sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Vozes

Poderá ser o Direito emancipatório? O professor Boaventura de Sousa Santos propõe-se, em texto de mesmo título analisar e responder a essa questão. Traçando a relação entre regulação e emancipação social em um contexto capitalista, o autor traz uma perspectiva otimista quanto ao uso dos instrumentos jurídicos para fins, como nomeados por ele, contra hegemônicos.A partir dessa concepção é possível ponderar situações presentes na realidade brasileira as quais fomentam grandes debates, tal qual as cotas raciais.
As cotas raciais em universidades brasileiras asseguram o ingresso de jovens pretos e pardos nessas instituições.Um dos principais argumentos favoráveis a essa ação afirmativa gira em torno da compensação pelos danos causados a população negra durante, e pós, escravidão. A luz de Boaventura de Sousa Santos, pode-se desenvolver uma reflexão ainda mais profunda e pertinente ao tema.
Um dos preceitos fundamentais da Constituição brasileira é o princípio da isonomia. Diante dele garante-se que todos os cidadãos terão igualdade de tratamento perante a lei e não serão vítimas de arbitrariedades que concedam privilégios ou prejuízos a grupos específicos. Entretanto, utilizando-se da hermenêutica constitucional, faz-se necessário observar tal postulado sobre outro ângulo. Considerando uma interpretação teleológica objetiva,a qual atribui uma finalidade normativa no contexto econômico, político e social;a igualdade ganha um sentido diatópico: formal e material. Destarte, é imprescindível que a legislação garanta meios materiais para concretização daquilo que ela prevê. Assim, levando-se em consideração todas as implicações históricas as quais a população negra está suscetível, e o presente racismo impondo uma marginalização estrutural, faz-se necessário uma legislação complementar capaz de garantir a igualdade.
Além disso, as cotas raciais são reivindicações de comunidades minoritárias politicamente organizadas, o que caracteriza os grupos contra hegemônicos citados por Boaventura. Quando esses grupos procuram o Direito, ou seja, a regulação social, para garantir-lhes meios de alcançar a emancipação protagonizam a transformação da justiça e consequente enfrentamento do conservadorismo, o qual utiliza-se do Estado e todo seu aparelho jurídico para subjugação dessa parte da população.
Todavia, faz-se necessário compreender a regulação como um meio e a emancipação como fim. As cotas raciais em si, tal qual todas as ações afirmativas, possuem caráter transitório e necessitam de medidas a longo prazo que solidifique sua proposição. Exemplo disso são os casos de racismo nas universidades não diminuírem com a adoção das cotas, embora tenham sofrido consequente destaque. Em grandes universidades, como a Universidade Estadual Paulista a direção trata os casos de racismo como “algo de jovens, algo normal em todas as instituições” quando confrontada acerca de pichações com conteúdo discriminatório em suas instalações. Diante disso, o sentido material da igualdade de acesso ao ensino superior não finda com a simples presença  de alunos pretos nas salas de aula.
Por fim, mantendo o otimismo um pouco perdido anteriormente, a inclusão de minorias, que antes não faziam parte da elite da graduação brasileira, obrigatoriamente emana suas demandas e faz-se ser ouvida nesse ambiente. Portanto, o popularmente conhecido “lugar de fala”, quando exercido sem imposições ou negativa de argumentos contrários, ganha uma importante definição: se antes toda a produção e discussão acadêmica era feita por meros observadores da realidade negra periférica, agora são feitas por personagens que oferecem a narrativa a cruel realidade e sensibilidade de quem realmente a viveu. A emancipação social será anunciada por nossas vozes.

Daniela Cristina de Oliveira Balduino, 1° ano - diurno

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