domingo, 23 de outubro de 2016

A transexualidade na formalidade do Direito

          Max Weber sobre a relação entre o Direito formal e o material teoriza a partir do tensionamento central deste na modernidade, a busca pela forma por classes de acordo com seus interesses. A racionalização apresenta-se de forma que reduz o entendimento das coisas de acordo com a forma posta, sem levar em consideração a realidade e o material. No Direito, a origem da esfera formal reside na esfera material da classe dominante, assim, na lógica da sociedade burguesa, a lei toma a forma dos interesses daqueles que querem se manter no domínio político-econômico; surge, então, o dever ser. Porém, o contrário ocorre quando o material dá origem ao que é colocado como forma na lei, assim, o material torna-se o “dever ser” e o Direito formal universaliza-se.
         Em sua análise, Weber constata que a razoabilidade é baseada na perspectiva de mundo da classe dominante, assim, o justo e o certo nessa visão são colocar as pessoas dentro dessa normatividade, pois importa simplesmente o cumprimento da norma (lei ou costume). Como por exemplo, o corte de financiamento a programas sociais na administração pública do Estado em razão da necessidade do pagamento das contas públicas, ou seja, o pagamento e a contabilidade têm mais valor do que a garantia de direitos de pessoas carentes de assistência governamental. Desta forma, o predomínio das determinações do mercado define o justo.
            Como também, no caso da ação movida contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo por uma transexual, requerendo a cirurgia de mudança de sexo e a alteração do registro civil. Neste ocorrido, a doutrina e a jurisprudência brasileiras têm acolhido favoravelmente pedidos como este, uma vez que se baseiam em princípios da Constituição Federal de 1988 provenientes dos direitos humanos e fundamentais salvaguardados por ela, pois os direitos suscitados são decorrentes da abertura do catálogo constitucional. Com isso, mesmo não estando explicitamente na carta, o direito das pessoas transexuais implica direitos à liberdade, à igualdade, à privacidade e intimidade, à dignidade da pessoa humana. Tal caso, relaciona-se ainda mais com o estudo weberiano, quando trata-se da patologização da transexualidade, tida como doença que foge dos padrões postos na sociedade, é tratada como enfermidade aquilo que é na verdade um problema social, já que o modo de ser de certas pessoas é reprimido pela sociedade. Destarte, a ação da transexual retrata o material pleiteando direitos sobre o formal, na tentativa de positivar-se como formalidade dentro do Direito.
            Portanto, em diversos fatos na sociedade, a forma posta na lei não representa e não tem capacidade de abranger as demandas da sociedade, uma vez que o próprio Direito não consegue prever as incoerências da vida cotiana. Assim, cabe ao Estado julgar a demanda de cada âmbito social de acordo com sua necessidade, transcendendo até mesmo as limitações práticas, burocráticas e financeiras, pois parte da boa vontade deste que tais problemas sejam sanados, tendo em vista o tamanho da máquina estatal brasileira capacitada de recursos suficientes para tal.

"Porque há o direito ao grito. Então eu grito." - Lispector, Clarice.

Quando se refere ao movimento LGBT, muitos são os prejulgamentos e as formas de maledicência. Hodiernamente, ainda é possível se observar a falta de compreensão, e até mesmo de estima, de grande parte da sociedade no que diz respeito, principalmente, a transexualidade. Muitas das vezes, os transexuais são menosprezados, até mesmo por entes próximos, ou marginalizados por não serem considerados dentro dos padrões conservadores impostos por tanto tempo.
Primeiramente é importante se conceber que a transexualidade diz respeito a indivíduos cuja a identidade de gênero é distinta daquela manifestada no nascimento, por tanto, estes buscam, por meio de intervenção médica, a transição para o gênero oposto.
O caso proposto no julgado trata exatamente de uma “Transexual que pleiteia cirurgia de mudança de sexo, bem como alteração do registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o sexo feminino. [...] A parte-autora, de corpo físico com as características masculinas, sente-se psicologicamente mulher”. Há pela parte-autora o pedido para cirurgia de alteração de sexo subsidiada pelo SUS, alteração do prenome e do gênero sexual.
É importante se ressaltar alguns fatos. A parte-autora se reconheceu como menina desde os 7 anos: “desde os 7 anos de idade, percebeu que, apesar de nascer com os atributos do sexo masculino, sentia-se desconfortável quanto ao sexo biológico, porquanto psicologicamente pertencia ao SEXO FEMININO”. Passou a ingerir hormônios a partir dos 15 anos “a partir dos 15 anos de idade, passou a parte autora a ingerir hormônios, a fim de que os seios crescessem, bem como impedir ou retardar o crescimento dos pelos, para, fisicamente, melhor assemelhar-se às mulheres”. E foi sujeita a diversos tratamentos psicológicos e psiquiátricos: “cujas conclusões são no sentido de que a parte-autora está segura quanto à realização da cirurgia de mudança de sexo.”.
Referente ao que foi pleiteado pela parte-autora, o juiz redarguiu favoravelmente, tendo válido sua deliberação em artifícios juridicamente previstos, seja pelo Código Civil ou pela jurisprudência, para afirmar o direito da personalidade para disposição do próprio corpo.
Há, de acordo com o intelectual, jurista e economista alemão Karl Emil Maximilian Weber, duas formas distintas de se considerar este caso.
A primeira se dá de modo a defender os objetivos pleiteados pela parte-autora. Weber considera que a racionalidade material “significa precisamente que as decisões de problemas jurídicos sofrem a influência de normas com dignidade qualitativamente diferente daquela das generalizações de interpretações abstratas do sentido: imperativos éticos, por exemplo, ou regras de conveniência - utilitárias ou de outra natureza - ou máximas políticas, que rompem tanto o formalismo das características externas quanto o da abstração lógica. ”. Deste modo, a decisão favorável à parte-autora poderia ser vista como uma “decisão de problemas” levando em conta os valores, visto que a parte-autora possuí inquestionável poderio a uma vivência plena de acordo com o que lhe for agradável (que no caso seria ser reconhecida como mulher, fisicamente e juridicamente). Uma vez que está decisão não afetaria a outrem, do ponto de vista weberiano, isto poderia ser considerado como completa independência das partes. Por fim, tendo o liberalismo como um princípio básico, levando em conta que o direito não deve ser interferir no ilustre direito à liberdade, a parte-autora tem como direito se tornar aquilo que lhe fará feliz: “Permitir, pois, que o transexual viva, em plenitude, a sua vida, significa dar-lhe liberdade. Dar-lhe liberdade é desaferrar-lhe das amarras que o evitam ser feliz”
Por outro lado, do ponto de vista weberiano da racionalidade formal, seria considerável a manutenção de padrões calculáveis das ações e seus efeitos. Deste modo haveria a redução do julgamento a princípios tecnicamente pré-determinados e estabelecidos conforme uma lógica interna. Os padrões heteronormativos seriam, assim, sobrepostos a vontade da parte-autora, e seu pedido seria negado, o que realmente ocorreu na sentença de segunda instância deste julgado.

É indispensável se empenhar na consciencialização e promoção da diversidade das culturas baseadas em identidade sexual e de gênero, de forma que a sociedade possa incorporar os indivíduos que, ainda, são marginalizados. O direito à liberdade e igualdade deve ser cardeal em relação aos demais, a fim de que não se impossibilite a nenhum individuo a existência plena, feliz e segura. A desconstrução de estigmas e preconceitos é o primeiro passo para essa inclusão.



(Isabela Rafael Soares, 1º ano de Direito Noturno)

Em 2013, um caso em Jales-SP chamou atenção dos jurístas brasileiros. O Juíz do município deu parecer favorável ao procedimento cirúrgico de mudança de sexo e também de seu regístro civil de uma pessoa transexual. A decisão foi amplamente discutida por colocar em contraste dois pontos de vista: um que tomaria a decisão como correta e outro como um ato irracional e ilógico. A decisão também colocou em evidência os questionamentos de Max Weber sobre a racionalização jurídica, sua generalização e sistematização do direito.
O julgado traz a decisão do Juíz que, ao invés de pautar-se na racionalização contábil (voltada para o fisco, orçamento), privilegiou a materialidade do indivíduo em suas múltiplas facetas, acompanhando a dinâmica social. O próprio Weber tinha uma concepção de que a postura moralista do direito implica uma clara distinção entre os padrões jurídicos e os padrões morais, sendo que os últimos se encontram totalmente fora da ordem jurídica e fornecem uma visão avaliativa extrajurídica do próprio direito.
Diferente do que Weber defendia como a burocracia "ideal" (que traria eficiência, organização, impessoalidade e celeridade aos tramites públicos), a realidade brasileira possui um Estado que apenas dificulta a mudança, oprime os transexuais com seus entraves e "burocracias".
No caso do julgado, a ação do Juíz foi garantidora da saúde preventiva e da vida da pessoa em questão. Uma decisão que serve de exemplo à uma dinâmica defendida por Weber, que consiste na coexistência de um Estado que consiga garantir um orçamento tão racional que possa atender todas as demandas sociais e de um respeito a direitos fundamentais como à igualdade, à dignidade humana, à vida e à liberdade.


João Eduardo Andrade Pereira - Direito noturno - 1º ano

A autenticidade e o direito fundamental à identidade

A princípio, quando temos nosso primeiro contato com o direito, imaginamos que seus dispositivos não são passíveis de contestação, todavia, numa observação mais detalhada, concluímos que tudo pode e deve ser questionado – ainda mais quando as regras ditadas e tidas como exemplares foram elaboradas pela classe detentora do poder. 
Assim acontece com o direito das transexuais. Rotuladas erroneamente pela nomenclatura "transexualismo", cujo sufixo “ismo” carrega consigo uma marca patológica, essas pessoas sofrem cotidianamente com o preconceito dessa sociedade heteronormativa presa a padrões imutáveis – seja na fila do pão, na busca por um emprego e até mesmo em ambientes acadêmicos. A humilhação à qual estão sujeitas é insuportável, levando muitas delas ao extremo de cometer suicídio. Isso é caso de saúde pública e precisa ser tratado como tal. 
Não, não é uma doença, é simplesmente um modo de ser. Nosso psicológico é assim mesmo, nem sempre está em sintonia com o físico, tanto que as intervenções cirúrgicas por pura estética são vistas com naturalidade. Por que, então, colocar empecilhos naquelas que visam o bem-estar mental do ser humano e sua aceitação social?
No caso julgado na cidade de Jales, em questão, a Transexual pleiteou a cirurgia de mudança de sexo, bem como a alteração de seu registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para feminino. Entretanto, seu caso obteve sucesso apenas em primeira instância, não conseguindo alcançar o objetivo pretendido na segunda instância. 
Ela é portadora do direito fundamental à identidade, do qual se extrai todas as possibilidades acima pleiteadas. Ademais, derivam-se desse direito a liberdade, a igualdade, a intimidade e a dignidade da pessoa humana. Como estamos inseridos no modelo capitalismo, o qual influencia também os rumos do jurídico, essas características mais ligadas ao socialismo foram deixadas de fora do contrato, os quais são condicionados por funções meramente econômicas. 
Em suma, relacionando o fato com a sociologia do direito weberiana, o status sexual inserido no conceito de personalidade do indivíduo vai muito além da questões relacionadas ao capital, alcança os desejos, as vontades e as representações psíquicas. São esses traços da ética e da pressão dos interesses de grupos que estão influenciando na reivindicação por uma justiça material, a qual caminha para uma acessibilidade maior, mesmo que seus passos sejam demasiado lentos. 

"Nós ficamos mais autênticas quanto mais nós nos parecemos com o que sonhamos que somos. " (Personagem Agrado do filme "Tudo sobre minha mãe") 




Letícia Felix Rafael - 1º ano de Direito (noturno)

Weber como fundamentação para a luta pelos direitos dos transexuais

Em 2013, na cidade de Jales (SP), houve a decisão favorável do juiz dessa municipalidade para a realização de uma cirurgia de mudança de sexo em um indivíduo transexual, bem como a mudança de seu nome no registro civil. De fato, tal resolução do caso exposto é reconhecidamente um grande avanço para os direitos dos transexuais no Brasil, uma vez que esta é uma minoria ainda muito marginalizada no país, além da decisão ser uma das medidas magistradas pioneiras que favorecem as reivindicações de mudança de sexo e nome para este grupo. Entretanto, apesar dos vários aspectos positivos advindos com esse caso, deveras foi questionada a deliberação realizada pelo juiz de Jales, fato que levou a uma grande discussão acerca dos limites entre a felicidade individual e as obrigações do Estado para com esta.
De acordo com o pensamento de Max Weber, filósofo e pensador alemão, é relevante para o equilíbrio de um Estado que este realize uma racionalização de seus gastos afim de possibilitar sua manutenção saudável. Exposto isto, parcela significativa da sociedade foi contrária à decisão supramencionada justamente por ver que o sofrimento e incômodo do transexual em questão estavam além das funções de um Estado soberano, uma vez que tal medida apenas estaria beneficiando um indivíduo isolado, além de abrir precedentes para que outros transexuais também exigissem das autoridades o mesmo que foi concedido ao primeiro. Ademais, muito se discutiu se o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro teria condições financeiras de arcar com todas as cirurgias que estariam por vir, podendo levar eventualmente a um colapso do mesmo ou marginalização de seus serviços oferecidos.
Em contrapartida, Weber acreditava que os direitos naturais presentes nas comunidades eram os responsáveis pela sua positivação posterior nos ordenamentos jurídicos das sociedades civis. Desse modo, o direito à vida, bem estar, nome e respeito deveriam ser categoricamente defendidos e assegurados a todos os cidadãos pelo Estado, estabelecendo uma igualdade formal entre todos. Além disso, Weber disserta acerca do Direito formal e do Direito material: de uma lado, o Direito formal se apresenta como o conjunto das normas jurídicas, sendo estas presas à lógica e racionalização extremadas; de outro lado, o Direito material não se restringiria apenas ao que está positivado, mas levaria em consideração valores intrínsecos à condição humana, atentando-se a ética, política, religião, etc.
Dessa forma, a garantia pelo Estado ao nome bem como ao bem-estar de cada indivíduo presente na sociedade é um direito natural, sobrepondo-se a qualquer outra oposição que subsequentemente poderia existir. A decisão do juiz acerca da operação do transexual se mostra de acordo com os princípios de garantia da felicidade pelas autoridades. Para mais, os requisitos analisados do Direito material, os quais iam além apenas daquilo presente no ordenamento jurídico, se mostraram fundamentais para auxiliar na decisão tomada.
Em suma, é necessário que o Estado organize seu orçamento para que dessa forma possa atender as demandas de todos os grupos necessitados. Por muito anos, os direitos dos transexuais foram postos de lado com base no preconceito e em argumentos financeiros, porém, este cenário não mais pode continuar, sendo dever do Estado zelar pela satisfação da sociedade sob sua proteção.

Ester Segalla dos Passos - Direito (noturno)

A transsexualidade à luz da lógica weberiana

A vida em sociedade traz, à humanidade, concepções e desafios das mais variadas naturezas que se conflitam historica e cotidianamente. Partindo desse pressuposto, faz-se possível entender o importante papel da Sociologia, por meio de seus pensadores, no que tange a interpretação de normas, julgamentos e decisões. Max Weber, nesse sentido, é considerado um dos expoentes do pensamento moderno, não só pela sua formação jurídica, mas, também, pela sua capacidade em analisar, racionalmente, diversos aspectos da realidade humana.

Segundo o pensador, no campo do Direito, a dinâmica de racionalização caminha do "material" para o "formal", ou seja, observando-se a realidade, os valores morais, as exigências éticas e políticas de um determinado grupo de pessoas num dado momento histórico, estabelece-se uma um conjunto de ações e efeitos comum a todos. Weber, entretanto, reconhece as falhas desse tipo de generealização e sistematização que reduzem as decisões a princípios tecnicamente pré-determinados, sob uma lógica interna de regras.

Nessa direção, o pensador atenta-se para a oposição entre o sentimento de justiça espontânea e o direito artificial, exatamente onde se encaixa o caso das transsexuais que pleiteiam, respectivamente, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos tribunais brasileiros, a cirurgia de mudança de sexo e a alteração do nome social. De acordo com uma análise weberiana, os chamados "direitos de liberdade" - assim como os supracitados - constituem parte essencial dos direitos legítimos, dado seu caráter racional pautado numa realidade material latente, como é o caso da transsexual do município de Jales que teve tais direitos negados pela Justiça.

Além disso, nota-se, ainda de acordo com uma lógica weberiana, a possiblidade de contestação de alguns preceitos legais em casos como o exemplificado. Weber considera a existência de uma possível dinâmica revolucionária, que seja responsável por contestar a forma e, por conseguinte, as definições mercadológicas de "justo" e de "natural". Tal mecanismo pode se fazer valer, incialmente, através do endossamento de algumas leis - na situação descrita, o dever do Estado em zelar pela saúde dos cidadãos, bem como pela sua identidade pessoal - mas, também, através de lutas, manifestações e contínuos processos de desconstrução ideológica.

Bruno Medinilla de Castilho - 1º ano de Direito - matutino

Transexualidade: entre o direito formal e material e uma decisão judicial

Em 2013, no Brasil, uma decisão judicial representou um grande avanço para os direitos dos transexuais. O juiz Fernando Antônio de Lima, na vara do juizado especial da fazenda pública da comarca de Jales, deferiu, de ofício, a tutela antecipada para que a parte-autora conseguisse a realização de seus três pedidos: a cirurgia para a mudança de sexo (que deveria ser feita pelo SUS), a alteração do nome e correspondente alteração nos documentos pessoais e a alteração no registro civil para constar não mais o sexo masculino, e sim o feminino, sendo que não poderia constar em nenhum documento e no registro civil que a alteração se deu por força judicial.
Entrando no campo jurídico, temos que o direito à identidade configura um direito fundamental e também um direito humano. Esse direito à identidade do transexual não vem expresso no catálogo dos direitos fundamentais no art. 5º, parágrafo segundo, da CF. No entanto, há uma abertura deste catálogo, podendo existir direitos implicitamente positivados, que surgem da dedução de um novo direito fundamental. Quanto ao direito dos transexuais realizarem a cirurgia de transgenitalização, no choque entre os direitos fundamentais, temos o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, onde há a proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente (omissões constitucionais). Sendo assim, o Estado deve garantir esse direito fundamental aos transexuais.
Analisando o pensamento de Weber, notamos a dualidade entre a racionalidade formal e a material. Para o sociólogo, a racionalidade formal no direito seria a que se estabelece mediante caráter calculável das ações e seus efeitos (dentro da norma), um direito puro que não sofreu influências externas. Já a racionalidade material no direito é a que leva em conta valores, exigências éticas e políticas, ou seja, é pensar nos aspecto social na norma. Desta forma, para Weber, no campo do direito, a dinâmica da racionalização vai do “material” ao “formal”. Tal aspecto é perceptível na decisão do juiz favorável a transexual, já que a sentença leva em conta o direito a liberdade e a felicidade do indivíduo, pensa em suas necessidades reais dentro de uma sociedade, ou seja, pensa no direito material e não apenas no formal(que seria seguir estritamente a norma). Dentro desta questão, podemos levantar ainda o ponto de que o transexualismo é tido como uma patologia, sendo assim, o art. 13, CC, no qual em caso de exigência médica pode fazer-se uma cirurgia, mesmo que esta implique na diminuição da integridade física, justificaria a cirurgia. Obviamente isto é um ponto positivo, já que é favorável ao direito da cirurgia ser feita pelo Estado. No entanto, é necessário uma crítica, já que como observado, é importante a influência do direito material no formal, assim, não devemos tratar como enfermidade aquilo que na verdade é um problema social. O transexualismo é um modo de ser de algumas pessoas, e o sofrimento dos transexuais está intimamente ligado com o preconceito que eles enfrentam dentro da sociedade e a falta de oportunidades. Portanto, tratar o transexualismo como patologia é adequar isto dentro da norma, seguir o direito formal, quando na verdade a justificativa para a cirurgia deveria ser social e não patológica.
Além disso, quando Weber fala no espírito do capitalismo, ele apresenta a racionalização jurídica, ou seja, estruturas do direito e da administração como molas mestras da racionalidade capitalista. Percebemos isso na questão do transexualismo, onde no mundo capitalista, a sociedade tecnológica molda os indivíduos e institui um padrão de família e um padrão sexual a ser “seguido”, não respeitando a diversidade sexual e propagando assim ideias conservadoras e o preconceito e exclusão dos que se diferem desse padrão. Assim, o direito formal acaba sendo utilizado pela classe dominante para padronizar esse comportamento. Destacando, desta forma, a importância de decisões como a do juiz em favor da transexual, que quebram esse padrão e trazem o direito material para o formal.  
Outro ponto da teoria de Weber é o tipo ideal da racionalidade do direito. Para ele “o direito objetivo vigente deve constituir um sistema ‘sem lacunas’ de disposições jurídicas ou conter tal sistema em estado latente”, ou seja, segundo o autor, o direito deveria ser rígido, não havendo espaço para modificações e adequações com a realidade. No entanto, pode-se fazer ai uma crítica, na medida em que justamente essas lacunas que abrem espaço para uma adequação do direito ao material, social, como o caso do direito dos transexuais, em que o juiz buscou entender a realidade social destes e não apenas a norma.
Enfim, observamos a grande importância de trazer a racionalidade material para a formal dentro do campo do Direito. A decisão judicial que busca adequar o direito com a realidade social, como o que o juiz foi favorável à cirurgia de mudança de sexo, de alteração do nome e documentos e do registro civil, é um dos exemplos. Além disso, temos como exemplificação também o DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016, assinado pela Presidenta Dilma Rousseff, que dispõem sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Em suma, esses casos demonstram o que Weber nos apresentou quanto ao direito entre o formal e o material e são grandes avanços para o direito dos transexuais em nossa sociedade. 


 Ana Paula Mittelmann Germer- Direito noturno

Barreiras ideológicas mascaradas de patologia

Quando um indivíduo não se sente confortável no corpo o qual nasceu, não se identifica psicologicamente com o seu sexo de origem, tem-se um quadro psicológico bastante conturbado, onde a pessoa a qual não possui identificação com suas características deseja realizar alterações físicas, como a mudança de sexo, e alterações sociais, como a mudança de nome, para que assim, se sinta parte de um grupo, e se sinta um ser humano digno, em concordância com seu próprio corpo. Trata-se de uma questão psicológica de não aceitação, de não estado de bem estar, que é agravada pela não aceitação social dessa minoria, pois as diferenças exógenas do corpo desses indivíduos com o entendimento de gênero que eles tem sobre si próprios gera preconceito, e exclusão social. Portanto o auxílio ao Estado, é solicitado, uma vez que é obrigação deste, garantir o bem estar físico e social dos indivíduos.
No entanto o transexualismo tem sido visto como patologia, de natureza hormonal, ou seja, desiquilíbrios hormonais que causam diferenças entre o gênero e o sexo do indivíduo. Ou seja, para que um indivíduo que deseja realizar a cirurgia de mudança de sexo, seja atendido e amparado pelo Poder Público, é necessário que ele admita ser doente, o que só aumenta a problemática acerca do assunto, pois a transexualidade não é doença, mas sim um caso psicológico que degraga a integridade de um indivíduo que não se sente bem com a sua forma de origem.
Podemos adequar e enxergar claramente noções weberianas no diálogo supracitado, pois é um conceito do entendimento de Weber, que o poder e a dominação – no caso acima, ambos de detenção estatal – são capazes de controlar e ter ação privativa sobre o indivíduo. O poder, a medida em que a vontade do Estado – da resistência para o auxilio e amparo – se sobrepõe ao indivíduo que busca por um direito que lhe é devidamente garantido por lei, impondo sobre ele barreiras que dificultam a realização de suas solicitações. O que ambos na concepção weberiana não atribuem sentido negativo, mas não é o que vemos, pois tais atitudes vindas do Estado são agravantes na vida dos transexuais.

 Tawana Alexandre do Prado - 1º ano Direito Noturno 

O real problema da sociedade é a intolerância

          O caso envolve uma transexual que deseja tanto a mudança de sexo quanto no registro civil, isto é, modificação do nome e do gênero. Ela já se submetia a tratamentos psicológicos e psiquiátricos para que pudesse provar que está segura em relação a cirurgia. Recomendava-se a cirurgia, já que ela estava apresentando um quadro de depressão. Os danos psicológicos, nesse caso, não eram causados somente devido a condição de estar em um corpo que não pertence ao indivíduo, mas também devido ao preconceito sofrido. Ela já utilizava roupas femininas desde os dez anos, mas percebeu um desconforto aos sete. Aos 15 anos, ela passou a tomar hormônios para ter um corpo mais feminino.
          A necessidade de aprovação de acompanhamento psicológico para que a cirurgia fosse autorizada demonstra um lado da racionalidade material weberiana: o cálculo das ações e de suas consequências evita qualquer tipo de arrependimento. A burocracia para que a paciente conseguisse fazer a cirurgia de mudança de sexo e a mudança de seu registro civil demonstra a sistematização dos processos sociais, comentada pelo autor. Além disso, as ideias do autor permitem a relação com a racionalidade material. Os valores da transexual foram atendidos, entendidos e respeitados pelos juízes, por mais que isso desagradasse outros grupos. É inegável que a aceitação da cirurgia e a mudança dos documentos foi a solução correta, pois, segundo Weber, é legítimo somente o direito que não contradiga a razão. O direito de identidade é um direito fundamental e não contradiz a racionalidade, não produzindo lacunas.
          Esse direito citado acima é derivado do direito fundamental que expressa liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana. O direito à liberdade garante que todos os indivíduos são livres para obterem felicidade da forma escolhida por eles, desde que não violem nenhum direito alheio. A transexual tem toda liberdade para viver da forma que ela quiser, pois isso não interfere na vida de ninguém. Além disso, todo ser humano tem garantido o direito de igualdade e deve ser tratado de forma igualitária pelo Estado e pelos outros cidadãos, sem nenhum tipo de distinção ou preconceito. O direito a intimidade da transexual remete a privacidade de sua escolha íntima e pessoal, assegurada contra invasões.
          Então, se analisarmos os fatos e considerarmos as leis, é notável que a decisão foi certa: o Estado deve fornecer os equipamentos para a cirurgia e deve garantir a possibilidade da mudança de nome e de gênero e, caso não os faça, estará desrespeitando as próprias normas.
          Não se deve esquecer que a transexualidade não é uma patologia. Se há, de fato, alguma patologia, ela é derivada da sociedade, que não sabe aceitar as diferenças e as tratam como doenças. Doente é um sistema que não prevê integração social para todos, que permite o preconceito, a desigualdade e diversos outros problemas sociais. O problema da sociedade se resume a um: intolerância.
Mariana Smargiassi - Primeiro ano de direito (diurno)

A Relação Social de Weber e a Transexualidade

O julgado referente à transexual que pleiteava a cirurgia de mudança de sexo, além da alteração do prenome e do gênero sexual, revela a dificuldade, a negligência e o preconceito ainda existentes em relação a esse assunto. Trata-se de um caso em que a parte-autora não se identifica, psicologicamente, com o gênero sexual presente em seu corpo e, por conta disso e das consequências psicológicas dessa não identificação, requer que sejam atendidos os pedidos supracitados.
Os meios utilizados para comprovar sua situação foram laudos psicológicos e atestados psiquiátricos mostrando sintomas depressivos com tendências à automutilação. Para o Conselho Federal de Medicina, tais sintomas caracterizam o desvio psicológico permanente de identidade sexual, considerado uma patologia,  condição necessária para se obter a cirurgia de mudança de sexo sem que enseje dano ilícito  à integridade física. A necessidade de enquadramento em uma "patologia" para se ter acesso à cirurgia demonstra o preconceito com essas pessoas. Felizmente, o Conselho Federal de Psicologia considera essa situação apenas como uma forma de ser, e não mais uma doença.
A transexual recorreu a tratamento psicológico e relatou ao Ministério Público te-lo iniciado no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), que confirmou ser o procedimento destinado à realização da cirurgia no futuro. Entretanto, o Hospital não mais se prestou a continuar o tratamento, e nem a realizar a cirurgia, mediante alegação de falta do convênio com o SUS (além de não encaminhá-la para outro hospital que poderia fazer esse convênio). Esse comportamento do Hospital materializa a negligência e a dificuldade em se conseguir o procedimento de transgenitalização. Por fim, a decisão do Tribunal foi no sentido de autorizar a realização dos três pedidos, passando a cirurgia a ser feita em São Paulo.
Vale recordar os conceitos de Weber sobre PODER e DOMINAÇÃO. Para ele, poder consistia na possibilidade de a vontade de um sobrepor a vontade de outro, de forma impositiva, mesmo contra  resistência. O comando, aqui, não é necessariamente legítimo. Já a dominação é a probabilidade de um senhor contar com a obediência dos que, em tese, devem obedecê-lo. A obediência, neste caso, fundamenta-se no conhecimento das ordens que lhes são dadas. No caso acima relatado, a ausência de fornecimento dos meios necessários para proteger o bem jurídico "identidade"  mostra o poder do Estado sobre a intimidade da pessoa, de forma que a impossibilidade de realização da cirurgia determinada pelo Hospital foi uma imposição ilegítima e não fundamentada que encontrou resistência da parte em desvantagem. Nota-se que dominação, para Weber, não tem sentido negativo. 
Ressalta-se também a noção weberiana de AÇÃO SOCIAL, que é um comportamento humano ao qual o ator atribui um sentido e, de acordo com esse sentido, se relaciona com o comportamento de outras pessoas. A forma de organização da ação social é a RELAÇÃO SOCIAL, que existe quando o sentido atribuído a cada ator se relaciona com as atitudes do outro, sendo suas ações mutuamente orientadas. Um dos meios de se obter a regularidade da relação social seria o Direito. Essa regularidade, a priori, padronizaria a sociedade ao orientar todos os comportamentos para um mesmo sentido. Entretanto, para Weber, não era possível a existência de normas gerais aplicadas a todos da mesma forma, devido a complexidade de cada um. Defendia a "leis causais", com base científica e enaltecendo a individualidade. O foco, portanto deveria ser no indivíduo, e não no conjunto. No caso da transexual, o Direito atuou no sentido de permitir que a ação querida pelo autor fosse realizada ao modificar o comportamento do Estado, passando este a agir com orientação mútua em relação à transexual. Ambas as partes agiram no mesmo sentido. Considerou-se a individualidade da transexual, o que possibilitou a proteção da identidade da parte.
Em suma, denota-se de tudo isso a importância de salvaguardar os direitos humanos, que permitem ao indivíduo ter uma existência autêntica, independente do lugar que ocupa na organização racional. Permite que se explore e enalteça a individualidade de cada um e que não se condene a forma de ser de ninguém. O respeito às complexidades de cada ser humano é necessário ainda hoje, em contraposição à padronização da sociedade, e a relação social de Weber deve ser aplicada no sentido de aumentar a empatia social e garantir a efetividade dos direitos fundamentais. 

Marina Araujo da Cunha, 1º ano, Diurno.