quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

ADI 6.987

 

O objetivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 6.987 é reconhecer como institucional a pena de injúria racial, a qual é disciplinada no Código Penal, art. 140, §3°. O conflito em litígio se evidencia, por um lado, à medida que, embora a injúria racial seja qualificada por elemento racial, a pena atribuída, que permite prescrição e fiança, viola o “princípio da proporcionalidade enquanto proibição de proteção insuficiente”; por outro lado, o próprio crime de racismo é imprescritível e inafiançável. Isto é, a ADI visa a equiparação do referido dispositivo ao crime de racismo, pois não há como entender o “elemento racial” como se abarcasse somente o indivíduo em questão e não toda a coletividade.

Com a finalidade de melhor elucidar a discussão, importa abordar acerca da questão de raça sob a égide de Achille Mbembe. Na obra “Crítica da Razão Negra” é versado a respeito de que o conceito de raça “não existe enquanto facto natural físico, antropológico ou genético” [p. 26], mas que é, na verdade, “ficção útil”, embora seja apresentado como real, certo ou exato conforme “permite classificar os seres humanos em categorias distintas supostamente dotadas de características físicas e mentais específicas” [p. 105]. “Útil” porque foi utilizado na criação do paradigma de  “raça superior”, o qual serviu para fundamentar o poder central do hemisfério ocidental, no que diz respeito aos países europeus que eram considerados berço “da razão, da vida universal e da verdade da Humanidade” [p. 27], enquanto o restante, em especial a África e o negro, representavam a ideia de “vida vegetal e limitada” [p. 28]. Esse processo descrito, puramente ideológico, que causa a desumanização do negro, foi chamado de “efabulação” pelo autor, enquanto a consideração de que o “diferente” é ameaçador, do qual é necessário se proteger, configura-se como a prática de “alterocídio”.

Entende-se, sob o viés de Achille, que o racismo é “herdado do tráfico de escravos e traduzido nas instituições” [p. 44], causado  em razão da efabulação e demais nomenclaturas mencionadas. A partir dessa delimitação, vale destacar que o dispositivo penal supracitado contribui para com a perpetuação tanto do racismo estrutural e institucional quanto do habitus, terminologia disciplinada por Pierre Bourdieu, que diz respeito à predisposição dos indivíduos de exercerem certas condutas histórica e culturalmente determinadas. Isso porque a injúria racial pode ser considerada como “injúria não-racista”, de modo a inviabilizar a eficácia plena ao repúdio ao racismo, conforme é considerado objetivo fundamental do país “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art 3°, IV).

Ademais, importante salientar que a supracitada ADI foi sustentada por eminentes entidades que lutam contra todas as formas de racismo, tais como o Movimento Negro e o Movimento LGBTI+, os quais representam as parcelas minoritárias da sociedade que são marginalizadas em razão da negligência político-legislativa em relação aos seus anseios. Embora isso signifique a ocorrência da mobilização do direito – termo disciplinado por McCann – por essas referidas entidades e não puramente ativismo judicial, vale destacar que não haveria outra alternativa senão recorrer ao magistrado para apaziguar a situação, cuja atuação é consoante para o aprofundamento da democracia.

Ante o exposto, depreende-se que é necessária a equiparação entre injúria racial e o crime de racismo, haja vista que não é possível considerar elemento racial sem abarcar também o segundo dispositivo penal, tampouco não há como somente considerar ofendido apenas o indivíduo, e sim toda a coletividade de pessoas. Se não o fizer, contudo, contribuiria para com a perpetuação do racismo estrutural e institucional, bem como para com a impunidade insuficiente.  Beatriz Naomi Horikawa Chaves Direito matutino

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