realidades surgidas das suas operações de classificação toda a permanência, a das coisas, que uma instituição histórica é capaz de conferir a instituições históricas [...] é a forma por excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas a condição de se não esquecer que ele é feito por este" (BOURDIEU, p. 237). Compreende-se, em distinções alternantes do próprio direito quanto a sua realidade social, uma força que atravessa seu próprio campo e impõe-se em uma estruturação geral. Ainda assim, assegura-se o autor que não trata-se de um ato proveniente de hermetismo, cuja tendência alienante é apenas a dominação, mas sim que, por meio de sua universalização, atinge-se a manutenção e o funcionamento das lógicas expressivas no espaço social. 

Referências:

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. [Capítulo VIII – "A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico", p. 209-254]


Marco Antonio Raimondi
Direito Noturno - XXXV

Epistemologia da Plutocracia

Boaventura de Sousa e Santos em seu livro "As bifurcações da Ordem", mais precisamente no capítulo 7 "Para a teoria sociojurídica da indignação" faz uma análise crítica da atual conjuntura política, tratando dos protestos, os quais ele chama de protestos da Indignação, de 2011 a 2013, como a Primavera Árabe, Occupy nos EUA e os protestos "Não é por 20 centavos" do Brasil. Além disso, engendra também a respeito do direito atual e sua dualidade, entre os 99% e 1% da população.

Pareceu-me de grande similaridade, compara-lo com a palestra acerca do capitalismo hodierno ministrada por Marcio Porchmann, pois ambos observam que o mundo contemporâneo é administrado, na verdade, pelas grandes corporações e pelo mercado financeiro, quebrando a ideia generalizada de Estado representando o Poder.

O Brasil se encontra, nesse contexto, para ambos, em uma posição neocolonial, por conta de seu capitalismo tardio e da atual submissão ostensiva, motivada pelo governo Temer, em relação aos EUA. Nesse contexto, afirma Marcio que o Brasil tem um governo de classe, não de coalizão, concordando mais uma vez com Boaventura que diz que os protestos são resultado da indignação perante a demasiada desigualdade social que assola não só o Brasil, como o mundo.

Outra reflexão interessante de Boaventura paira na discussão sobre a bifurcação que o Direito faz quando se refere aos 99% mais pobres e o 1% mais rico. O direito dos 99% é composto pela violência e burocracia, quando os do 1% é feito pela retórica. O correto seria que todo o Direito fosse composto pela tríade, para compor a discussão(retórica); organização (burocracia) e coação (violência), mas ele se mostra completamente arbitrário quando pune pequenos roubos, uso de drogas como tráfico ou criminaliza protestos sociais, porém se isenta dos grandes casos de corrupção empresariais.

Ambos discutem também sobre o desfalecimento da democracia na atualidade. Para Boaventura, vive-se uma democracia na política, mas um fascismo na sociedade, produzido por ela própria, a qual os indignados querem lutar contra, não sendo, portanto, somente em desacordo com o governo. Além disso, vive-se atualmente a completa descrença nas instituições, em virtude da corrupção, da falta de representatividade e legitimidade. Nesse aspecto, Marcio constrói a ideia de que não existe democracia sem instituições que a ponham em prática, portanto conclui que a democracia está em processo de mudança.

Sabido que então, o mundo é governado por um pequeno número de pessoas que detêm uma grande quantidade de dinheiro, dando-lhes poder, conclui-se, portanto, que vivemos, com o avanço do capitalismo financeiro, uma plutocracia, a qual Boaventura e Marcio traduzem com a epistemologia desse novo contexto de sociedade.


Texto referente a relação entre a palestra e Boaventura. Do grupo composto por: Júlia Kleine Mollica, Sabrina David dos Santos; Júlia Marçal; Jaqueline Calixto e Thiago Checheto

Para permitir a doação de órgãos, o conceito de morte humana foi evoluindo através da história. Hoje definimos a morte a partir da morte cerebral, isto é, a parada do funcionamento do cérebro humano. Equivalente, muitos intelectuais questionam se não devêssemos adotar o mesmo critério para quando se trata do início da vida.
Há muito tempo se discute no Brasil a polêmica decorrente do fato de que o aborto ser proibido constituindo crime previsto nos artigos 124 e 126 do Código Penal, porém a lei permite tal ação em dois casos, quando a gestação apresenta risco de vida para a gestante e gravidez resultante de estupro. Não está prevista na norma brasileira a realização de aborto de feto portador de alguma anomalia que restringe a vida deste, como é o caso dos fetos anencefálicos, o que obriga as mulheres a manter a gestação ou buscar autorização judicial para interrompê-la sem risco de punição penal, tanto a gestante quanto ao médico. Contudo, nos últimos anos, há uma concessão maior de autorização de aborto para casos de anencefalia.
            Motivado pelo Código Penal atual que não autoriza o aborto em caso de anencefalia do feto, hoje, mulheres que deseja interromper a gravidez precisam recorrer individualmente a autorização judicial, no entanto, essas mulheres não têm garantias de obter a autorização, pois esta depende da interpretação que o juiz ou promotor fará de cada caso específico.
         O direito à saúde é um dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição da Federação brasileira. A mulher que se encontra gestante de um feto anencefálico acaba por estar num quadro de saúde debilitado, pois a gestante se vê diante da impossibilidade de interromper uma gestação frustrada, aonde 100% dos casos de pessoa natural que vem a nascer nessas condições acaba por vir a óbito minutos depois do nascimento, se não quando fazem parte da estatística de que 65% dos fetos morrem ainda durante o desenvolvimento embrionário. Negar a mulher gestante o direito de aborto é um desrespeito à saúde e integridade física e psicológica da mulher.  
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, diz sobre o caso Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de número 54:
"Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina."
Essa conjuntura de exigência judicial para o aborto de fetos anencefálicos é ainda mais preocupando para as mulheres que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), no qual o controle do procedimento é maior, pois é sabido que esse procedimento acontece clandestinamente nas clinicas particulares do Brasil.  
Portanto, o Estado que detém o monopólio da violência simbólica legítima, podendo desse modo constituir realidades e, o direito como regulador da sociedade, tem poder de construir a própria sociedade e seus campos de atuação. Sendo assim, é relevante que o Direito e o Estado analisem os casos de aborto de anencéfalos com olhar atual para esses casos, pois em 1940, ano em que o nosso atual Código Penal foi promulgado não havia meios técnicos para constatar a má-formação de um feto, sendo tal situação impensável ao legislador da época. 

AKYSA SANTANA - NOTURNO - TURMA XXXV

O Direito na análise de Bourdieu


Com o avanço dos movimentos sociais e a necessidade de discussão sobre determinados assuntos – que antes eram deixados de lado nas pautas jurídicas – é que, atualmente, existem casos como o da ADPF 54. Ele aborda a constitucionalidade da interrupção da gravidez quando o feto é anencéfalo, ou seja, não tem nenhuma perspectiva de vida após o nascimento.

Ambas as partes, a favor e contra a legalização desse aborto específico, podem se encaixar no que Pierre Bourdieu chama de “direito de dizer o direito”, já que procuram impor seus ideais ao judiciário. Além disse, ele acredita que o direito é um fruto do equilíbrio entre técnico e decente, logo, é necessário que a decisão leve em consideração a realidade social, para que o jurista consiga ter um julgamento equilibrado entre o Direito em si, a técnica, e a realidade social. Assim, a decisão do STF de descriminalizar o aborto de anencéfalos é, segundo Bourdieu, válida, já que não foca em uma visão positivada da lei e leva em consideração todos os aspectos sociais acerca do assunto. Isso é mostrado na seguinte passagem de seu livro “O Poder Simbólico”: “(...) os magistrados, por meio da sua prática, que os põe diretamente perante a gestão dos conflitos e uma procura jurídica incessantemente renovada, tendem a assegurar a função de adaptação ao real num sistema que, entregue só a professores, correria o risco de se fechar na rigidez de um rigorismo racional.”.

Outro conceito elaborado pelo sociólogo é a violência simbólica, que é caracterizada como uma violência sem coação física, mas causando danos morais e psicológicos. Isso pode ser relacionado com o julgado pelo fato de que, ao impedir que uma mulher exerça seu desejo de abortar o feto anencéfalo – seja por uma lei positivada ou apenas pela pressão social –, está sendo direcionada a ela uma violência psicológica, já que ela tem a consciência de estar carregando um bebê sem perspectiva de vida e isso pode causar sérios problemas na sua mentalidade.

Com isso, podemos perceber que Pierre Bourdieu analisava conceitos que interligavam o Direito e a sociedade, discorrendo sobre os aspectos de dominação que ele exerce em diversos campos da sociedade através de seu “capital simbólico” – seus recursos específicos –, usado para inseri-lo na realidade social e descriminalizar o aborto de fetos anencéfalos.


Marcella Medolago - noturno.

Mais do que espaço dos possíveis, espaço dos conflitos.


No dia 17 de junho de 2004, formaliza-se a ADPF 54, requerida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde. Sob a relatoria do Min. Marco Aurélio, o STF julgou-a procedente. Neste sentido, ver-se uma decisão com interferência nas decisões dos indivíduos em nível intimíssimo ser tomada por alguns poucos, é demonstração clara daquilo que Pierre Bourdieu chama de instalação de um espaço judicial. Nele, são separados os preparados, dos despreparados.
Um aspecto que evidencia tal separação aparece logo na primeira página do inteiro teor da arguição: “O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões.” São alienados da decisão então, os que motivam-se pelos dogmas morais religiosos, os quais poderiam interferir em decisões como esta. Pela instituição do monopólio daqueles que podem atuar no sistema jurídico, busca o direito oferecer a neutralidade máxima na produção do seu seu serviço.
Esse hermetismo, configurado pelo distanciamento entre leigos e os que detém o monopólio e a força de impor decisões, limita-se, no entanto, pelo que Pierre Bourdieu chama de espaço dos possíveis, onde perpetua-se o conflito entre a razão e a moral, representadas pela ciência - nesse caso representada pelos requerentes; e pelas crenças.
Diante disso, para Bourdieu o texto jurídico é espaço de conquistas e lutas sociais, podendo ser - como o foi - acionado pela pressão do tecido social. Ganha então a universalização do direito pela decisão do STF.
João Marcelo Bovo, direito, noturno XXV

Lógica científica e moral

   Desde a concepção do jusnaturalismo, passando pelo positivismo, e as demais filosofias do pensamento jurídico, sempre existiu a preocupação de definir as bases de um Direito justo, a fim de alcançar o máximo bem estar de uma comunidade. Segundo o pensamento de Pierre Bourdieu, tal estado pode ser atingido a partir da renegação de fundamentos como o instrumentalismo e o formalismo pela jurisprudência. O sociólogo argumenta que o Direito como ciência não pode estar a serviço de uma classe dominante, assim como critica a análise de Hans Kelsen, estabelecendo que as ações jurídicas possuem sim influência das pressões sociais. Dessa forma, Bourdieu entende que o Direito engendra dois pontos de vista opostos: a “lógica positiva da ciência” e a “lógica normativa da moral”.
   Como exemplo dessa necessidade simultânea de lógica e ética no âmbito jurídico, é pertinente a discussão do julgamento sobre a ADPF 54.  A ação, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello em 2004, foi julgada apenas 8 anos depois e decidiu que não deve ser considerado como aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez de um feto anencéfalo. Alvo de grande controvérsia e ampla cobertura midiática, o projeto gerou protestos e críticas por parte considerável da população, de maioria religiosa, mas foi aclamada por médicos e feministas, que defendiam o direito de escolha da gestante.
    Consoante às ideias expostas por Luís Roberto Barroso em seu voto, a interrupção da gestação no caso de feto anencefálico não deve ser criminalizada, pois não constitui um aborto de fato segundo a própria legislação do país. O código penal brasileiro, no caso de aborto, pressupõe a existência de vida fora do útero, portanto, como, em 100% dos casos, o feto anencefálico não terá vida extra-uterina, tal situação não consistiria em um crime. Outrossim, o direito local não possui uma definição de quando começa a vida, mas possui uma definição de quando ocorre a morte: a paralisação da atividade cerebral. Assim, partindo do pressuposto de que o cérebro de fetos anencefálicos sequer começa a funcionar, a equiparação dessas situações com verdadeiros casos de aborto seria absurda. Além disso, o ministro argumenta que, ainda que se considerasse aborto, os artigos do código penal não incidiriam por força do principio da dignidade humana, que está no centro dos sistemas jurídicos constitucionais.
    A partir dos citados argumentos de Barroso, ficam claras as noções de direito formuladas por Bourdieu. Analogamente ao pensamento do pensador francês, o ministro do STF associa a lógica científica (determinação médica de que 100% dos casos de anencefalia resultarão em morte) com a lógica moral (dignidade da pessoa humana), determinando que, para fetos anencefálicos, não há vida no sentido técnico ou jurídico. Dessarte, conclui-se que o caso da ADPF 54 mostrou a importância de magistrados como Luís Roberto Barroso, que, nas palavras do próprio sociólogo, “introduzem as mudanças e as inovações indispensáveis à sobrevivência do sistema que os teóricos deverão integrar ao sistema”.

João Manuel Pereira Eça Neves Da Fontoura - Turma XXXV Noturno