segunda-feira, 22 de abril de 2024

O Método Marxista como ferramenta nas mãos do Jurista para esculpir um Direito socialmente comprometido

É inequívoco que a Dialética representa um meio essencial de construção do conhecimento e a Karl Marx não se pode negar o “mérito de ter aberto caminho para as epistemologias dialéticas contemporâneas” (NETO, 2001, p. 25), ante a revolução teórica que seus escritos representaram e representam até hoje. Ainda que seu nome seja muitas vezes associado unicamente à propagação de ideais revolucionários do comunismo, vale ressaltar que seus trabalhos foram muito além disso. Seu pensamento assumiu bases, estruturas e metodologias singulares e, como tal, forneceu contribuições muito significativas para o “fazer Ciência”, inclusive para aquela que é o foco da nossa análise: a Ciência do Direito.

Marx, a quem se atribui a primeira tentativa verdadeiramente dialética no estudo e construção do conhecimento – inclusive do saber jurídico –, propôs uma forma de interpretação do “real” em suas análises sociais, tendo como ponto de partida as condições materiais de existência. Embora “converse” em algum grau com o empirismo, o marxismo sobrepuja o germe de sua teoria ao enxergar além do “real pelo real” - que perigosamente passa a ser afirmado de forma dogmática, como se percebe pelos escritos de Comte, por exemplo – e deslocar o palco de sua explicação, elaborando um discurso científico novo que olha para as relações/meios de produção.

Além disso, em sua obra, Marx ainda observa que o Direito é expressão da classe dominante. Essa classe propaga seus os pensamentos de seu interesse como se fossem de relevância geral e coletiva, proveitosos a todos, indistintamente, e, neste cenário, as próprias normas jurídicas não passam incólumes. Ao contrário, passam a ser também instrumento de legitimação e perpetração do poder dessa casta dominante. A ingestão e defesa, por grande parte da população, de interesses de outrem, alheios à sua realidade concreta, levam-na a reconhecer-se dentro de uma sociedade burguesa, culminando no que o autor designou de alienação.

Entretando, vale destacar que essa não é uma realidade imutável e definitiva como fazem crer os positivistas, ao pregarem a ideia de que cada indivíduo ocupa um lugar predeterminado no sistema social e deve resignar-se à própria miséria em oposição à prosperidade de um grupo a partir da exploração de seu trabalho. Para Marx, “Os homens fazem sua própria história”, mesmo que sob circunstâncias que não definam, ainda assim, podem alcançar alterações significativas e, ciente do potencial das mobilizações sociais, Comte, em sua obra “Discurso sobre o espírito positivo” (1844), chegou a reconhecer que a educação “tornar-se-ia muito mais perigosa se fosse estendida aos proletários, onde desenvolveria, além do desgosto pelas ocupações materiais, ambições exorbitantes”.

Nesses termos, ao recorrermos a uma corrente que parta do homem de carne e osso para a reflexão, teremos uma sociedade de indivíduos que enxergam si próprios dentro do contexto social em que se encontram e, munidos do conhecimento, mais comprometidos com causas que lhes corresponda verdadeiramente, renunciando às ideologias impostas pelas classes dominantes. Um grande exemplo da efetividade dessa dinâmica da lutas e reinvindicações sociais em todos os planos, mesmo no ambiente acadêmico, foi relatado por pessoas formadas pela UNESP em uma palestra da Semana Inaugural do Direito, promovida pelo Centro Acadêmico de Direito (CADir), ao narrar as nuances de vários processos enfrentados por eles enquanto membros e estudantes no decorrer dos anos para lograr as conquistas graduais dos direitos na universidade, que foram desde a garantia de refeições a preços módicos e acessíveis a todos, ou mesmo processos de seleção de docentes mais transparentes e éticos, até o acesso ao estacionamento intra muros do Campus.

Diante disso, reconhecendo que a dialética é antidogmática por excelência, é de suma importância nos valermos dela na construção das normas jurídicas e na operação do Direito, especialmente porque este deveria estar fundamentalmente comprometido com as realidades e aspirações sociais, a fim de superar os problemas e conflitos da sociedade, e não de apenas uma parcela dela. Caso contrário, perpetuaríamos esse cenário de Direito alienado, com normas também alienadas que permaneceriam voltadas aos interesses de uma minoria, normas essas que seriam vistas como único objeto digno de estudo e atenção dos juristas, os quais seriam, igualmente, alienados.

Ante o exposto, é manifesto que não se pode assistir o Direito ser reduzido à pura legalidade, razão pela qual se conclui que existe lugar para o estudo do método marxista na formação e na atuação dos juristas modernos, enquanto instrumento de análise social, propiciando-lhes, assim, a habilidade de encarar o Direito criticamente, sob perspectiva não dogmática e, uma vez libertos de ideologias postas historicamente, desviá-lo da alienação positivista, devolvendo-se a dignidade de um instrumento libertador voltado aos seus objetivos últimos: a justiça e a paz social.

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