quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Buscando fazer com que o crime de injuria racial fosse reconhecido como um tipo de racismo, o STF foi provocado pelo partido Cidadania com uma ação direta de constitucionalidade (ADI 6987). A justificativa é que racismo não é combatido de forma eficaz caso não seja considerado imprescritível e inafiançável a injuria racial, que é uma das formas de manifestação mais cometida por pessoas negrofóbicas na atualidade. Se isso não for feito, a injúria é vista como um delito de menor potencial ofensivo se comparado com as agressões cometidas contra a coletividade, embasadas por questões raciais.

A possibilidade para se obter uma decisão positiva nesse sentido está no fato de a injuria racial poder ser considerada um tipo de crime previsto no artigo 20 da Lei do Racismo (7716/89). Além disso o partido solicitou para que fossem excluídos alguns critérios do artigo 140, § 3º do CP (“raça”, “cor”, “etnia”, “religião” ou “procedência nacional”), que trata da injúria qualificada, o que pode ser feito se esse dispositivo legal fosse reconhecido como parcialmente inconstitucional (uma proposta feita pelo partido). A intenção era fazer com que fosse considerada racismo, uma ofensa feita em relação à honra de outra pessoa, causado por motivos raciais.

O partido busca o reconhecimento de seu pedido no controle concentrado de constitucionalidade, apesar do tema já estar sendo julgado pelo plenário no HC 154248 (uma idosa de 70 anos pretendia que a sua condenação pela ofensa feita com termos racistas, contra outra pessoa tivesse a prescrição reconhecida). Mesmo assim, a proposta feita pelo Cidadania é importante, pois como o tema é relevante, poderia ser obtido uma eficácia erga omnes e efeito vinculante.

É mais um exemplo de como uma minoria que se sente ameaçada e abandonada por um apático legislativo, mobiliza o poder judiciário no sentido de obter mais proteção e reconhecimento de direitos, pois tais pessoas estão mais conscientes sobre as garantias previstas, em especial, na constituição. Não é um fato inédito, pois é apenas mais uma etapa da luta constante para obter direitos (nesse sentido, pode-se citar como um exemplo o reconhecimento da constitucionalidade das cotas raciais, que ocorreu antes) feita por pessoas “invisíveis” e que dessa vez está sendo continuada pelo partido Cidadania e alguns aliados, como o Movimento Negro e o Movimento LGBTI+, que representam por sua vez indivíduos que são afetados por decisões desse tipo.                                                                                                                                           

Como essa minoria não tem representatividade por parte do legislativo que, historicamente, vem mostrando interesse em atender interesses da elite, é justificável que essas pessoas sejam tuteladas pela justiça, pois não é aceitável que sua angústia persista por vários anos, até que os legisladores despertem e passem a considerar as necessidades das pessoas marginalizadas pelo sistema capitalista.

O STF reconheceu que a injúria racial é crime de racismo, sendo imprescritível, o que resultou na negação do habeas corpus da defesa da idosa. Essa decisão provavelmente foi tomada pelo STF, pois analisou as injustiças sofridas ao longo de décadas pelos negros e que foram causadas por um racismo que se tornou legítimo, já que era do interesse de uma elite capitalista não só nacional, mas inclusive, internacional de que esse ponto de vista prevalecesse. Essa decisão tomada foi a mais pertinente, pois foi justificada por direitos, garantias, princípios e objetivos previstos na Constituição (como, por exemplo, o artigo 3º, IV, artigo 4º, VIII e o artigo 5º, XLII, além da dignidade humana, etc.). Foi possível aos ministros a equiparação, já que a lei da injúria racial e do racismo estão relacionadas, sendo a equiparação obtida, uma consequência lógica e racional. Assim, essas leis e direitos vão ser empregados no cotidiano, que tem que se adaptar com as novas exigências de uma classe menos favorecida que vem buscando sair de seu abandono, para se tornarem cidadãos.

Nesse sentido, a decisão tomada pelo STF não se trata de interferência em outros poderes. É um exemplo, inclusive, de uma aplicação da ecologia dos saberes e que contribui para a existência de ecologia jurídica. Com isso, as monoculturas do saber e jurídicas são combatidas, fazendo com que a lei seja aplicada aos que são negligenciados. O direito passa a ser mais popular e passa a ser usado e compreendido como um recurso mais efetivo para que não só os negros, mas outras pessoas marginalizadas pelo governo possam lutar por direitos não reconhecidos e incrementar seu capital, podendo frequentar ambientes (campos) que normalmente não poderiam entrar. Com isso, a lei vem deixando de ser um instrumento de uso apenas das elites que a usa apenas para consolidar seu poder.  A mobilização do direito  pelas minorias vem contribuindo para que se tenha mais justiça social no país e, ao longo do tempo, que este seja uma democracia.

 

Allan Patrick Ayres De Souza

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