sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Mais que folha de papel



As conquistas sociais tem se estabelecendo e ganhando consistência através da elaboração de leis, com o decorrer dos anos. Todavia, apenas por elaborar e promulgar leis obtidas por intermédio de anos de luta de diversas comunidades socialmente excluídas, não o torna emancipatório, pois as essas só atingem seu objetivos quando aplicados na sociedade, o que nem sempre ocorre e muitas das vezes não alcança os resultados almejados. Quando isso ocorre, a legislação não é nada mais que uma mera folha de papel, como o autor Ferdinand Lassalle, pontua em seu livro “Que é a Constituição?”. Neste também, nota-se a importância de cada esfera populacional para o funcionamento do ordenamento jurídico. O autor defende a importância da participação popular e que se os mesmos fossem unidos e organizados teriam plena capacidade de fazer com que suas necessidades e desejos fossem realizados. Sendo um viés de que o direito pode ser emancipatório. Desse modo, a lei 12.711, popularmente conhecida como a Lei de cotas, sancionada em 2012 e alcançada através de uma luta social que ocorria há anos, visa inicialmente democratizar o ensino superior no país, para que futuramente haja maior igualdade socioeconômica. Superando distorções sociais historicamente consolidadas, com os três séculos de escravidão e a Lei de terras, principais razões para tamanha desigualdade. Ademais, em meio a uma sociedade permeada pela meritocracia, não é possível considerar o processo de seleção para o vestibular justa, já que, não se escolhe o mais capacitado, mas aquele que teve a possibilidade de um maior investimento. Isto posto, mesmo ainda deixando muito a desejar, podemos considerar o direito como objeto de emancipação social e como juristas devemos usar tal artefato para continuar e ampliar as modificações sociais. 
Marina Domingues Bovo -  1º ano direito matutino

Mobilizemo-nos!




 Vivemos claramente em um período de transição, no qual a todo momento direitos são criados e destruídos por determinado grupo social hegemônico. No entanto, questões complexas da pós-modernidade não obtêm respostas do mesmo nível em meio a um ambiente socio-cultural inadequado. 
 As dicotomias direito versus emancipação social, ordem versus desordem, esta última implicando em uma profunda desigualdade e exclusão social, ainda encontram-se muito longe de serem sanadas. A crise do contrato social leva a uma exclusão da maioria e o colapso da estratégia parlamentar e revolucionária para a emancipação social resulta em uma dupla desintegração: a da regulação e consequentemente da própria emancipação social. 
 O que se vê atualmente é, portanto, uma emergência do conservadorismo, sobretudo de uma agenda neoliberal como forma de globalização hegemônica, a via jurídica (parlamentar) para a emancipação social é obstruída, e o capitalismo se torna incompatível com uma democracia de fato. 
 A política de cotas raciais pode ser vista então como uma tentativa de reinvenção da tensão entre regulação e emancipação social, como um meio de luta político-jurídico institucionalizado pela defesa dos direitos das minorias étnico-raciais e não um fim propriamente dito, um combate ao fascismo social e uma resposta às necessidades da sociedade civil incivil, tão marginalizada e sem perspectiva de ascensão social em uma sociedade na qual a exclusão estrutural e a instabilidade social são tidas como condições de estabilidade econômica, a fim de se obter a prosperidade e o fluxo do capital global. 
 A mobilização política a partir da definição de objetivos concretos não pode parar, é preciso muito mais do que a mera adoção de políticas públicas de ações afirmativas. Deve se ter como meta principalmente a busca pela igualdade material em detrimento da formal às classes e grupos em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Até o dia em que a desigualdade se tornar algo completamente anômalo, não-regulamentado e alvo das mais diversas críticas, sendo estas provenientes de todos os setores sociais. 


Juliana Beatriz de Paula Guida - 1° ano - Direito Matutino 

Vozes

Poderá ser o Direito emancipatório? O professor Boaventura de Sousa Santos propõe-se, em texto de mesmo título analisar e responder a essa questão. Traçando a relação entre regulação e emancipação social em um contexto capitalista, o autor traz uma perspectiva otimista quanto ao uso dos instrumentos jurídicos para fins, como nomeados por ele, contra hegemônicos.A partir dessa concepção é possível ponderar situações presentes na realidade brasileira as quais fomentam grandes debates, tal qual as cotas raciais.
As cotas raciais em universidades brasileiras asseguram o ingresso de jovens pretos e pardos nessas instituições.Um dos principais argumentos favoráveis a essa ação afirmativa gira em torno da compensação pelos danos causados a população negra durante, e pós, escravidão. A luz de Boaventura de Sousa Santos, pode-se desenvolver uma reflexão ainda mais profunda e pertinente ao tema.
Um dos preceitos fundamentais da Constituição brasileira é o princípio da isonomia. Diante dele garante-se que todos os cidadãos terão igualdade de tratamento perante a lei e não serão vítimas de arbitrariedades que concedam privilégios ou prejuízos a grupos específicos. Entretanto, utilizando-se da hermenêutica constitucional, faz-se necessário observar tal postulado sobre outro ângulo. Considerando uma interpretação teleológica objetiva,a qual atribui uma finalidade normativa no contexto econômico, político e social;a igualdade ganha um sentido diatópico: formal e material. Destarte, é imprescindível que a legislação garanta meios materiais para concretização daquilo que ela prevê. Assim, levando-se em consideração todas as implicações históricas as quais a população negra está suscetível, e o presente racismo impondo uma marginalização estrutural, faz-se necessário uma legislação complementar capaz de garantir a igualdade.
Além disso, as cotas raciais são reivindicações de comunidades minoritárias politicamente organizadas, o que caracteriza os grupos contra hegemônicos citados por Boaventura. Quando esses grupos procuram o Direito, ou seja, a regulação social, para garantir-lhes meios de alcançar a emancipação protagonizam a transformação da justiça e consequente enfrentamento do conservadorismo, o qual utiliza-se do Estado e todo seu aparelho jurídico para subjugação dessa parte da população.
Todavia, faz-se necessário compreender a regulação como um meio e a emancipação como fim. As cotas raciais em si, tal qual todas as ações afirmativas, possuem caráter transitório e necessitam de medidas a longo prazo que solidifique sua proposição. Exemplo disso são os casos de racismo nas universidades não diminuírem com a adoção das cotas, embora tenham sofrido consequente destaque. Em grandes universidades, como a Universidade Estadual Paulista a direção trata os casos de racismo como “algo de jovens, algo normal em todas as instituições” quando confrontada acerca de pichações com conteúdo discriminatório em suas instalações. Diante disso, o sentido material da igualdade de acesso ao ensino superior não finda com a simples presença  de alunos pretos nas salas de aula.
Por fim, mantendo o otimismo um pouco perdido anteriormente, a inclusão de minorias, que antes não faziam parte da elite da graduação brasileira, obrigatoriamente emana suas demandas e faz-se ser ouvida nesse ambiente. Portanto, o popularmente conhecido “lugar de fala”, quando exercido sem imposições ou negativa de argumentos contrários, ganha uma importante definição: se antes toda a produção e discussão acadêmica era feita por meros observadores da realidade negra periférica, agora são feitas por personagens que oferecem a narrativa a cruel realidade e sensibilidade de quem realmente a viveu. A emancipação social será anunciada por nossas vozes.

Daniela Cristina de Oliveira Balduino, 1° ano - diurno

Só dois por cento


Captura. Navio Negreiro. Séculos de trabalho forçado. O Brasil tem para com os negros uma dívida histórica a ser reparada, onde após a "libertação" teórica de 1888 poucos foram os que encontraram oportunidades para ascender economicamente, perpetuando a marginalização para com a etnia. Hodiernamente, discute-se sobre a inconstitucionalidade ou constitucionalidade das cotas raciais, meio que visa aumentar o contingente negro em Universidades Públicas de todo o país, que é representado hoje pelo mero número de 2 por cento das cadeiras de bem público de uso especial.
Boaventura, ao examinar se o Direito seria ou não emancipatório, abre um questionamento quanto às cotas: poderia a norma ajudar a sanar a dúvida sobre a sua possível constitucionalidade? Sim, à medida que a Constituição Cidadã de 1988 prevê como um de seus princípios fundamentais a Igualdade, valor este que não tem eficácia apenas pelo texto constitucional; sendo assim, como nem todos cidadãos partem, na prática, de um ponto de igualdade, cabe às legislações ordinárias trabalhar a matéria, elaborando as Cotas Raciais, para que todos tenham acesso a educação de qualidade, possibilitando uma composição multirracial do cenário universitário, melhorando a situação socioeconômica débil desses que representam mais da metade da população.
O Problema é que, o Direito, que deveria libertar as massas das mazelas sociais as quais estão determinadas, por vezes, beneficia a poucos. Estes, por sua vez, lutam para o fim do sistema de cotas, defensores da meritocracia que acreditam que aqueles historicamente deixados de lado pela "Máquina Estatal", que foram forjados no preconceito diário, vão competir em isonomia com aqueles privilegiados, que tiveram ensino fundamental e médio de qualidade, lecionado em escolas com preços exorbitantes. Daí, tem-se o embate no Supremo Tribunal Federal (órgão máximo do poder judiciário brasileiro) entre aqueles que defendem a aprovação das cotas e os que julgam-na injusta.
Vemos assim, o quanto o direito tem a tendência histórica de proteger a minoria dominante, ao invés de agir como instrumento emancipatório do povo, libertando-o das amarras sociais e quebrando as correntes que depreciam a maioria esmagadora da população. A emancipação em si deve então ser conquistada pela luta constante, e não aceitação das coisas como estão; em relação às cotas, elas são medidas de democratização do ensino superior, que devem ser efetivadas, sendo o primeiro passo para a mudança de um país com berço segregacionista.

Fabrício Eduardo Martins Soares, 1 ano Direito Noturno.




Máscara e tradução


Existem muitos modos de desigualdade na sociedade, e as ações afirmativas têm a função de minimizar essa desigualdade. Isso ocorre com as cotas raciais nas universidades, o que é muito justo dada as condições históricas dos negros no Brasil, que sofreram por três séculos por conta da escravidão, e após sua abolição, continuaram excluídos, seja no mercado de trabalho, na educação ou excluídos por conta do preconceito racial, que hoje, por conta das leis punitivas a esse tipo de crime, é velado.
No entanto, apesar de a teoria por trás das cotas raciais nas universidades fazer todo o sentido, é preciso analisar a questão na prática. O negro, devido a toda essa questão histórica e devido ao preconceito racial comum até hoje na nossa sociedade, acaba não tendo acesso a cargos de maior remuneração, então, acaba sendo a maior parte da população de baixa renda no Brasil. Portanto, ocorre que a maioria dos negros acaba estudando em escolas públicas, devido à impossibilidade de pagar uma escola particular. Acontece que, tirando poucas exceções como algumas escolas – principalmente técnicas – como as etecs, o etecap, o cotuca, as escolas públicas sofrem com uma falta de qualidade preocupante. Assim, qualquer indivíduo que sai de alguma dessas escolas, independente de raça ou cor de pele, acaba prejudicado em relação ao jovem de maior renda que pode estudar em uma escola particular. Então, o baixo acesso dos negros à universidade não é diretamente fruto de uma questão racial (afinal, a cor não critério para o acesso ou exclusão nos vestibulares), mas é fruto de uma questão social, que prejudica todos aqueles que tiveram uma educação de baixa qualidade, o que é comum nas escolas públicas, que é onde a população de baixa renda estuda, população essa que é majoritariamente composta por negros.
Assim, analisando-se separadamente os dados do acesso de negros à universidade (2% dos universitários são negros, de acordo com dados do julgado), parece que há unicamente uma exclusão dessa população à universidade, mas o fato é que toda a população de baixa renda é excluída. Então, para haver maior justiça, o ideal seria que as cotas se dirigissem aos indivíduos de baixa renda e de escola pública, pois diminui a exclusão de uma população maior e ainda não há aquela polêmica discutida na ADPF de que haveria, com a instituição das cotas raciais, um prejuízo aos brancos pobres. Além disso, a instituição de uma cota racial iria beneficiar principalmente os negros mais ricos, que tiveram acesso à uma boa educação e ainda teriam bonificação. Com a instituição da cota social apenas, não haveria esse tipo de “injustiça”. Desse modo, as cotas raciais são uma maneira de mascarar a realidade de uma escola pública deficiente, assim transparecendo eficiência. Assim, não se trata de um direito verdadeiramente  emancipatório, apesar de contra hegemônico, mas apenas reformista. Ou seja, trata-se de uma instituição envolvida em tendências hegemônicas.
Outro ponto a ser discutido, é que, sendo de baixa renda e proveniente de escola pública, a dificuldade de acesso à universidade é igual entre negros e brancos, pois ambos teriam igualmente um baixo conhecimento e um mesmo mecanismo de avaliação, o vestibular. Mas, caso essas duas categorias de indivíduos consigam cursar a faculdade, o negro sai em prejuízo depois, quando precisa arrumar emprego, devido ao racismo que dificulta sua contratação. Assim, o ideal não seria estabelecer cotas raciais para o acesso à universidade, mas sim, para a contratação de indivíduos nas empresas (considero aqui que os cargos públicos, que necessitam de concurso público, não trariam essa desvantagem ao negro). Assim, o melhor seria se estabelecer uma determinada porcentagem de negros empregados em cada função em cada empresa, desde as não qualificadas até as mais prestigiadas e mais bem remuneradas.
Assim, com esse deslocamento da cota racial destinada ao acesso à universidade para uma cota racial destinada ao acesso ao mercado de trabalho, há uma maior possibilidade de igualamento de desiguais, que é o que defende Boaventura de Souza Santos “(...)temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Afinal, as dívidas históricas com os negros acabam supridas e a população branca de baixa renda não sai prejudicada.
Desse modo, as cotas raciais para o ingresso na Universidade podem até funcionar para os países de onde essa política se originou, que seria os Estados Unidos e a Índia. No entanto, o modo de acesso à essas instituições no Brasil é diferente, precisando assim de um mecanismo diferente do desses países, embora se objetive as mesmas coisas tanto no Brasil quanto nesses países. Assim, essa ideia aqui trabalhada se encaixa com o pensamento de Boaventura de Souza Santos, em que há um ponto de chegada comum e que as estratégias vão depender de cada realidade, que seria a teoria da tradução. 

Rafaela Gonella - 1° ano Direito diurno