A indubitável influência de Marx para as noções do direito contemporâneo

    Inicialmente é válido pontuar a importância dos ideais marxistas para toda a construção do mundo do direito contemporâneo. Na medida em que foi a partir das ideias de Marx e Engels, que foi possível analisar o direito de uma perspectiva mais crítica. Baseando-se na superestrutura, Marx colocou o direito como integrante desse conceito, sendo ele, também objeto da influência ideológica da classe dominante, a burguesia, e usado como instrumento de alienação e dominação dos proletariados.

   Essa crítica está amparada em diversos aspectos da ideologia de Marx, que auxiliam na explicação dessa perspectiva. Segundo Marx, a infraestrutura é a base material de uma sociedade, sendo ela responsável por integrar noções como o modo de produção e consequentemente, as relações de produção. Esta, com base na corrente marxista, é onde está integrado as leis, valores e ideais. É a base material que determina quais leis e valores tendem a se formar na mentalidade social das pessoas.

   Outra compreensão importante para compreender o filósofo-economista é a superestrutura. Nesse sentido, o conceito representa o aspecto ideológico da sociedade. O qual deriva a política e as instruções normativas. Essa definição estaria ligada ao conceito de alienação, em que a classe dominante usa seu poder advindo das relações de produção para perpetuar a sua ideologia e manter a exploração do proletariado, a mais-valia. Sendo as leis burguesas e a política exemplos dessa alienação.

   São ligações interdependentes: enquanto a infraestrutura é o ponto de partida para formar a ideologia dos indivíduos, é a superestrutura que perpetua as relações de produção da infraestrutura.

   Segundo Marx, seria a partir do ponto em que os proletariados tomassem consciência dessa relação de produção exploratória, de mais valia, e tivessem a ciência de que estavam sendo alienados, é que seria possível reformular as relações de produção e interromper a alienação. O que criaria uma sociedade em que os próprios indivíduos reconhecem sua igualdade e conseguem criar um ordenamento jurídico condizente com a nova organização social.

   Evidencia-se, portanto, a importância da ideologia marxista para as bases do direito contemporâneo e da crítica que é feita aos sistemas legais burgueses. Sendo possível afirmar, que sim, existe lugar para as ideias marxistas na formação e atuação do jurista.

Samuel Jeronimo dos Santos – 1° ano – Direito (Noturno)

Nem tudo deveria ser natural

 O positivismo é uma corrente sociológica que tem por fim o estudo dos fatos concretos, em uma abordagem que os observa como fatores naturais a evolução social. Já a física social busca estudar os fenômenos sociais da mesma maneira que as outras ciências como a astronomia ou a física, por exemplo, ou seja através do método cientifico.

    A partir desta análise, é possível notar que a perspectiva de abordar certos fatores como naturais é um tanto quanto perigosa. Na medida, que seria válido ressaltar teses absurdas como a superioridade ariana, que poderia vista como algo natural, e, portanto, seria legitimo baseando-se no meio de compreensão meramente positivista. Logo, é necessário pontuar que uma ideologia que poderia chancelar algo como a eugenia factualmente não é a melhor maneira de observar o mundo.

    Já no Brasil o positivismo está presente na história e ainda se mantém atualmente. Acerca disso, é importante ressaltar a presença dos dizeres positivistas “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil, essa frase se origina do fato dos militares seguirem a doutrina positivista, e por conta do protagonismo do grupo durante a Proclamação da República e dos dois primeiros presidentes terem sido militares a frase chegou à bandeira da nação. 

    Desse modo, é evidente a importância do positivismo para as ciências humanas, haja visto sua contribuição de incluir o método cientifico e colocar os fatores sociais como passiveis de crítica racional e de comprovação empírica. No entanto, é válido ressaltar que, sua aplicação no estudo do direito possui seus questionamentos. O respeito as normas legais, fundamentadas do ponto de vista racional e na preservação de um Estado de direito, ao não considerar os direitos naturais ou inerentes ao ser humano, tem como consequência a abertura para a criação de leis, que do ponto de vista ético, seriam consideradas absurdas, sendo apenas legitimadas pela existência de certa legislação.

 

Samuel Jeronimo dos Santos – 1° ano – Direito (Noturno)

 

O Funcionalismo e o encarceramento em massa no Brasil: A “resistência” como mecanismo de controle social.

Concessões e negações

A Queda da Bastilha no contexto da Revolução Francesa do século XVIII representou a quebra de paradigmas associados ao encarceramento físico e metafórico de uma população. Analogamente, no âmbito hodierno, o sistema prisional atua como mecanismo de controle social à medida em que marca o monopólio de uma classe sobre a outra. Ademais, a evolução dos sistemas de punição ao longo da História da humanidade carrega estigmas no que tange à sua finalidade. Logo, a restrição da liberdade de forma isolada não auxilia na maior segurança da sociedade e está pautada em uma dinâmica social dominante.

Em uma análise primordial, é claro que a integridade moral do meio coletivo está em defasagem ao passo que o aprisionamento no Brasil visa a reclusão das minorias em detrimento da restituição dos encarcerados à sociedade. Em viés histórico, essa dinâmica foi replicada na Revolta da Chibata durante a República Oligárquica por meio do castigo físico extenuante infligido ao marinheiro negro João Cândido. Infelizmente, esse episódio escancara as heranças da escravidão na sociedade brasileira ao demonstrar as marcas deixadas por ela na mecânica das punições que remetem à época, na qual as minorias são as mais atingidas em virtude de um modelo social consolidado.

Ademais, a lotação das cadeias atua como forma de dominância social. Conforme elucida o filósofo pós-moderno Michel Foucault, em sua obra “Vigiar e Punir”, a transmutação das principais formas de punir conforme a evolução da história consagrou o modelo coletivo no qual aqueles que detém o monopólio do corpo social exercem seu poder por meio do sistema penitenciário. Sob essa ótica, fica claro que o papel da restrição da liberdade em uma sociedade cristalizada denota o caráter tendencioso da justiça brasileira, na qual a classe social dominante é privilegiada com concessões e abrandamento nas penas, enquanto os dominados vivem as deficiências do ambiente carcerário perpetuadas pelo modelo de “resistência” engendrado na sociedade, que legitima a exploração dos menos favorecidos.

Portanto, o encarceramento em massa no Brasil não tem tornado a sociedade mais segura, mas sim reforçado a condição estratificada do coletivo brasileiro. Certamente assim como João Cândido muitos sofrem as consequências do passado escravocrata nacional que mantém suas impressões no sistema judiciário. Para mais, o modelo construído por Foucault em “Vigiar e Punir” demonstra o engessamento social no que tange à manutenção das estruturas de poder. Sob tal viés, é necessário derrubar a “Bastilha” contemporânea revolucionando o ideal estamental implantando no cerne do sistema punitivo.

A ideologia alemã visível dentro da corrosão do caráter

 

    Na obra “ A corrosão do caráter” escrita por Richard Sennett, o autor explora a esfera moderna e os impactos que o capitalismo gera no senso de integridade e objetivos pessoais que antes eram encarados como fundamentais para forjar o caráter pessoal.

   Nesse mundo capitalista onde houve modificações no que se refere ao trabalho, também houve na classe dominante, que segundo Marx e Engels no livro “A ideologia alemã”, está dividida entre duas categorias de indivíduos dessa mesma classe, que são os pensadores, ideólogos ativos que teorizam e elaboram ilusões que essa classe tem de si mesma e os que recebem esses pensamentos de forma receptiva mas que na verdade são os membros ativos dessa classe.

   Associando esse conceito com a obra de Sennett, no primeiro capítulo, denominado ‘’Deriva’’, duas figuras são mencionadas como exemplos para auxiliar o autor a desenvolver seu argumento de que as pessoas estavam famintas por mudanças e que a origem dessa fome de mudança seria o desejo por retornos rápidos. Essas figuras são James Champy e Bennett Harrison. E é intrigante porque Champy é conhecido por prestar consultorias a executivos de empresas multinacionais que buscam melhorar o desempenho dos negócios, enquanto Harrison é favor de um maior envolvimento do governo na economia dos EUA, e até elaborou planos de desenvolvimento econômico para o senador Fred Harris de Oklahoma em 1972.

   Neste cenário, pode-se afirmar que os tais pensadores anteriormente mencionados por Marx e Engels, incluídos dentro da classe dominante, seriam alguém como essas duas personas, pois vivem dentro deste ambiente de pessoas com alta renda e as aconselham intelectualmente a tomarem certas decisões. E os que recebem de forma receptiva e que na realidade são os membros ativos dessa classe seriam justamente os executivos dessas empresas que posteriormente geram empregos para outras pessoas e o senador que possui um papel crucial dentro da política.

   Portanto, utilizando dois nomes da perspicaz obra de Sennett, fica evidente como os indivíduos que influenciam decisões e direções dentro do sistema econômico capitalista desempenham um papel essencial na moldagem do curso dos eventos. No entanto, ao final, emerge a observação de que a verdadeira ativação desse poder reside naqueles que de fato tomam as decisões e implementam as políticas, como os executivos corporativos e os políticos. Esses indivíduos não apenas moldam o rumo de um sistema, mas também influenciam diretamente a vida de inúmeras pessoas.

 

O MARXISMO E O ÂMBITO JURÍDICO

 

   Na concepção de Marx, o movimento social passa a existir quando as ações práticas começam a ser executadas, trazendo esse conceito para um ambiente estudantil, durante a formação acadêmica, os alunos que futuramente irão atuar em determinada área se deparam com algumas questões que necessitam da mobilização para que a diferença seja feita dentro da faculdade, um exemplo seria a luta dos estudantes da UNESP Franca para conseguir que o Restaurante Universitário esteja disponível no período noturno, algo que se efetivou devido a persistência dos mesmos. 

   Refletindo mais a fundo, o marxismo pode ser levado em consideração na formação de um jurista no que se refere ao lado crítico, visto que vivemos dentro de uma sociedade desigualmente econômica e social e que dentro do direito merece ser analisado criticamente. No livro ‘’Karl Marx e o Direito’’ escrito por Francisco Pereira, o autor diz que o direito é um campo tão dominado por ideias conservadoras que os juristas de visão crítica, muitas vezes até muito moderada, são encarados pela dogmática jurídica de forma desconfiada. E estudar a relação entre o Estado, o direito e a luta de classes é fundamental porque em teoria, no geral, os indivíduos tem a imagem de que o Estado é uma instituição que supostamente representa a vontade geral e nem sempre os grupos oprimidos e marginalizados são amparados por esse organismo. 

   Além disso, é interessante um jurista que está atuando em seu cargo ter a consciência de como as decisões jurídicas podem impactar as condições de vida de tantas pessoas. Portanto, há a possibilidade da abordagem de Marx ser considerada na vida acadêmica e profissional de um jurista, uma vez que as estruturas socioeconômicas e as relações de poder são elementos que contornam o âmbito jurídico. 

 

Trabalho e identidade

 

Marx, em seu livro “A Ideologia Alemã”, discute como os métodos de produção influenciam não apenas a vida prática das pessoas, mas também suas identidades. Essa visão é contemporaneamente ilustrada por Sennett em "A Corrosão do Caráter", onde temas como tempo, mobilidade social e fraquezas de caráter são abordados.

Na história de Rico e Enrico, pai e filho, vemos dois modos de vida contrastantes. Enrico adota um ritmo mais lento e estável, buscando equilíbrio e consistência em suas atividades. Por outro lado, Rico, em sua busca pelo sucesso rápido, sacrifica tempo pessoal e enfrenta um ritmo frenético de trabalho, representando a pressão do novo capitalismo, onde a ascensão social é associada ao comprometimento extremo. Esses exemplos evidenciam como a forma como as pessoas constroem suas vidas está ligada à sua identidade e qualidade de vida. O estilo de vida acelerado de Rico reflete as pressões do mundo contemporâneo, onde a busca pelo sucesso muitas vezes leva ao esgotamento e à perda de conexões sociais.

Essa dinâmica entre os personagens ilustra a precarização e insegurança presentes nas relações de trabalho contemporâneas. Rico está imerso em um ambiente onde a busca pelo sucesso muitas vezes leva à alienação e à desconexão das próprias necessidades pessoais e emocionais. As preocupações levantadas por Sennett e Marx ecoam o contexto atual de alta competitividade e pressão por desempenho. Muitos trabalhadores enfrentam demandas excessivas, o que pode resultar em fadiga e esgotamento, afetando negativamente sua saúde física e mental. Em suma, a relação entre produção material e identidade continua sendo uma questão relevante e atual. É fundamental repensar as práticas de trabalho e promover um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal, visando o bem-estar e a realização das pessoas em suas múltiplas dimensões.

O Papel do Marxismo na Formação e Atuação do Jurista: A Importância da Luta Contínua

No dia 11 de Abril, em comemoração aos 30 anos do CADir (Centro Acadêmico de Direito da Unesp de Franca), foi realizada uma palestra com pessoas que passaram pelo movimento estudantil em diferentes períodos.  Durante o evento, uma palavra ecoou de forma constante e enfática: luta. Falou-se muito sobre as batalhas do centro acadêmico em prol das reivindicações dos estudantes, sobre a necessidade de lutar pelos direitos conquistados de forma contínua e sobre como, se não houver uma constante vigilância, é fácil retroceder e perder o que foi conquistado.

Diante dessa discussão podemos nos perguntar: existe espaço para o marxismo na formação e atuação do jurista? O pensamento marxista, tem suas raízes na análise crítica das relações sociais, econômicas e políticas. Enfatiza a importância da luta de classes e da transformação social para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. Para um jurista, o marxismo pode ser uma ferramenta poderosa para entender as estruturas de poder, as desigualdades e as injustiças presentes no sistema legal, questionando as relações de dominação e exploração, buscando promover uma prática jurídica mais consciente e comprometida com a justiça social.

Assim como o centro acadêmico defende a importância da luta para manter e expandir os direitos dos estudantes, o jurista engajado também deve estar disposto a lutar pelos direitos e pela justiça dos cidadãos. O marxismo, nesse contexto, pode oferecer uma visão crítica e transformadora para a atuação jurídica, incentivando-os a questionar as estruturas de poder, a defender os direitos dos mais vulneráveis e a buscar um direito mais inclusivo e democrático. Portanto, sim, existe lugar para o marxismo na formação e atuação do jurista, especialmente no que diz respeito à luta contínua na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Existe espaço para o marxismo na formação e atuação do jurista?

Sem enrolação e de maneira prática e objetiva, a resposta é sim!

Nos tempos hodiernos, muitos juristas são fortemente influenciados e baseiam suas decisões no que é chamado de positivismo jurídico – pensamento fundamentado tão somente nas normas, sob uma perspectiva crua, leviana e, por vezes, aporofóbica da realidade. Nesse sentido, o marxismo como base na formação e atuação do jurista vem para combater essa ideia excludente e para formar profissionais com pensamento crítico e conscientes, questionando como as estruturas legais refletem e mantêm as relações de poder na sociedade e como combater as desigualdades e injustiças presentes no sistema jurídico.

Ademais, a influência do marxismo nessa área de formação e atuação dos juristas pode trazer mais consciência social, capacitando-os a advogar de forma mais eficaz em prol da justiça social, uma vez que haveria uma compreensão mais profunda das questões sociais e econômicas implícitas e inerentes aos casos legais.

Portanto se houvesse uma maior influência do marxismo na formação e, por conseguinte, na atuação profissional dos juristas, é possível afirmar que suas decisões seriam mais justas, sob uma análise crítica dos casos, além de combater decisões inspiradas do positivismo jurídico que só prejudicam ainda mais as classes desfavorecidas da sociedade, como pôde ser visto e elucidado em diversos casos de injustiça comentados na palestra do CADir.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

Os Fatos Sociais e o Direito

         Para Durkheim, fatos sociais são o objeto da Sociologia e consistem em maneiras de agir, pensar e sentir que existem fora das consciências individuais e dotadas de uma força coercitiva e imperativa que se impõe a eles, como o direito e os costumes. Portanto, as ideias e tendências das pessoas possuem uma influência externa.

        Além disso, os fatos sociais são maneiras de fazer e também maneiras de ser coletivas, que compõe a estrutura política de uma sociedade. Nesse contexto, o direito, em especial o direito público, é o responsável por entender as divisões e fusões políticas, que possuem um conteúdo moral, além de determinar as relações domésticas e cívicas da população.

    Ademais, Durkheim distingue dois conceitos importantes: a Solidariedade Mecânica e a  Solidariedade Orgânica. Sob essa perspectiva, o autor discorre sobre a chamada consciência coletiva, que consiste no conjunto difuso de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros da sociedade. 

     Desse modo, na Solidariedade Mecânica, um ato criminoso ocorre quando as condições consolidadas e definidas da consciência coletiva são ofendidas. Como, quando ocorre um homicídio. Dessa forma, esse direito repressivo classifica dois tipos de crime: quando há uma dessemelhança muito violenta contra o agente que os executou e o tipo coletivo ou quando ofende-se o órgão da consciência coletiva.

        Já a Solidariedade Orgânica está pautada na divisão do trabalho social, que visa manter as funções concorrendo de maneira regular. Desse modo, ela só é possível se cada um tiver sua esfera própria de ação e, então, uma personalidade. Portanto, nessa conjuntura, o direito acaba tendo uma grande importância no que tange à regulação das diferentes funções da sociedade. 


 

A existência da teoria jurídica de Marx

 

De qualquer forma, é inegável o quão convincente foi Marx intelectual para determinadas ciências e por isso suas teorias são estudadas em diversos contextos atuais e, portanto, não podem deixar de ser aplicadas ao direito.

Portanto, com efeito, este artigo visa provar que a teoria de Marx também não pode ser aplicada à jurisprudência e, embora não se possa dizer que Marx tenha desenvolvido sua própria teoria da jurisprudência, ele também estava comprometido com o assunto.

 

Portanto, pode-se dizer que, assim como o Estado como disse Marx, o direito não se origina da vontade geral, nem se origina do direito natural. A lógica jurídica baseia-se na própria prática, na história social e produtiva da humanidade. Isto significa que as leis são formuladas com base nas necessidades históricas e são concebidas para corrigir as relações de produção capitalistas. Desta forma , de acordo com Marx, sempre que o capitalismo produz novo Mecanismos e leis também são necessários para formular novos instrumentos jurídicos que possam regular esta relação de produção.

Reconhecendo que o direito de Marx se baseava em aspectos secundários, não podemos, portanto, dizer que ele desenvolveu uma teoria sobre esta ciência, embora nos seus escritos tenha mencionado a correlação entre o direito e as relações econômicas de produção. A análise do direito de Marx reflete principalmente as teorias subsequentes de Marx.

 

Na verdade, o seu propósito é eliminar o desconhecimento da comunidade acadêmica sobre as teorias jurídicas sistematicamente propostas e estudar o direito como reflexo das relações sociais de produção capitalista na perspectiva de Karl Marx.


Leonardo Souza da Silva

quarta-feira, 24 de abril de 2024

 

O papel do positivismo na construção do Brasil enquanto república.

 

Ordem e progresso?

 

No contexto da instituição da Primeira República, observou-se a forte influência da filosofia positivista no que tange à formulação teórica do modelo de governo. Nesse contexto, a ascendência do militarismo e autoritarismo situava o Brasil em dois âmbitos: o idealizado e o real; nesse cenário o país vivia a dicotomia entre a instauração de um modelo positivista de progresso para as elites e a perpetuação do atraso e da miséria para as classes menos favorecidas. Assim, fica claro que o papel do positivismo no Brasil foi de completa exclusão social.

Em princípio arguitivo, o positivismo comteano estabeleceu as bases para a instauração de uma noção de evolução restrita às elites. Indubitavelmente, na esfera política da República Velha, o ideal de racionalidade e laicidade era reduzido somente aos mais privilegiados; apesar de mudanças na constituição de 1891 transcender conceitos ultrapassados em relação à “Constituição da Mandioca”, essa noção de ampliação dos direitos não passava do papel. Dessa forma, a física social tão valorizada pelos militares brasileiros não passava de uma faceta ilusória de progresso.

Ao mesmo tempo, nota-se uma contradição grave no que tange ao lema estampado na bandeira nacional em oposição à realidade social do país: As efervescências coletivas encontraram seu apogeu no contexto da República da Espada. Indubitavelmente, movimentos como a “Revolta da Chibata” e a “Guerra de Canudos” escancaram a divergência entre a realidade do povo brasileiro e o pensamento positivista tão difundido pelas autoridades, de modo que essa filosofia na esfera brasileira só tenha servido para legitimar o autoritarismo desenfreado militar e a negligência da realidade socioeconômica da maior parte do país.

Portanto, fica claro que, apesar do positivismo alçar um ideal de progresso científico e social, no Brasil, tal princípio se restringiu às elites e aprofundou o estado de miséria da população brasileiro. Ademais, assim como Antônio Conselheiro, muitos sentiram na pele os efeitos da legitimação da violência por meio do positivismo. Assim, nessa esfera, o conceito de “Ordem e Progresso” torna-se falacioso.

terça-feira, 23 de abril de 2024

A "crise moral" na modernidade

    A Física Social, ou Sociologia, é a ciência que estuda os fenômenos sociais e procura descobrir suas leis universais invariáveis. Desse modo, seus materiais de estudo são os fatos sociais, que consistem nos objetos de observação da sociedade.

    Conforme todo o desenvolver das ciências naturais, observou-se a necessidade da criação de uma ciência social positiva: a Física Social, dotada de universalidade. Porém, atualmente existe uma grande crise vivida pelas nações mais civilizadas, já que existem duas tendências antagônicas, uma de desorganização e outra de reorganização do sistema social.

     Dessa forma, para Comte, há uma "crise moral" na modernidade. Isso ocorre pois, o cristianismo católico universalizou a moral, e seus preceitos foram sendo levados a uma consagração puramente racional com a observância a influência real de cada conduta sobre os indivíduos ou o coletivo.

    Como pode ser observado no caso da filha que sofreu uma agressão física de seu próprio pai, sendo atingida diversas vezes por um fio de televisão e depois, tendo seu cabelo cortado. Porém, o pai e o juiz entenderam que isso foi apenas uma correção, já que a menina de 13 anos tinha perdido sua virgindade. 

  

Marxismo como ferramenta jurídica

Há espaço para o marxismo na formação do jurista. O marxismo, oferece uma perspectiva  relevante para a compreensão do direito e sua relação com as estruturas de poder e as relações sociais.


Ao estudar o marxismo, o jurista adquire uma compreensão mais profunda das relações de classe, das desigualdades e das contradições presentes na sociedade. Isso permite uma análise crítica das leis e das instituições jurídicas, revelando como elas muitas vezes refletem e perpetuam as relações de poder existentes.


O marxismo também destaca a importância das condições materiais e econômicas na formação do direito. Ao considerar as relações de produção e a distribuição desigual de recursos, o jurista marxista entende que o direito não é neutro, mas sim uma ferramenta utilizada pelas classes dominantes para manter seu poder e privilégios.


Além disso,ao considerar as condições sociais, econômicas e políticas em que as leis foram criadas e como elas evoluíram ao longo do tempo. Essa abordagem permite questionar e desafiar as estruturas jurídicas estabelecidas, buscando uma transformação social mais justa.


No entanto, é importante ressaltar que a inclusão do marxismo na formação do jurista não implica em uma adesão cega ou exclusiva a essa teoria. O estudo do marxismo deve ser complementado por outras correntes de pensamento e abordagens jurídicas, a fim de enriquecer o debate e promover uma visão mais abrangente do direito.


Vale ressaltar que, o marxismo na formação do jurista contribui para uma compreensão mais crítica e consciente do direito, permitindo uma análise mais profunda das estruturas de poder e das desigualdades presentes na sociedade. Isso pode levar a uma prática jurídica mais comprometida com a justiça social e a transformação das estruturas injustas e opressivas.

Corrosão Do Caráter E Marx

 Richard Sennett, na obra ‘’A Corrosão Do Caráter’’ descreve uma situação contemporânea em que a sociedade valoriza cada vez mais a flexibilidade e a adaptabilidade dos indivíduos em relação a estabilidade e a continuidade .O autor argumenta que esse destaque na flexibilidade e na busca constante por novas oportunidades profissionais e pessoais está causando uma corrosão do caráter, dificultando a formação de relações duradouras e comprometendo a construção de identidades sólidas. Nesse contexto, as pessoas são levadas a priorizar o desempenho imediato e a se adaptarem rapidamente a diferentes contextos, deixando de lado valores como lealdade, compromisso e solidariedade. Ademais, o autor explora como a ênfase na flexibilidade também afeta as relações pessoais, ele argumenta que, ao priorizarem a busca por novas experiências e relacionamentos, as pessoas podem se tornar menos capazes de desenvolver relações profundas e duradouras, comprometendo a construção de laços sociais sólidos.

Sob tal perspectiva, podemos comparar tal ponto de vista com o seguinte trecho do livro ‘’A Ideologia Alemã’’ :

“ca me tornar caçador, pescador ou crítico. Essa fixação da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto pessoal em uma força objetiva que nos domina, escapando ao nosso controle, contrariando nossas expec- tativas, reduzindo a nada nossos cálculos, é até hoje um dos momentos capitais do desenvolvimento histórico. É justamente essa contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo que leva o interesse coletivo a tomar, na qualidade de Estado, uma forma independente, sepa- rada dos interesses reais do indivíduo e do conjunto e a fazer ao mesmo tempo as vezes de comunidade ilusória”

No trecho mencionado, Karl Marx e Friedrich Engels discutem a fixação da atividade social e a consolidação do nosso produto pessoal como uma força objetiva que escapa ao nosso controle. Isso leva a uma contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo, levando o interesse coletivo a se tornar independente e separado dos interesses reais do indivíduo e da comunidade. Essa contradição é considerada um momento importante no desenvolvimento histórico.

 Assim, ao passo que Sennett expõe os malefícios que a flexibilidade pode gerar na sociedade e em suas relações, os autores do trecho exibido mostram como a não flexibilidade também podem ocasionar divergências. Ambos destacam a contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo, enfatizando como essa contradição pode levar o interesse coletivo a se tornar independente e separado dos interesses reais do indivíduo e da comunidade. Essa reflexão sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade é central tanto no trecho citado como na obra de Sennett, que discute os efeitos da cultura do capitalismo tardio na formação do caráter e na experiência do trabalho.

A Corrosão de Caráter e a Rotina

     No período de construção do que entendemos hoje por “capitalismo”, as relações de produção foram abruptamente alteradas gerando, ali, uma condição de dominação e submissão entre empregadores e empregados. Nesse período, a força de trabalho era oferecida pelo proletariado, o qual era excluído da atividade intelectual, guardada na mão dos detentores dos meios de produção. 

      Dentro desse contexto, em sua obra “A Corrosão do Caráter”, Richard Sennet analisa o fenômeno da “Rotina”, em que os operários são submetidos àquele trabalho repetitivo, cansativo e muitas vezes insalubre (como no caso da fabricação de papel, que é ressaltada no capítulo), de forma que a operação se torna automática, ou seja, enquadra-se na ideia de “Rotina”. Dentro disso, o autor destaca certa analogia: “O mestre-escola que insiste em que o aluno decore cinquenta versos de um poema quer ver a poesia armazenado no cérebro dele, para ser recuperada à vontade e usada no julgamento de outros poemas”, em outras palavras, a insistência para que os trabalhares dominem certas habilidades incansavelmente repetitivas até que se tornem automáticas satisfaz os interesses de seus superiores, buscando sempre o maior lucro sobre aquele trabalho que está sendo realizado.

     Nesse contexto, Marx e Engels analisam em sua obra, “Ideologia Alemã” que os interesses da classe dominante prevalecem, muitas vezes tornando-se um senso comum entre a sociedade que controlam, uma vez que é essa classe que detém o domínio intelectual. Sob essa perspectiva, é possível entender o motivo da subordinação do proletariado e a forma como essa se manifestava terem prevalecido durante um período tão longo de tempo, tendo em vista a influência que a classe alta da sociedade e seus pensamentos exerciam, a ponto de normalizar as condições em que aquelas pessoas trabalhavam.              Além disso, as próprias propagandas da época divulgavam rostos seremos e satisfeitos com o exercício dessa mão de obra, o que colaborava para a normalização desse cenário. Como destacado por Sennet, “há bons motivos para o Rico se esforçar por compreender a época em que vive”, o que se confere nesse caso, uma vez que, através da dominação intelectual, propaga-se a ideia do trabalho como algo natural e benéfico em suas condições para todos, além de entenderem a melhor forma de enfatizar esses costumes que atuam em seu favor.

Marxismo no estudo do Direito?

     Marx, sendo um estudante de Direito da Universidade de Berlim, um dos principais centros jurídicos de sua época, deparou-se com uma reflexão que perpetua e instiga inúmeros debates até a contemporaneidade, a qual consiste na análise do Direito como instrumento de repressão.

     Em todo o seu estudo, o filósofo se debruça sobre a submissão da classe menos favorecida em relação àqueles que detêm os meios de produção e, em determinado ponto, aponta a atuação do direito como fator de grande influência no cenário da disputa de interesses pelo capital e explana, dentro dessa perspectiva, a forma como seus colegas juristas portavam-se em relação às necessidades da classe trabalhadora.

    É evidente que o corpo jurídico atual, no Brasil assim como na maioria dos Estados, é predominantemente composto por opositores ao pensamento marxista. Dessa forma, a contribuição do pensamento de Marx na formação do estudante de Direito é possivelmente comprometida. 

      Por outro lado, principalmente no que diz respeito ao Direito Trabalhista, surgem esforços, muitas vezes necessários, na luta pela abordagem e reflexão sobre alguns conceitos do pensamento de Karl Marx, tal como a chamada “Mais Valia”, termo de significativa importância no estudo voltado para as relações trabalhistas dentro do capitalismo. Porém, embora a busca por essa pequena parcela de juristas exista e tenha sua relevância, em um campo geral, há pouco espaço para manifestação desses ideais.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

EXISTE LUGAR PARA O MARXISMO NA FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DO JURISTA?

  É concernente que o Marxismo contribua para formação de juristas, isso porque até o momento a sociedade brasileira não teve gozo pleno dos seus direitos, principalmente àquelas com marcador de raça, classe e gênero.

  Pensar no marxismo é entender que para além da interpretação das leis é necessário compreender as raízes sociais e históricas da formação do Brasil e como foram criadas as leis e sua aplicabilidade até então. Ainda assim, é necessário compreender as razões socioculturais a fim de que a justiça alcance todos, independente dos marcadores sociais. 

 O marxismo na formação e atuação do jurista é o meio que, busca-se minimizar e até mesmo dar fim aos impactos das desigualdades na sociedade, romper com toda estrutura de dominação e opressão nos diversos âmbitos, seja no jurídico, social, humano e outros.

Sem trabalho, sem sobrevivência

      Em sua obra “A corrosão do caráter”, Richard Sennett destaca descrições importantes na narrativa que podem ser relacionadas com estruturas conjunturais verossímeis com a realidade. Tal como no trecho: “Ele temia que as medidas que precisava tomar e a maneira como tinha de viver para sobreviver na economia moderna houvessem posto sua vida emocional, interior, à deriva”. Nesse cenário, é possível relacionar com o quadro que, aos indivíduos, o mercado de capital exerce uma função predominante em suas vidas, por questões de garantir sua sobrevivência, os sujeitos são coagidos a participarem desse espaço globalmente reafirmado pelas estruturas institucionais e pela classe dominante.

     Para Marx, esse contexto é descrito pelo seu estudo da dialética-histórica, posicionando a economia como seu objeto de estudo central. Exemplificado pelo trecho a seguir: [...] no plano da história universal, os indivíduos foram cada vez mais submetidos a uma força que lhes é estranha [...] e se revela, em última instância, como o mercado mundial.”. Os indivíduos sujeitos a uma força externa que se desdobra como sendo a economia capitalista de exploração do trabalho e do capital, passam a adaptar, então, suas vidas em torno desse mercado de trabalho.

     Dessa maneira, pode-se perceber, a partir da perspectiva de Sennett e Marx, como o trabalho compõe uma força dominante na vida das pessoas que não controlam os meios de produção, colocando o particular dos indivíduos em segundo plano. Diante disso, como destacado na obra, na conjuntura global, os indivíduos se sujeitam a trabalhos subalternos, muitas vezes se prendendo a uma esperança rasa e sem profunda base de concretização que seu quadro social-econômico passe por uma mudança significativa. Estes, no entanto, inconscientes da estrutura econômica que se utiliza do abuso do seu trabalho como classe explorada em busca da manutenção desse mesmo sistema.


Texto para ponto extra.

Fernanda Finassi Merlini de Sousa - 1° Ano, Direito Noturno. RA: 241221404.

"A ideologia alemã" e "A corrosão do caráter"

  No trecho da produção da consciência, Marx e Engels aborda como os indivíduos tornaram-se submetidos à opressão - Espírito Universal que corrobora com "A corrosão do caráter" de Richard Sennet.
 
  Em analogia à sociedade, pode-se analisar como ela "comprou" há décadas, a ideia de meritocracia, trabalhe enquanto eles dormem e o faça você mesmo. O fato é que, a opressão já é algo rotineiro para classe trabalhadora, tanto nos espaços de trabalho quanto de lazer - que mesmo assim, está vendada pela ideologia dominante. Não havendo uma luta conjunta para romper com essa estrutura, a classe oprimida oprime os próprios seus a medida que exerce cargos de liderança, chefia, gerência e, assim por conseguinte. 

  A classe oprimida com as ideias impostas pela ideologia dominante, tem um dos seus únicos objetivos - trabalhar/lutar para conquistar seus objetos de consumo: casa, carro, roupas da moda e, o primordial, manter seu alimento na mesa. Ainda assim, a ideia de mudança de vida a partir de um esforço inalcançável é muito presente nos grupos oprimidos.

  Outrossim, os indivíduos que vieram da classe oprimida e tiveram oportunidades que seus ancestrais não puderam usufruir, tem grandes tendências a se moldar aos costumes da classe que outrora os oprimia do que lutar contra ela, é o famoso fenômeno de adaptação ao grupo para que haja aceitação nos espaços que são frequentados. Isso porque dentro da lógica da estrutura do sistema, "ele venceu na vida".

  As mazelas da estrutura social, portanto, pode-se dizer que são contínuas e sem uma movimentação radical porque a classe oprimida ainda está alienada com a ideologia dominante em que, suas conquistas de mercado estão atribuídas a vencer na vida, ao status social elevado e distância da pobreza e miséria que outrora cresceu, assim perdendo qualquer possibilidade de mudança social.

O Capitalismo imediatista contemporâneo enquanto fator corrosivo do caráter

Em sua "A corrosão do caráter", Richard Sennett expressa suas impressões e reflexões sobre a vida contemporânea emergidas a partir de um encontro em um aeroporto, ao acaso, com a nova geração, espelhada na pessoa do filho de um homem com quem tivera contato em função do trabalho e há muito perdera o contato. Lapso temporal esse que apurou a percepção do autor ao contraste de conduta, princípios e visão de mundo do homem (Rico) em relação ao seu pai (Enrico).

Enquanto Enrico era um homem previsível e conservador, no sentido de condutas profissionais, resignado à sua rotina e conquistas cotidianas, seu filho mostrou-se o oposto, atuando profissionalmente em uma área próspera - ainda que volátil e imprevisível - alcançando, apesar dos percalços, o sucesso econômico e profissional idealizado pelo Sonho Americano, explicitado na ocasião pelas vestimentas caras e acessórios elegantes.

Entretanto, após anos de esforço tanto do pai quanto do filho em si, para que este conseguisse a tão almejada mobilidade ascendente, Rico viu-se amarrado a ideias que não foram por ele próprio escolhidos ou determinados, mas que faziam parte do pacote, por assim dizer. Nessa toada, agora ocupante dos cinco por cento do topo da escala salarial, o homem, encarando outra face do sistema, indignou-se com as circunstâncias operantes na sociedade capitalista contemporânea e nessa casta social, representando uma, como bem definiu Marx, cisão dentro da própria classe dominante. Isso porque, tendo em vista ser pertencente ao lado do trabalho material da moeda, Rico era membro ativo dessa classe e, como tal, detinha menos tempo disponível para alimentar ideias sobre sua própria pessoa e, consequentemente, assimilava passivamente os pensamentos e ilusões criados pelos indivíduos do outro lado dessa moeda, responsáveis pelo trabalho intelectual. Nesse contexto, inundado por diferentes proposições ideológicas, mudanças materiais, bem como pela demanda crescente por novas maneiras de organizar o tempo - sobretudo de trabalho -, frente à voracidade do mercado, torna-se uma consequência quase irremediável a separação do comportamento e da vontade do indivíduo.

Desse modo, vemos surgir no homem um temor que suas decisões tomadas para sobreviver na economia moderna houvessem posto sua vida emocional, interior, à deriva e, no âmbito familiar, observa-se um dilema para evitar que as relações sucumbam aos “valores de camaleão da nova economia” que correm o caráter e, assim, uma luta para manutenção e transmissão de virtudes e de um senso de identidade sustentável.

O Método Marxista como ferramenta nas mãos do Jurista para esculpir um Direito socialmente comprometido

É inequívoco que a Dialética representa um meio essencial de construção do conhecimento e a Karl Marx não se pode negar o “mérito de ter aberto caminho para as epistemologias dialéticas contemporâneas” (NETO, 2001, p. 25), ante a revolução teórica que seus escritos representaram e representam até hoje. Ainda que seu nome seja muitas vezes associado unicamente à propagação de ideais revolucionários do comunismo, vale ressaltar que seus trabalhos foram muito além disso. Seu pensamento assumiu bases, estruturas e metodologias singulares e, como tal, forneceu contribuições muito significativas para o “fazer Ciência”, inclusive para aquela que é o foco da nossa análise: a Ciência do Direito.

Marx, a quem se atribui a primeira tentativa verdadeiramente dialética no estudo e construção do conhecimento – inclusive do saber jurídico –, propôs uma forma de interpretação do “real” em suas análises sociais, tendo como ponto de partida as condições materiais de existência. Embora “converse” em algum grau com o empirismo, o marxismo sobrepuja o germe de sua teoria ao enxergar além do “real pelo real” - que perigosamente passa a ser afirmado de forma dogmática, como se percebe pelos escritos de Comte, por exemplo – e deslocar o palco de sua explicação, elaborando um discurso científico novo que olha para as relações/meios de produção.

Além disso, em sua obra, Marx ainda observa que o Direito é expressão da classe dominante. Essa classe propaga seus os pensamentos de seu interesse como se fossem de relevância geral e coletiva, proveitosos a todos, indistintamente, e, neste cenário, as próprias normas jurídicas não passam incólumes. Ao contrário, passam a ser também instrumento de legitimação e perpetração do poder dessa casta dominante. A ingestão e defesa, por grande parte da população, de interesses de outrem, alheios à sua realidade concreta, levam-na a reconhecer-se dentro de uma sociedade burguesa, culminando no que o autor designou de alienação.

Entretando, vale destacar que essa não é uma realidade imutável e definitiva como fazem crer os positivistas, ao pregarem a ideia de que cada indivíduo ocupa um lugar predeterminado no sistema social e deve resignar-se à própria miséria em oposição à prosperidade de um grupo a partir da exploração de seu trabalho. Para Marx, “Os homens fazem sua própria história”, mesmo que sob circunstâncias que não definam, ainda assim, podem alcançar alterações significativas e, ciente do potencial das mobilizações sociais, Comte, em sua obra “Discurso sobre o espírito positivo” (1844), chegou a reconhecer que a educação “tornar-se-ia muito mais perigosa se fosse estendida aos proletários, onde desenvolveria, além do desgosto pelas ocupações materiais, ambições exorbitantes”.

Nesses termos, ao recorrermos a uma corrente que parta do homem de carne e osso para a reflexão, teremos uma sociedade de indivíduos que enxergam si próprios dentro do contexto social em que se encontram e, munidos do conhecimento, mais comprometidos com causas que lhes corresponda verdadeiramente, renunciando às ideologias impostas pelas classes dominantes. Um grande exemplo da efetividade dessa dinâmica da lutas e reinvindicações sociais em todos os planos, mesmo no ambiente acadêmico, foi relatado por pessoas formadas pela UNESP em uma palestra da Semana Inaugural do Direito, promovida pelo Centro Acadêmico de Direito (CADir), ao narrar as nuances de vários processos enfrentados por eles enquanto membros e estudantes no decorrer dos anos para lograr as conquistas graduais dos direitos na universidade, que foram desde a garantia de refeições a preços módicos e acessíveis a todos, ou mesmo processos de seleção de docentes mais transparentes e éticos, até o acesso ao estacionamento intra muros do Campus.

Diante disso, reconhecendo que a dialética é antidogmática por excelência, é de suma importância nos valermos dela na construção das normas jurídicas e na operação do Direito, especialmente porque este deveria estar fundamentalmente comprometido com as realidades e aspirações sociais, a fim de superar os problemas e conflitos da sociedade, e não de apenas uma parcela dela. Caso contrário, perpetuaríamos esse cenário de Direito alienado, com normas também alienadas que permaneceriam voltadas aos interesses de uma minoria, normas essas que seriam vistas como único objeto digno de estudo e atenção dos juristas, os quais seriam, igualmente, alienados.

Ante o exposto, é manifesto que não se pode assistir o Direito ser reduzido à pura legalidade, razão pela qual se conclui que existe lugar para o estudo do método marxista na formação e na atuação dos juristas modernos, enquanto instrumento de análise social, propiciando-lhes, assim, a habilidade de encarar o Direito criticamente, sob perspectiva não dogmática e, uma vez libertos de ideologias postas historicamente, desviá-lo da alienação positivista, devolvendo-se a dignidade de um instrumento libertador voltado aos seus objetivos últimos: a justiça e a paz social.