domingo, 16 de outubro de 2022

Existência e incoerências

             O período da redemocratização brasileira possui como um de seus maiores marcos a promulgação da Constituição de 1988. Reflexo do momento em que nasceu, foi o documento responsável por assegurar diversos direitos sociais, garantias e princípios fundamentais e igualdade material. Contudo, seu advento também foi responsável por colocar em debate a chamada judicialização da política, definida como uma suposta inflação do Poder Judiciário em detrimento dos outros poderes. Em outras palavras, o Judiciário teria a palavra final em tópicos que anteriormente eram de competência do Executivo e Legislativo. Entretanto, analisando as devidas funções do Poder Judiciário à luz da Constituição Cidadã e a atuação do Supremo Tribunal Federal, observa-se que o termo judicialização da política, com o significado pejorativo que lhe é constantemente atribuído, é incoerente.

            De início, vale tratar das competências do STF. Devidamente previsto pelo artigo 102 da Constituição, cabe ao tribunal a chamada guarda da constituição, que se manifesta pelos incisos presentes no artigo. Enquanto guardiões da Constituição, caberá aos ministros julgar e processar diversas ações e infrações. Para exemplificar, tomemos como base a criminalização da homofobia pela ADO 26. Sob uma ótica conservadora, existe a afirmação de que o Judiciário estaria tomando a função do Legislativo, pois deveria caber a este a implementação de uma lei que criminalizasse tal forma de preconceito. Todavia, como afirma o artigo analisado, é de competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar, dentre outros tópicos,  “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. Assim sendo, observa-se que, para o exercício pleno da guarda constitucional, caberá ao Poder Judiciário questionar certas problemáticas das mais diversas esferas e tomar as providências para solucioná-la.

            Ainda pode existir o questionamento sobre uma possível perda da função legislativa, já que o STF possui poderes para decretar inconstitucionalidade de certas normas ou de omissões, fato que poderia colocar em risco a divisão dos três poderes e, por conseguinte, ser uma possível ameaça à democracia. Para desenvolver melhor a improcedência de tal afirmação, cabe citar afirmações do jurista Luís Roberto Barroso. A primeira delas é ““Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria”. Logo, como previsto pela divisão dos poderes, sequer haveria o que ser julgado sem as devidas normas para tanto, normas essas estabelecidas pelo Legislativo, cabendo ao Judiciário a função de questionar a legitimidade destas. Ressalta também que “a judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente”. Portanto, como novamente é apresentado, toda a atividade exercida pelo Judiciário é regulada pelas normas, permitindo uma atuação relevante, do mesmo modo em que barra uma “hipertrofia” de função.

            Mediante o apresentado, concluo que o termo judicialização da política, quando usado para insinuar uma suposta “ditadura do Judiciário”, é completamente ilógico. Cabe ao Judiciário apenas o previsto pelas normas desenvolvidas pelo Legislativo e aplicadas pelo Executivo, garantindo uma harmonia dos poderes e a manutenção da democracia. Ademais, quando se observa as recentes ADPFs, ADIs e ADOs, torna-se nítido como o Judiciário tem realizado um papel crucial para a harmonia entre as normas em geral e o previsto pela Constituição, há exemplo da já citada criminalização da homofobia, considerada um passo de extrema relevância para o estabelecimento pleno da igualdade entre todos já prevista por lei. Em suma, como afirma o ministro Barroso, a judicialização existe, mas ela diz respeito somente ao papel constitucional do Judiciário. 

Mateus Gratão Fogassa de Souza
Turma XXXIX - Matutino

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