segunda-feira, 31 de outubro de 2022

CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA

O Brasil é o país mais violento do mundo para a comunidade LGBTQIA+ viver, logo dado o histórico de crimes de ódio contra essa população,  julga crimes de homofobia previstos através da Lei do Racismo, até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional. É possível destacar movimentos sociais conservadores e progressistas que trazem ideias opostas, causando um conflito na percepção do "espaço dos possíveis" de acordo com o desenvolvimento da sociedade brasileira e a presença de grupos específicos dentro e fora do Congresso Nacional, como também é possível expressar a racionalização de direitos pelo poder formal na Lei nº 11.340/2006, em seu artigo 2º, que protege todas as mulheres contra a discriminação por orientação sexual. 

O Judiciário deve ter um papel ativo na legislação, com seu fortalecimento como poder. Como propõe Barroso, cabe ao Judiciário decidir os casos e, ao aplicar a Constituição nessas decisões, baseia-se em um texto legislativo construído a partir do poder representativo. Assim, Garapon aborda o indivíduo como sujeito sofredor e frágil, situação inerente à existência da democracia, de modo que a justiça acaba assumindo o papel de guardião desse sujeito marginalizado. Nesse ponto está o artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que coloca como objetivo fundamental da República Federativa promover o bem de todos, sem prejuízo de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outra forma de discriminação.

A Justiça Federal reconheceu o direito de estabelecer união estável para casais do mesmo sexo. A ADI nº 4.277 buscou reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. Segundo McCann, “A mobilização de direitos refere-se às ações de indivíduos, grupos ou organizações que buscam a realização de seus interesses e valores”. Essa ação se dá por meio de determinadas iniciativas como manifestações populares, projetos de lei, decisões judiciais, entre outras. 

O precedente judicial pode influenciar significativamente o aumento relativo do poder de diferentes partes em um conflito prolongado.Assim, a jurisprudência, como historicização da norma prevista por Bourdieu, atua diretamente no contexto atual, influenciando as lutas posteriores. Ademais, a criminalização implica em levantamento de dados, esses que são importantes, pois a partir deles há o poder de planejamento, formulação e implementação de políticas públicas efetivas contra essas violações, permitindo que pessoas LGBTI+ tenham acesso aos direitos mais básicos : a vida.

 A ADO-26 e a mobilização do direito. 

A ADO-26 foi um símbolo, um resultado positivo no tocante as lutas da população LGBTQIA+, concretizando a criminalização da homotransfobia com uma legislação especifica a eles, e ainda garantindo direitos quanto a indenização das vítimas desse tipo de violência e outras nuances. É importante que se ressalte a importância da criação dessa legislação, principalmente pelas configurações ideológicas conservadoras e em certos momentos problemáticas e violentas para com grupos minoritários que fogem do padrão da elite brasileira. 

Abordando essa questão tendo em vista alguns autores, é perceptível a maneira com que o espaço dos possíveis para a criação dessa norma foi um fator determinante, assim como a questão do direito como um fator de mobilização social onde os tribunais devem agir em prol daqueles que carecem de representatividade jurídica, dando a visibilidade merecida aos grupos que lutam incessantemente para uma maior efetivação de seus direitos. 

Anos de lutas e repressões sofridas por esses grupos são fatores determinantes para a decisão tomada pelo tribunal, que atuou conforme o conceito “judicialização’, conferindo a efetivação de direitos a grupos que até o momento sofreram com o silencio da legislação brasileira. A falta de mobilidade do legislativo para atender novas pautas e novas demandas de uma sociedade tão plural e com distintas necessidades formam o cenário onde o judiciário deve atuar. 

Por fim, é necessário que se defenda sim a criação de legislações voltadas ao grupo LGBTQIA+ principalmente se forem levados em consideração o fato de que o direito é uma ferramenta de mudança social que deve abranger a luta de todos, e que julgar a homotransfobia apenas como sendo um fator relacionado e inserido à Lei do Racismo (LEI Nº7.716 DE 05 DE JANEIRO DE 1989), não traria todos os resultados necessários quanto a punição a esse tipo de preconceito, tão grave e ameaçador a vida dessa população. 

ADO 26: uma demanda social

   A ADO 26 concretizou a criminalização da homofobia, visando a aceitação das uniões homoafetivas e consequências jurídicas para quem fosse intolerante. Dessa maneira, busca-se concretizar a Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã, ao honrar que as pessoas não devem sofrer nenhum tipo de discriminação, não importando sua motivação.

  Sob esse viés, cabe destacar a visão do sociólogo Bourdieu, o qual diz que a ciência que estuda o Direito não pode ser pautada pelo instrumentalismo, ou seja, não pode estar sujeito 100% à classe dominante. Desse modo, no espaço dos possíveis, é evidente que terá as influências das demandas sociais. Nesse sentido, na atual sociedade brasileira que é altamente plural, seja no quesito racial ou afetivo, é necessário que haja a criminalização do ato de preconceito contra os LGBTQIA+.

  Partindo para outra abordagem, é possível citar Garapon que vê a judicialização como fenômeno político social, abrindo portas para que os juízes possam interpretar as normas de modo conveniente para o tecido social. Nessa perspectiva, visando o alcance do caráter democrático expresso no texto constitucional vigente, não é viável que demonstrações homofóbicas passem impunes.

  Também é imprescindível citar McCann que analisa a mobilização do direito como estratégia de ação coletiva. Nessa ótica, ressalta-se que a mobilização do direito ocorre quando o povo decide se organizar para pleitear seus direitos. Sendo assim, a sociedade clamava pela criminalização da homofobia e foi atendida pelo Supremo Tribunal Federal. Logo, a luta política é feita pela sociedade e os tribunais são vínculo institucional para permitir que as pessoas tenham suas demandas atendidas e asseguradas de uma forma legal.

  Por conseguinte, pelo supracitado, infere-se que a decisão da ADO 26 foi acertada e pretende extinguir as demonstrações ofensivas à comunidade LGBTQIA+. É evidente que se trata de um processo longo e com vários percalços, mas essa decisão é importantíssima para que a liberdade, inclusive na forma de amar, seja respeitada.

ADO 26/2019 - Uma demanda social

    A ADO (Ação Direta De Inconstitucionalidade Por Omissão) n°26 de 2019 tratou sobre a criminalização da homofobia, por conta de uma omissão por parte do poder Legislativo a respeito desse assunto. O Brasil é um país com um histórico triste e extenso de preconceito e discriminação contra a população LGBTQIAP+, de forma que esse cenário exigiria do poder público uma atenção especial para esse público e para esse tema de preconceito contra essa população, algo que não ocorreu e essa omissão por parte do Legislativo (que seria o poder responsável por deliberar a respeito desse assunto) acabou por causar um dano muito grande contra essa população e contra a sociedade brasileira no geral, e o judiciário, via essa ADO, foi acionado para deliberar a respeito desse tema e acabou por decidir criminalizar a homofobia no Brasil, de forma a atentar para os direitos e liberdades individuais fundamentais e a não negligenciar as vulnerabilidades sociais. 

    Em se analisando tal tema pelo chamado "Espaço dos Possíveis", o STF, dentro de suas atribuições constitucionais e institucionais, interpretou as leis do país de forma a contemplar (e em consonância com) as novas demandas sociais do povo brasileiro, além, é claro,  da omissão do poder Legislativo a respeito do assunto muito por conta do histórico preconceituoso da sociedade brasileira quanto da falta de representatividade LGBTQIAP+ que ocorre no próprio Legislativo.

    É importante reforçar que o STF possui o papel institucional de fazer o controle de constitucionalidade, além de ser o guardião e intérprete da Constituição Federal, também sendo um órgão que age quando provocado pela sociedade e sendo vedado legalmente de se omitir a respeito de qualquer assunto, logo, dentro desse contexto e dos contextos anteriormente já descritos vale dizer que o STF agiu de forma correta e em harmonia com o dinamismo social e com as demandas da sociedade brasileira, algo que não foi compreendido com a mesma celeridade e com a mesma nitidez por parte do poder Legislativo, que se fez omisso a respeito da pauta.


Otávio Aughusto de Andrade Oliveira - 1°Ano (Direito - Matutino)

A ADO 26 e a criminalização da homofobia: medidas necessárias

     A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO 26), realizada em junho de 2019, discutiu acerca da criminalização da homofobia, uma vez que, desde o princípio, reconheceu-se a infração dos direitos da população LGBTQIAP+, que sofriam graves ofensas pois seus direitos não eram assegurados na prática por uma ineficácia do poder público. Diante de tal situação, o Supremo Tribunal Federal (STF) interveio para impedir que a omissão do Legislativo perante ao acontecimento continue e para que, então, seja possível uma vida melhor daqueles que fazem parte do grupo em questão. 

    Em primeiro lugar, faz-se necessário analisar a situação de acordo com Bourdieu. Em um contexto social contemporâneo amplamente preconceituoso - e trazendo as ideias do autor em questão para esse contexto -, é correto afirmar que, com a decisão tomada pelo STF, a noção de "espaço dos possíveis" do grupo LGBTQIAP+ foi amplificada, posto que a criminalização da homofobia foi reconhecida, tal qual a criminalização do racismo. Por meio de novas interpretações do que já estava previsto pela Constituição Federal de 1988, o direito manifestou-se, trazendo resultados de demandas sociais contemporâneas. No quesito de universalização/neutralização da norma, é certo a assertiva de que a norma brasileira deve ser neutra e, para isso, não deve ser julgada diante de outras concepções como religiosas, ou interpretações individuais que tentem governar o todo, assim, como o STF propõe essa neutralidade da norma, pode-se dizer que a mesma é universal. Por outro lado, ainda nessa questão, para julgar a ADO, e outros possíveis casos de homofobia, é necessário analisar por uma interseccionalidade de áreas do direito - e na prática -, o que culmina na não universalização da norma, mas, sim, na interseccionalidade. Assim, as interpretações constitucionais possibilitaram a historicização da norma, dando maior credibilidade para o grupo que tem seus direitos violados e, portanto, maior segurança para que suas liberdades individuais sejam garantidas. 

    Outrossim, pode-se afirmar, então, que a situação em questão configura-se como uma busca de direito por algum grupo social, nesse caso, o grupo LGBT+. Dessa forma, segundo as concepções de Garapon, esse grupo recorre ao STF pois houve um desamparo pelos demais poderes públicos, configurando, portanto, uma situação de magistratura do sujeito, sendo que vários direitos passaram a ser tutelados, ao menos na teoria, de forma mais efetiva, mas o principal é sobre a homofobia ter sido entendida como crime, ou seja, o preconceito não será aceito; outrossim, de fato, havia outras maneiras de assegurar tais direitos, porém, todas foram omissas à situação. Além disso, é verdade que ocorre uma antecipação do direito, pois, mesmo que ocorrências anteriores de homofobia já tenham sido feitas, de agora em diante, tais situações são enquadradas como crimes, culminando em penas para quem cometê-las, ou seja, o futuro é levado em consideração quando aprofunda-se a democracia - e seu acesso - para o grupo LGBTQIAP+. Desse modo, é certo que a busca de direito e a magistratura do sujeito almejam uma antecipação do direito e um aprofundamento da democracia. 

    Outra colocação a ser considerada é de acordo com os pensamentos de McCann. A mobilização do direito é feita, inicialmente, pelo grupo LGBTQIAP+, que busca maiores garantias, na prática e na teoria, de seus direitos básicos, e é, posteriormente, concretizada pela ADO 26. Esse grupo mobiliza-se, principalmente, porque sofreu - e ainda sofre - muito na sociedade e na história brasileira, posto que é uma minoria social e é alvo de muitos preconceitos. Então, a decisão feita pelo STF possibilita que uma estratégia de longo prazo seja realizada e que essa influencie, majoritariamente, em casos futuros, os quais serão julgados como atitudes criminológicas, assim, a intenção é que ocorra a diminuição de tais acontecimentos, visto que serão penalizados de formas mais severas. Outrossim, é fato que a cultura social não irá mudar da noite pro dia, mas a decisão abre espaço para que o assunto seja mais debatido pela sociedade, de modo respeitoso, e para que essa minoria seja acolhida pela sociedade como um todo. 

    Por fim, a decisão do STF é de extrema importância para o grupo LGBTQIAP+, que ganha mais reconhecimento e maiores garantias ao seus direitos, influenciando, diretamente, em situações futuras. 

Laura Picazio - turma XXXIX de Direito - matutino

 

A Importância da ADO 26:

 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 (ADO) versou sobre a criminalização da homofobia, em razão do Legislativo ignorar o tema. Esse fato toca na defesa dos direitos das pessoas que pertencem ao grupo LGBT. Nesse caso houve por parte do STF, na ótica de Bourdieu, um aumento do espaço dos possíveis, pois as pessoas pertencentes a esse grupo sofrem opressão de maneiras diversas, e em função do cumprimento das garantias fundamentais, expressas na Constituição Federal art.5°, foi fornecida a devida proteção aos cidadãos que compõe essa minoria.

Ademais sob ótica de Garapon, uma vez que um determinado grupo não possui seus direitos e valores representados na legislação vigente, ele deve mobilizar o judiciário para que os seus interesses sejam representados e defendidos.

Portanto pode-se inferir que, na ADO 26 a homofobia foi considerada crime, pautada nos riscos que estão expostos as pessoas pertencentes a essa minoria, além disso para que essa decisão fosse tomada, levou-se e consideração a recorrência dos casos em que há homofobia, esse fato fez com que uma norma se tornasse universal e positivada.



Pedro Paulo de Souza

1° Ano

Período: Noturno

domingo, 30 de outubro de 2022

A ADO 26 e a criminalização da homofobia: entre a universalidade ou interseccionalidade do direito

          Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) trata da criminalização da homofobia através da ADO-26. Primeiramente, por ADO entende-se uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. A partir disso, analisa-se o discutido na referida sessão: a omissão do Legislativo à pauta da criminalização da homofobia e sua influência na manutenção de diferentes tipos de preconceitos enfrentados pelos indivíduos do grupo LGBTQIA+. Uma sociedade historicamente preconceituosa e violenta, tal qual a brasileira, não pode negligenciar pautas como essa, visto que essa minoria sofre de absoluta vulnerabilidade social e atentados aos seus direitos e liberdades individuais. 
          Em uma análise segundo Bourdieu e o chamado "Espaço dos Possíveis", a decisão do STF aumentou a abrangência desse espaço - não o desrespeitou, pois o órgão atuou dentro das possibilidades constitucionais e de seus garantias, aderindo-as e as interpretando segundo novas demandas sociais. Por essa razão, compreende-se que as mudanças do corpo social quando levadas a instâncias maiores são capazes de provocarem mudanças legais, em outras palavras, a norma é historicizada. 
          De início, ressalta-se a atuação do Supremo Tribunal Federal dentro dos Espaços dos Possíveis ao salientar que órgão agiu sob seu papel de controle de constitucionalidade, assegurado pela Constituição Federal. Todavia, apesar de dizer que houve uma ampliação do Espaço dos Possíveis, não se pode falar na universalização ou na neutralização da norma, visto que a comunidade LGBTQIA+ está em patamares preconizados perante a lei. Assim, fica claro que a pauta discutida na ADO 26 constitui uma demanda social, visto ser por meio da mobilização popular que o litígio chega ao direito, e, portanto, está dentro dos Espaços dos Possíveis. 
          A comunidade LGBTQIA+ recorre ao STF, pois, além da urgência da pauta tratada, há uma crise de representação política, que se relaciona diretamente com a omissão do Congresso Nacional. Logo, desamparados pelo legislativos, eles buscam apoio e respostas no judiciário para efetivação de seus direitos. Assim como referido por Garapon, o julgado não passa de uma magistratura do sujeito - isto é, a população sem proteção do Estado mobiliza o judiciário como única forma possível de defender seus direitos. 
          Por fim, a partir dessa discussão, compreende-se que: a sentença proferida pelo STF foi uma resposta a uma provocação social, a qual envolveu diversos grupos e partidos políticos. Assim, fica claro a compreensão de que a criminalização da homofobia deve ser discutida não segundo a universalização da norma, mas sim de acordo com a interseccionalidade, ou seja, segundo a compreensão das diferentes esferas sociais que compõem uma comunidade. De modo que, compreendendo essas vertentes, compreende-se, também, que os problemas estruturais intrínsecos a sociedade devem ser levados em consideração para discussão sobre a aplicação e efetivação de um direito. 


Mirella Bernardi Vechiato - Matutino 

sábado, 29 de outubro de 2022

 

A ADO 26 e a criminalização da homofobia

                    Saymon de Oliveira Justo 1º Direito Noturno.

 

A ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão), julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 13/06/2019 trata da criminalização da homofobia. Provocado pelo Partido Popular Socialista, o Supremo julgou procedente a ação proposta pelo PPS e equiparou a homofobia a outros crimes como xenofobia e racismo. O acordão, de relatoria do Ministro Celso de Mello, reconhece a “mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBTI +”. Diz ainda o referido acordão que até que venha legislação própria do Congresso Nacional que criminalize práticas homofóbicas e transfóbicas, tais práticas “ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989 (...)”.

Na própria ADO vislumbramos alguns dos conflitos presentes no litígio. Entre os vários amicus curiae que figuram na ação percebemos organizações ligadas ao movimento LGBTQIA+, como o “Grupo Gay da Bahia”, a “ABGLT - Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”, o “GADVS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual” e também organizações ligadas às religiões, como a “ANAJURE - Associação Nacional de Juristas Evangélicos”, a “COBIM - Convenção Brasileira das Igrejas Evangélicas Irmãos Menonitas”, entre outros. Aliás, a própria argumentação do relator ao defender a procedência da demanda do Partido Popular Socialista explicita esse conflito quando diz que “A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa (...) desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”.

Refletindo sobre a presente ADO sob a perspectiva de “espaço dos possíveis” de Pierre Bourdieu, a decisão do Supremo Tribunal Federal promove um “alargamento” do espaço dos possíveis dentro das possibilidades da própria Constituição Federal e de acordo com as demandas colocadas pelas mudanças no corpo social, ou seja, promove também uma historicização da Norma Constitucional. A Seção II da Constituição Federal, que trata da especificidade e atribuições do Supremo Tribunal na organização do Estado brasileiro, deixa claro seu papel de tribunal de controle de constitucionalidade. Nesse sentido, ao agir sob provocação de um ente autorizado para tal no próprio texto constitucional (no caso um partido político com representação no Congresso Nacional) e de acordo com as prerrogativas do Artigo 102 da Constituição Federal, que autorizam o referido Tribunal a “processar e julgar, originariamente: (...) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”, percebemos que o Supremo não extrapolou os limites da Constituição Federal, apenas agiu dentro do chamado “espaço dos possíveis”.

Quanto às manifestações de “universalização/neutralização”, conceitos esses também abordados por Pierre Bourdieu, a própria argumentação implícita na decisão dos Ministros, de que o Brasil é um Estado laico e que ao mesmo tempo em que deve respeitar toda e qualquer manifestação religiosa, ele mesmo, o Estado nacional, não pode pautar sua legislação no interesse dessa ou daquela fé religiosa, demonstra o caráter de universalização/neutralização da decisão. Ao argumentar que nenhuma manifestação religiosa pode incitar o ódio ou a violência contra pessoas “em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero”, o que o Supremo Tribunal está dizendo é que a lei é neutra e universal, não cabendo exceções a nenhuma religião ou a qualquer outro grupo político, cultural, social...

Apesar de já existir dispositivo constitucional versando sobre a discriminação de forma genérica, como o Artigo 5º inciso XLI que diz que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” e de existir também as punições específicas para crimes de forma geral no Código Penal, podemos compreender a ADO 26 como uma historicização da norma em relação às demandas dos novos tempos. A comunidade LGBTQIA+, tradicionalmente alvo de preconceitos, agressões e muitas vezes tendo suas expressões de amor restringida nos espaços públicos, nos últimos anos, em razão de sua luta, vem ganhando espaço nas ruas, nas artes, no marketing das empresas... Com isso, segue-se também uma intensificação dos atos de agressão físicos e verbais de forma mais aberta. Nesse contexto, o entendimento da ADO 26, que equipara a homofobia ao racismo, cria novos mecanismos e possibilidades de combater as manifestações desse tipo de preconceito de forma mais concreta e dentro das possibilidades da Constituição Federal.

Quanto as frequentes críticas de “ativismo judicial”, ou seja, de que o Judiciário estaria tomando para si prerrogativas do Poder Legislativo, isso parece não se justificar. A própria Constituição Federal, como citamos anteriormente, permite ao Supremo Tribunal Federal agir quando provocado e julgar atos os quais o Legislativo se mostrou omisso. Além disso, a ADO 26 não criminaliza ato novo, mas tão somente explicita e especifica crimes já tipificados na Constituição Federal e no Código Penal no intuito de instigar o poder público a proteger uma população vulnerável específica e permitir a criação de novos mecanismos de proteção.

O que percebemos no referido julgado é o que Antoine Garapon denomina de “magistratura do sujeito”, ou seja, uma população quase completamente apartada da proteção efetiva do Estado se vê na necessidade de mobilizar o judiciário como única forma possível de defender seus direitos e em muitas ocasiões a própria vida. Apesar da legislação geral, tanto constitucional como infraconstitucional, que define o que é crime e quais as penalidades, essa legislação se mostra insuficiente para proteger na prática a população LGBTQIA+. Nesse sentido, ao ser provocado por setores legítimos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, dentro das possibilidades do texto constitucional, equipara a homofobia ao racismo e dessa forma possibilita uma maior possibilidade da tutela dos direitos fundamentais da população LGBTQIA+.

A referida ADO não apresenta ameaça alguma para a democracia, uma vez que já foi largamente demonstrado que além de a decisão encontrar abrigo na Constituição Federal, essa mesma Constituição coloca os limites de ação do Supremo Tribunal Federal, que no presente caso, atua tão somente dentro das atribuições que lhes foram dadas pelo Poder Constituinte Originário. Aliás, atua por conta da omissão do Poder Legislativo. Nesse sentido, a ADO 26 tão somente ampara um direito de característica mais geral tutelado pela Constituição, mas que na prática não alcança a população em questão.

Assim, ao percebermos diversos atores da sociedade civil, como o propositor da ação, no caso o Partido Popular Socialista e os Amicus Curiae, que figuram na ADO, o que fica explícito é a mobilização do direito para um aprofundamento da democracia. Ou seja, uma vez que o texto constitucional genérico não consegue dar amparo efetivo às demandas da população LGBTQIA+, a equiparação da homofobia ao crime de racismo, a criminalização específica da homofobia, transcende as possibilidades dos chamados direitos de primeira dimensão e permitem uma defesa mais efetiva dessa população, um efetivo aprofundamento da democracia.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

 O direito de todos começa quando a interseccionalidade sobrevalece a universalidade ou a neutralização.

A discussão sobre homofobia cada vez mais se apresenta como uma pauta que não deve ser negligenciada, essencialmente, devido a todos os direitos violados dos indivíduos da comunidade LGBTQIA+ quando sujeitos às condutas desrespeitosas por uma parcela conservadora da sociedade que se baseiam em um habitus patriarcal, o qual influencia as condutas preconceituosas de boa parte do corpo social. É diante desse cenário que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 busca discutir sobre a criminalização da homofobia, questão primordial para inibir atitudes preconceituosas e discriminatórias, tão lesivas aos direitos e liberdades fundamentais. É importante destacar a princípio, que a comunidade LGBTQIA +, caracteriza-se por pela união de pessoas e grupos sociais distintos, mas unidos por um ponto em comum: a absoluta vulnerabilidade agravada por práticas injustas e atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais.

Com isso, o que se postula mediante a ADO 26, é a busca por respostas devido à omissão do legislativo ao relegar a um segundo plano pautas relacionadas à criminalização da homofobia, o que contribuiu para que indivíduos da comunidade LGBTQIA+ continuassem sujeitos aos inúmeros preconceitos presentes na sociedade. Em virtude disso, é que se preconiza a ideia de que a homofobia e transfobia sejam colocadas no conceito ontológico-constitucional de racismo, buscando enquadrá-las na ordem constitucional de criminalizar o racismo constante do art. 5º, inc. XLII, da CF/88, e também que seja fixada a responsabilidade civil do Estado Brasileiro. 

Primeiramente, ao se pensar nos espaços dos possíveis preconizado por Bourdieu, entende-se os temas de homofobia e da discriminação são de constantes discussão dentro do campo jurídico como os projetos de lei Projeto de Lei do Senado – PLS Nº 101 de 2014, que altera o Código de Processo Penal; a PL Nº 5576/2013, acrescenta dispositivo ao art. 61; assim com intensos debates no campo do Legislativo Federal, por meio, por exemplo, do Projeto de Lei nº 5.003/01, aprovado em 2006 na Câmara dos Deputados, e que atualmente tramita no Senado Federal sob o nº 122/06. Além do mais, encontra-se dentro desse mesmo campo, a tipificação da punição de todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Entretanto, é importante ressaltar, que embora exista inúmeros projetos referentes a criminalização da homofobia, a morosidade para torná-los procedentes frustra o que está preconizado no art. 5º, inciso XLI, da Constituição, que ordena a punição de “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ou seja, a incriminação de todas as formas de violência homofóbica e transfóbica. 

E aqui surge um ponto importante, pois há um conflito expresso dentro do espaço dos possíveis, tendo em vista que há de um lado aqueles que acreditam que o racismo, compreendido em sua dimensão social, “projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+)”; e do outro, a ideia de que o racismo está estritamente relacionado ao conceito de raça. Nesse sentido, ao buscar enquadrar o crime contra a comunidade LGBTQIA+ ao crime de racismo, pode-se aduzir acerca da historização da norma, uma vez que a lei estará em conformidade com as mudanças sociais e com isso apta para surtir efeitos condizentes com o momento presente. Ademais, não é possível aduzir acerca da universalização e neutralização da norma, haja vista que a comunidade aqui mencionada não está no mesmo patamar de igualdade preconizada pela lei, e ao racionalizar a norma, faz com que não exista a interseccionalidade do direito capaz de compreender todas as questões intrínsecas ao reconhecimento da criminalização da homofobia dentro do que se entende por racismo, contribuindo, assim, para uma discussão rasa acerca do que foi proposto pela ADO 26.  

Nessa mesma linha de raciocínio, ao mencionar sobre o papel do judiciário perante a omissão do legislativo, existe uma linha tênue do que ao buscar compreender se a presente discussão advém de uma situação expressa que busca o direito por algum grupo social ou do famigerado “ativismo judicial” prejulgado por muitos. 

Diante disso, pode-se observar a manifestação de ambas ideias, primeiramente, devido à representação do Partido Popular socialista como requerente, que movimenta o campo social para levantar pautas de interesse sociais capazes de chegar ao judiciário, como a busca de obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta; a garantia do direito fundamental à liberdade, pois o não reconhecimento implica negação à população LGBTQIA+ de realizar atos que não prejudicam terceiros e que não são proibidos pela lei; e a violação do direito fundamental à igualdade; em segundo lugar, o ativismo judicial aparece como correspondente a essa movimentação, haja vista que a sociedade busca por essa judicialização, ou seja, não é algo que se manifesta sozinho. 

Nesse âmbito, a magistratura do sujeito ganha notoriedade, tendo em vista o maior controle do juiz, a interiorização do direito e a tutelarização, que são alguns pressupostos para a garantia da liberdade. Ressaltando que a busca pela tutelarização dos direitos fundamentais apresenta-se desde a igualdade, a liberdade, a vida, até a dignidade da pessoa humana, entre outros. Com isso, a justiça, para Garapon, aparece com o intuito de apaziguar e molestar o indivíduo sofredor moderno, tornando-se uma tarefa política essencial, com base na máxima “o direito transforma-se na moral por ausência”, ou seja, na falta de políticas públicas ou dos representantes do legislativo, existe amparo em outros campos do direito, como o STF, o qual aparece na modernidade como o principal, dentro do campo jurídico, entendido como único campo apto a trazer respostas aos atos discriminatórios cada vez mais disseminado pela parcela conservadora. 

Ademais, dentro desse contexto e de todas as questões postas até então, entende-se que existe um aspecto de antecipação no julgado, em virtude de alguns aspectos: primeiro, a ADI 4.277, julgada em 2011, que aduz sobre o reconhecimento de direitos na união homoafetiva, já apresenta um forte debate acerca do respeito à comunidade LGBTQIA+ essencialmente, relacionado aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da vedação à discriminação odiosa (art. 3º, inciso IV), e da igualdade (art. 5º, caput), da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica, os quais violam direitos de indivíduos que vivem sob orientação sexual minoritária e alvos de críticas do conservadorismo social; em segundo lugar, ao fato de ser uma pauta levantada em inúmeros projetos apresentados ao legislativo, assim como pela urgência de se tratar no momento atual de violação dos Direitos Humanos. 

A existência de antecipação, enseja os argumentos de Ingeborg Maus, uma vez que “quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta insistência moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social”, ou seja, existe uma questão intrínseca que envolve o poder de decisão, que neste caso, a justiça se coloca como apta, que pode, em momentos semelhantes a este utilizar de maneira deturpada o poder de decisão. Fechando essa ideia, embora existam controvérsias acerca da atuação do judiciário em relação às questões levantadas por movimentos sociais, denominado pelo poder contramajoritário, é inviável falar sobre ameaça à democracia, mesmo havendo um deslocamento da agenda do país do legislativo para o Judiciário. Isso decorre da judicialização ou do ativismo judicial, mencionado acima, característicos da vontade popular; e do fundamento normativo, que, fundamenta a concretude da lei; e por último, há a autocontenção, que garante a não aplicação da Constituição em casos que não estejam no âmbito de incidência do judiciário.

 Outrossim, a mobilização do direito, que encontra-se permeada por todas as questões supracitadas, deve ser entendida como “as ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses ou valores”. Essa questão decorre devido ao atual contexto social, o qual “exige” cada vez mais que os indivíduos exerçam sua cidadania não apenas no momento do voto, mas de maneira contínua, uma forma de se conectar à vida cívica e mobilizar o direito com intuito de engendrar uma consciência política e fortalecimento da democracia. Então, fica claro, que o direito é mobilizado pelos cidadãos, por grupos e movimentos em busca de acabar com a sociedade patriarcal, elitista, machista, homofóbica que por muito tempo passou ilesa. 

Segundo Marc Galanter, “os precedentes legais construídos judicialmente influenciam não apenas os termos das relações, mas também toda a formulação de demandas particulares, para intensificar disputas e até mesmo negociá-las”, em outras palavras, o fato de existir uma gama de discussões acerca de direitos sociais, por exemplo, contribui para que questões futuras tenham um embasamento capaz de ajudar em decisões importante, como no caso da ADO 26, que sucedeu a ADPF 132 e ADI 4.277, a qual conseguiu um debate mais sólido e concreto devido o resultado de uma mobilização feita anteriormente. Esse é um fator essencial para entender o movimento dos tribunais em raramente amenizar conflitos políticos, uma vez que eles são constantes, e frequentemente encorajar ou criar novos litígios sobre questões públicas, como no caso da presente discussão sobre criminalização da homofobia. 

Nessa perspectiva, pode-se compreender que dentro de uma sociedade plural, mesmo que um tipo de comportamento seja minoritário, ou seja, distante do padrão conservador, ao fazer parte de uma cultura como um direito fundamental, ele se torna um parâmetro essencial para detectar condutas intoleráveis, por exemplo, o desrespeito e discriminação com a união homoafetiva. Com isso o nível de poder constitutivo da autoridade judicial “diz respeito aos modos pelos quais as práticas de construção jurídica dos tribunais são “constitutivas” de vida cultural”.

Portanto, fica evidente, que a criminalização da homofobia é uma prerrogativa importante de ser discutida não por meio da universalização do aparato normativo, mas por meio da interseccionalidade, a qual é capaz de compreender as diversas vertentes que permeiam as questões sociais, como no presente caso, em que reconhecer os direito fundamentais não é suficiente para resolver toda discriminação envolta da comunidade LGBTQIA+, ou seja, é preciso entender os problemas estruturais intrínsecos à sociedade, os quais contribuíram para que a ADO 26 fosse levada em discussão. Desse modo, criminalizar a homofobia em conformidade com o conceito ontológico-constitucional de racismo, é um grande passo para o campo social. 


Natália Lima da Silva 

Turno: Matutino, 1º ano de Direito.     


Criminalização da homofobia, o essencial para viver

 

O Supremo Tribunal Federal votou em plenário a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão número 26, a qual tinha por intuito criminalizar a violência pautada na orientação sexual, conhecida como homofobia. O Brasil, país evidentemente preconceituoso, conservador, discriminatório, faz sofrer muito a população LGBTQIA+. Pessoas com orientação sexual divergente do habitus heteronormativo todos os dias nas ruas brasileiras são agredidas física ou verbalmente por não seguirem a sexualidade tida pelo conservadorismo como ideal, todos os dias pessoas gays, lésbicas, transexuais, morrem por apenas existirem, e até a data da ADO a conduta violenta e assassina de parte da população não era considerada como crime. Tal cenário é alterado após a decisão do STF, pois essa determinou que houvesse consideração do motivo que levou a violência a ser cometida; a agressão movida pela intolerância em relação a sexualidade do outro, se tornou crime de fato, proporcionando a comunidade LGBTQIA+, uma segurança um pouco maior para habitar o território brasileiro.  

Tendo em vista o caráter reacionário presente na sociedade brasileira, a resposta negativa a decisão proferida pela corte foi notória, uma vez que alegaram a desnecessidade da decisão já que a Constituição Federal prevê em seu artigo 5° caput que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, dessa forma, pautando-se nesse artigo, alegaram que a igualdade de tratamento já é garantida pela Lei Maior do país, sendo irrelevante a procedência da ação por parte do Supremo Tribunal e, somado a isso, alegaram que não havia omissão legislativa acerca do tema, uma vez que havia sido pleiteado o debate da questão em Congresso Nacional, mas esse somente não tinha se concretizado ainda. Sendo assim, a decisão do judiciário estaria extrapolando o escopo de sua ação e invadindo assunto que seria de caráter legislativo, configurando o ativismo judicial. 

No entanto, tais argumentos se mostram infundados, pois em observância a máxima aristotélica, a qual diz que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”, somente o exposto no caput do artigo 5° da Constituição Federal não é o suficiente para garantir segurança à comunidade LGBTQIA+, uma vez que eles se encontram em condição desigual dentro da sociedade e essa por sua vez, deve ser levada em conta a fim de promover além da igualdade formal prevista na legislação, uma igualdade material concretizada, de fato, no plano real. O que mesmo antes da decisão proferida pela Suprema Corte já se encontrava dentro do espaço dos possíveis, tendo em vista que é assegurado também constitucionalmente pelo inciso XLI do artigo 5°, que a lei punirá qualquer discriminação, além disso, é assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 13, parágrafo 5, que a lei deve proibir qualquer apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.”. Com isso em mente, é possível notar que a criminalização da homofobia constituía o espaço dos possíveis do campo jurídico, pois, de certa forma já estava prevista em legislação, já que de acordo com os diplomas legais é vedada a discriminação e o ódio voltado a grupos minoritários. 

Além de constituir o espaço dos possíveis do campo jurídico a pauta da criminalização da homofobia também estava no campo social, de modo que é por meio da mobilização desse que tal litígio chega ao direito, o judiciário foi incitado a agir pelo partido popular socialista, com a participação de outras parcelas sociais como o grupo gay da Bahia, os quais reivindicavam uma atitude por parte da justiça, dado que mesmo após realizarem diversas provocações ao legislativo foram ignorados. Em síntese, o Supremo Tribunal Federal só foi provocado a agir mediante omissão do Congresso Nacional, pois, sendo a prática da homofobia assunto urgente a ser tratado, uma vez que a população LGBTQIA+ sofre todos os dias nas ruas, não era viável que continuassem esperando alguma resposta dos representantes. Sendo assim, era necessário que fosse elaborado com urgência algum mecanismo para que conseguissem se proteger da violência, e desamparados pelo legislativo, buscam o judiciário, deixando claro o caráter de magistratura do sujeito, uma vez que em face da crise de representação política, busca-se a justiça para a efetivação de direitos.  

Todavia, mesmo após a efetivação da homofobia como crime, a violência contra pessoas de sexualidade diversa a heteronormativa não se finda, ela ainda se encontra presente em todos os cantos do país. No entanto, é importante ressalvar de modo a lançar luz sobre o assunto, que com a atribuição do título de crime a homofobia a Suprema Corte passa a modular a ação de pessoas que cometam esse tipo de violência, pois essas após a decisão sabem que ao tomar atitude discriminatória estarão sujeitas a sanção prevista em lei, o que pode algumas vezes não coibir a prática agressiva, mas permite que ela seja punida quando realizada. Com isso, o tribunal começa a inclusive a possibilitar uma mudança na cultura em geral, pois, como atitudes homofóbicas passaram a ser, a partir da decisão, punidas, de certa forma elas começam a ser evitadas pela sociedade, o que a longo prazo implicaria em uma sociedade menos discriminatória. Ademais, com a decisão, até mesmo a visão cotidiana sobre o assunto é alterada, uma vez que a partir da declaração procedente do pedido, o que antes poderia ser considerado por muitos como liberdade de expressão após a ADO 26 é crime.

Outrossim, a decisão do STF muda a realidade para o campo social, a luta da comunidade LGBTQIA+ agora passa a ser não mais para conseguir o direito de existir, mas sim para efetivar no plano real o direito adquirido através do tribunal, atentar contra a possibilidade de existência de pessoas que possuem orientação sexual diversa a heterossexual, é crime, agredir pessoas integrantes dessa comunidade de forma real ou simbólica se tornou proibido a partir de 2019, desse modo, é claro que a após a sentença a luta não se esgota, ela continua viva no campo social para que esses direitos estejam postos, de fato, na sociedade e até mesmo para que sejam ampliados 

Nesse contexto, a atitude tomada pelo Supremo Tribunal Federal provocado pelo campo social, corresponde a uma universalização das normas, tendo em vista que o direito já concedido a uma parte da população é através da interpretação ampliado. Já era no direito brasileiro tipificado o crime de racismo e no entendimento do STF a homofobia caminha na mesma esteira, “racismo que não se resume a aspectos estritamente fenotípicos, constitui manifestação de poder que, ao buscar justificação na desigualdade, objetiva viabilizar a dominação do grupo majoritário sobre integrantes de grupos vulneráveis”, tendo por base a definição da corte a homofobia também incorreria em racismo e, por isso, é possível que tal movimento de universalização seja realizado. Além do caráter de universalização há também uma historicização da norma, pois a Suprema Corte utilizou-se de uma norma restritiva e de certo modo antiga, para realizar uma interpretação de acordo com o período contemporâneo e com as demandas sociais atuais ligadas as pautas da comunidade em questão. 

 Através da ADO 26 inclusive, ideais democráticos foram consagrados a comunidade LGBTQIA+, com a proibição da homofobia foi aberto à essa comunidade a capacidade de existir livremente e a participação efetiva na democracia, uma vez que a efetivação de direitos fundamentais de minorias está intrinsecamente ligada ao conceito democrático, pois essa não pode se configurar como uma tirania da maioria, renegando direitos de grupos sub-representados politicamente, como havia ocorrido até a decisão do tribunal, o conceito de democracia está ligado também a questões de efetivação de direitos à toda população.  

Em suma, a sentença proferida pelo Supremo Tribunal Federal, foi uma resposta a provocação realizada através do campo social, pelo partido popular socialista e por grupos como grupo gay da Bahia e associação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais (ABGLT), que após serem ignorados muitos anos pelo Congresso Nacional, recorreram ao judiciário a fim de conseguirem ao menos um respaldo jurídico para que combatessem a violência tanto física quanto simbólica sofrida. A decisão da corte, é uma forma de vincular a ação popular e de fato transformar a cultura violenta voltada a comunidade LGBTQIA+. A população intolerante não pode mais agredir integrantes da comunidade, o que foi denominado por McCann como caráter constitutivo dos tribunais, não há mais limbo legislativo capaz de justificar tal violência a qual visa consagrar o habitus heterossexual como único legítimo. Por fim, é notável o avanço civilizatório e democrático promovido pelo campo social e efetivado pelo tribunal, a partir da historicização e universalização das normas, as quais levaram a concessão de direitos fundamentais a essa comunidade que sempre careceu de proteção. 

Marina Cassaro