terça-feira, 19 de junho de 2018

De fantoche a ventríloquo


O dilema do direito e sua postura perante a sociedade é um dos maiores questionamentos do meio jurídico e social hodierno. Entender o viés da ciência jurídica consiste na utilização de filtros ideológicos que preestabelecem visões muitas vezes deturpadas da realidade. No entanto, surge Boaventura de Sousa Santos com uma acepção técnica que possibilita uma concepção menos tendenciosa acerca dos valores do direito no suceder das décadas. Aliado a este expoente da sociologia do direito, tem-se a questão indígena (e outras minorias brasileiras) e a representatividade de Sonia Guajajara no poder executivo.
O artigo 231 da Constituição Cidadã positivou a luta indígena pela demarcação de terras, visto que é nesta norma que se tem o direito à terra desse povo. Auxiliado pelo direito, a conquista indígena permitiu uma nova concepção do âmbito cultural, pois o intuito não seria a adaptação da cultura nativa aos costumes brasileiros – senão existente por muitos séculos no Brasil -, mas sim uma acepção plural de valores que permitiria o intercambio de hábitos. Porém, não foi esse o cenário analisado no decorrer das décadas posteriores a 1988. Na quadra atual, a esperança no passado instalada demonstra-se um simples disfarce de um poderio maior e, por sua vez, o direito simplesmente faz-se fantoche desta força.
Boaventura define o direito em dois estágios: o reconfigurativo e o configurativo. O primeiro, protagonista das lutas sociais do século passado, faz-se contra hegemônico, ou seja, questionador e, o segundo, representante da atualidade, demonstra-se como uma expressão mantedora do status quo. Assim, a conquista que se tornou pesar no âmbito da luta indígena foi consumida nessa transição, pois hoje, a exemplo, a PEC 215 possui o intuito de transferir a demarcação das terras indígenas para do executivo para o legislativo, institucionalizando o controle de uma decisão progressista na mão de conservadores detentores de interesses individualistas. O Direito que no passado funcionou como instrumento criador de vertentes progressistas foi dominado pelo poder hegemônico e passou a funcionar como mero justificador da sistemática atual, ou seja, configurativo. Somado a este agravo, a valoração da realidade também expressa-se controlada por interesses alheios ao coletivismo. Dessa forma, alterar a realidade a partir de questionamentos não se mostra esperançosa, visto que o instrumento (direito) tornou-se alienado pela elite e a vontade (cultura e política) estão enrijecidas nos alicerces do status quo.
No entanto, o mestre do pensamento sociológico jurídico traz uma possível luz para um cenário tão sombrio. Boaventura revela que sua crença no direito reconstitutivo ainda se revela existente. A principal mobilização para tornar o direito e, consequentemente, a justiça em algo progressivo consiste na pressão “de baixo para cima” no cenário político e social. Assim, pessoas como Sonia Guajajara, a primeira vice-presidente de origem indígena, mostram resquícios de um folego a muito tempo perdido que, por questionar a realidade considerada única, pode introduzir a “pressão” mencionada que, de forma incisiva, altera a cultura valorativa e inviabiliza a transformação do direito em sombras de uma elite. Em suma, a partir de um direito reconfigurativo pode-se usar esta ciência como criadora de instrumentos progressistas que inviabilizarão projetos como a PEC 215 e manterão, neste caso, a cultura indígena.

Direito - Turma XXXV - Diurno

Grupo: Carolina Ribeiro, Luiza Romero, Luca Gajevic, Maria Eduarda Martins, Mariana Cruz, Matheus Faria e Tainah Gasparotto

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