domingo, 16 de outubro de 2022

 

                                              Qual o sentido da judicialização ?

 

A pergunta: “O termo judicialização faz sentido?” é uma provável questão para algumas pessoas. Porém, para responder essa questão devemos passar pelo processo de evolução histórica no mundo e nos tribunais que levaram ao protagonismo dos tribunais. No mundo, o avanço do neoliberalismo, a crise do Estado de Bem-Estar-Social na Europa, o processo político pós-guerra na Europa e nos EUA e dos regimes pós-ditaturas na América Latina ampliaram garantias constitucionais de acesso à justiça e também a crise de representação político-partidária em conjunto levaram a esse fenômeno da judicialização. No Brasil, especificamente a crise de representatividade no do Poder legislativo decorrente da “distrofia ideológica” e também pelo falto da “pulverização partidária” e alternância de poder do próprio sistema político.

            Nesse sentido, de acordo com Bourdieu (1989, p. 216) a racionalização dos tribunais “expressa a irredutibilidade às inconstâncias dos conflitos sociais que reivindicam sentidos divergentes para a questão da equidade.” Dessa forma, os juízes passaram estar atentos às demandas sociais, utilizando de uma autonomia para interpretarem caso a caso para que assim determinar a sentença, o que Garapon (1999,p. 223) denomina de “historização da norma”. Assim, o veredicto é um produto da “luta simbólica” no campo jurídico como define o mesmo autor:

“entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos disponíveis, pela exploração das ‘regras possíveis’, e de os utilizar eficazmente quer dizer, como armas simbólicas, para fazerem triunfar a sua causa” ( BOURDIEU, 1989, p. 224).

 

            Sob essa ótica, no Brasil contemporâneo, a “arquitetura institucional” originada pelo processo de redemocratização e a Constituição Federal de 1988 tiveram um importante papel no que tem se denominado “judicialização”. Pois essa constituição tornou-se abrangente contemplando questões como seguridade social, um sistema de saúde, etc. Nessa mesma linha, o sistema de controle de constitucionalidade é um dos mais abrangentes do mundo, houve um fortalecimento do ministério público e também a criação da defensoria pública. Somado esses fatores passou-se a ter um maior protagonismos dos tribunais no caso brasileiro.

Nessa linha, o então proeminente advogado e professor de direito Luiz Roberto Barroso diz:

 

 

“A judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente” (BARROSO,2009, p. 5-6.).

 

            De acordo com Antoine Garapon (1999, p. 236-237), para a constituição do campo jurídico, de haver universalização (o direito expressa o que é de fato, não o que deve ser) e neutralização (construção passivas e impessoais) da norma. Para ele o direito “O direito consagra a ordem estabelecida ao consagrar uma visão desta ordem que é uma visão do Estado, garantida pelo Estado

Ainda, segundo Garapon (1999, p.127), os sentidos da interpretação se vinculam à uma dinâmica da “Luta Simbólica” no campo jurídico de acordo com as posições ocupadas pelos interpretes. Para ele, os “Doutrinadores” são encarregados da elaboração puramente teórica e os “Operadores” que realizam a atividade prática, como o trabalho do magistrado, que realizam atos de jurisprudência e também contribuem para construção jurídica. Ele descreve o Veredicto como produto da “Luta Simbólica” no campo jurídico, como pode-se observar o excerto abaixo:

 

“entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais, portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos disponíveis, pela exploração das ‘regras possíveis’, e de os utilizar eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas, para fazerem triunfar a sua causa” (GARAPON, 1999, p. 224).

 

Assim, ao voltarmos a pergunta inicial uma possível resposta seria que a dinâmica do campo jurídico se supõe que relações objetivas entre a universalidade, a procura social e a lógica do trabalho jurídico. Ou seja, o direito demandado pela causa, ao ser reconhecido como legítimo reflete a autonomia, a e a boa fundamentação do trabalho do juiz à fim de garantir maior equidade social. Portanto, a judicialização faz sentido quando demandas como a garantia de creches para crianças, o reconhecimento da união homoafetiva, a legalização de aborto no caso de fetos com anencefalia, a garantia dos direitos à vida e à saúde no caso de tratamentos não disponibilizados pelo SUS, entre outras causas justas que já foram demandadas e outras que haverão de serem reconhecidas.

 

 

 

Referências

BARROSO, Luiz Roberto. “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”. Revista Atualidades Jurídicas, n. 4, jan/fev-2009, Brasília: OAB Editora.

Disponível em:  //www.oab.org.br/oabeditora

Acesso em: 16 outubro 2022.

BOURDIEU, Pierre. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989 [Cap. VIII, , p. 209-254].

GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999. [Cap. VI – A magistratura do sujeito, p. 139-153]

 

 

Autoria: Joel Martins S. Júnior

Aluno do 1º Ano de Direito (Noturno) – UNESP-Franca

Franca, 16 de outubro de 2022.

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