quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

ADI 6987 e o Racismo Estrutural

 A partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6987, o partido CIDADANIA requereu à Suprema Corte Brasileira a equiparação do crime de injúria racial ao crime de racismo, ao passo que seria uma das formas de manutenção do racismo estrutural no país. Desse modo, impetrou-se diretamente no STF um embate jurídico acerca das manifestações do racismo na sociedade brasileira. Apesar das garantias fundamentais afirmadas pela Constituição e da criminalização da discriminação étnico-racial, o que se verifica na prática é a manutenção oculta de um modelo escravocrata no país, no qual pessoas pretas, índigenas e outras minorias étnico-raciais são constantemente transgredidas, através de injúria e de outras manifestações que viabilizam a marginalização da parte não branca da sociedade, devido a noção do homem branco como genérico e universal e seus interesses como dominantes no campo jurídico. Logo, se denota o embate entre setores sociais no espaço dos possíveis, ao passo que minorias buscam a igualdade substancial, há na sociedade burguesa uma clara noção positivista de manutenção da ordem dominante, sendo essa burguesa e branca.


A priori, para a compreensão da existência do elitismo branco no judiciário, é imprescindível a análise da composição da magistratura brasileira. Apesar de 56% da população brasileira ser parda ou preta, apenas 15% do judiciário é composto por pretos e pardos, ao passo que 82% é integrado por magistrados brancos. Além disso, apenas um ministro da Suprema Corte era preto, o já aposentado Joaquim Barbosa, nomeado em 2003.

Com base em tais evidências, se torna rutilante a problemática brasileira. Apesar de maioria numérica, as pessoas não brancas estão distantes dos espaços de poder,devido a herança produzida por 400 anos de escravidão e esurpação de inúmeras minorias étnico-raciais.

Sendo assim, o direito deverá funcionar como uma bússola em prol da construção de uma sociedade igualitária no Estado Democrático de Direito, indicando as normas e norteando o projeto de sociedade a ser desenvolvido com base em princípios que possam traduzir justiça social a todos. Portanto, a historicização da norma se expressa necessária na ADI discutida, como forma de defesa das minorias étnico-raciais e combate às expressões do racismo estrutural, é preciso que o crime de racismo positivado pela Lei n.7716/89 não atinja tão somente as formas deliberadas de agressão às minorias sociais, mas também possa atingir as manifestações cotidianas e normalizadas por uma sociedade essencialmente desigual, que não apenas permite como promove na realidade fática uma aceitação à desvalorização de pessoas distantes do padrão social.


A problemática da população negra não se aproxima de boa parte dos magistrados brasileiros, amplamente vinculados à concepções próprias acerca do campo social, baseados em realidades completamente exógenas às comunidades pretas e pardas. Dessa forma, é preciso que haja a postulação de ações diretas que possam causar força vinculante e garantia jurídica a todos. O enquadramento do crime de injúria racial nos termos do crime de racismo possibilita a mobilização do direito em via contrária à manutenção da ordem vigente, que ignora e impossibilita sistematicamente a equidade jurídica através de garantias amplamente conectadas aos interesses das elites. Com a equiparação, o crime de injúria racial se aproxima dos termos dos direitos humanos, enquadrados na norma fundamental brasileira de forma imprescritível e inafiançável. Sendo assim, casos como o Habeas Corpus 154268 estarão justamente enquadrados na lei de racismo e poderão ser devidamente rechaçados pelo judiciário.

Portanto, em uma sociedade que marginaliza economicamente e socialmente pessoas de etnias não europeias, é imprescindível a garantia de direitos sociais que visem a igualdade plena no campo social, amplamente heterogêneo. Ao passo que a ordem eurocêntrica imposta globalmente inviabiliza a promoção orgânica de igualdade social, o poder judiciário deverá conceder através da mobilização do direito garantias às minorias sociais, sem quaisquer resquícios da lenda disseminada de que há ativismo judicial na ratificação de direitos pautada em princípios de equidade social e na historicização da norma. Somente com a promoção de medidas que atinjam igualdade jurídica substancialmente, e não genericamente como é possível se constatar nas democracias liberais, será possível a instrumentalização como forma de democratização do espaço social, e não mero instrumento de poder da ordem branca
dominante.

Vinicius Mota Corrêa de Souza - Matutino

 

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