sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Máscara e tradução


Existem muitos modos de desigualdade na sociedade, e as ações afirmativas têm a função de minimizar essa desigualdade. Isso ocorre com as cotas raciais nas universidades, o que é muito justo dada as condições históricas dos negros no Brasil, que sofreram por três séculos por conta da escravidão, e após sua abolição, continuaram excluídos, seja no mercado de trabalho, na educação ou excluídos por conta do preconceito racial, que hoje, por conta das leis punitivas a esse tipo de crime, é velado.
No entanto, apesar de a teoria por trás das cotas raciais nas universidades fazer todo o sentido, é preciso analisar a questão na prática. O negro, devido a toda essa questão histórica e devido ao preconceito racial comum até hoje na nossa sociedade, acaba não tendo acesso a cargos de maior remuneração, então, acaba sendo a maior parte da população de baixa renda no Brasil. Portanto, ocorre que a maioria dos negros acaba estudando em escolas públicas, devido à impossibilidade de pagar uma escola particular. Acontece que, tirando poucas exceções como algumas escolas – principalmente técnicas – como as etecs, o etecap, o cotuca, as escolas públicas sofrem com uma falta de qualidade preocupante. Assim, qualquer indivíduo que sai de alguma dessas escolas, independente de raça ou cor de pele, acaba prejudicado em relação ao jovem de maior renda que pode estudar em uma escola particular. Então, o baixo acesso dos negros à universidade não é diretamente fruto de uma questão racial (afinal, a cor não critério para o acesso ou exclusão nos vestibulares), mas é fruto de uma questão social, que prejudica todos aqueles que tiveram uma educação de baixa qualidade, o que é comum nas escolas públicas, que é onde a população de baixa renda estuda, população essa que é majoritariamente composta por negros.
Assim, analisando-se separadamente os dados do acesso de negros à universidade (2% dos universitários são negros, de acordo com dados do julgado), parece que há unicamente uma exclusão dessa população à universidade, mas o fato é que toda a população de baixa renda é excluída. Então, para haver maior justiça, o ideal seria que as cotas se dirigissem aos indivíduos de baixa renda e de escola pública, pois diminui a exclusão de uma população maior e ainda não há aquela polêmica discutida na ADPF de que haveria, com a instituição das cotas raciais, um prejuízo aos brancos pobres. Além disso, a instituição de uma cota racial iria beneficiar principalmente os negros mais ricos, que tiveram acesso à uma boa educação e ainda teriam bonificação. Com a instituição da cota social apenas, não haveria esse tipo de “injustiça”. Desse modo, as cotas raciais são uma maneira de mascarar a realidade de uma escola pública deficiente, assim transparecendo eficiência. Assim, não se trata de um direito verdadeiramente  emancipatório, apesar de contra hegemônico, mas apenas reformista. Ou seja, trata-se de uma instituição envolvida em tendências hegemônicas.
Outro ponto a ser discutido, é que, sendo de baixa renda e proveniente de escola pública, a dificuldade de acesso à universidade é igual entre negros e brancos, pois ambos teriam igualmente um baixo conhecimento e um mesmo mecanismo de avaliação, o vestibular. Mas, caso essas duas categorias de indivíduos consigam cursar a faculdade, o negro sai em prejuízo depois, quando precisa arrumar emprego, devido ao racismo que dificulta sua contratação. Assim, o ideal não seria estabelecer cotas raciais para o acesso à universidade, mas sim, para a contratação de indivíduos nas empresas (considero aqui que os cargos públicos, que necessitam de concurso público, não trariam essa desvantagem ao negro). Assim, o melhor seria se estabelecer uma determinada porcentagem de negros empregados em cada função em cada empresa, desde as não qualificadas até as mais prestigiadas e mais bem remuneradas.
Assim, com esse deslocamento da cota racial destinada ao acesso à universidade para uma cota racial destinada ao acesso ao mercado de trabalho, há uma maior possibilidade de igualamento de desiguais, que é o que defende Boaventura de Souza Santos “(...)temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Afinal, as dívidas históricas com os negros acabam supridas e a população branca de baixa renda não sai prejudicada.
Desse modo, as cotas raciais para o ingresso na Universidade podem até funcionar para os países de onde essa política se originou, que seria os Estados Unidos e a Índia. No entanto, o modo de acesso à essas instituições no Brasil é diferente, precisando assim de um mecanismo diferente do desses países, embora se objetive as mesmas coisas tanto no Brasil quanto nesses países. Assim, essa ideia aqui trabalhada se encaixa com o pensamento de Boaventura de Souza Santos, em que há um ponto de chegada comum e que as estratégias vão depender de cada realidade, que seria a teoria da tradução. 

Rafaela Gonella - 1° ano Direito diurno

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