domingo, 16 de outubro de 2022

“Ódio e nojo” 

27 julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) citam o termo “ativismo judicial”; 8 acórdãos e 389 decisões monocráticas, no Superior Tribunal de Justiça (STJ); o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, possui 2665 processos com o vocábulo em discussão. Dito isso, é possível perceber a importância adquirida nos últimos tempos do suposto “ativismo judicial” no campo jurídico, importância essa que atravessa o mundo dos bacharéis e adentra no espaço comum da sociedade já que este fenômeno está na esteira do reconhecimento de direitos importantes, e por isso, esmiuçar seus meandros é fulcral. 

Em primeiro lugar, de acordo com o Doutor em Direito do Estado Felipe Albertini Nani Viaro, “ativismo” é uma expressão muito vaga que no contexto brasileiro tem sido usada tanto por aqueles que acreditam na importância da proteção de apanágios dos setores da coletividade mais vulneráveis como por aqueles que veem tal comportamento como uma extrapolação dos poderes dos juízes. É interessante, porém, que a revisão constitucional, a título de ilustração, existe nas democracias ocidentais desde talvez o caso emblemático nos Estados Unidos (EUA), Marbury vs. Madison, que confirmou a autoridade da Suprema Corte para revisar a constitucionalidade de leis criadas pelo Legislativo. Sem um órgão assim, ter-se-ia uma “ditadura do Congresso”, explicativamente. 

Em segundo plano, bebendo do jurista francês Antoine Garapon, a maior parte dos indivíduos defensores da existência do hipotético “ativismo judicial” e de suas “nefastas consequências” o alegam em casos vitais para minorias sexuais, raciais, étnicas e econômicas. I. e., usualmente depreende-se “ativismo” sempre que um grupo vulnerável do corpo coletivo consegue a tutela do Estado-Juiz para alguma de suas regalias violadas. O julgador dessas causas supracitadas busca a resposta dos litígios na Lei, não em suas crenças ou ideologias, ou seja, o Magistrado não procura ocupar o centro do pedido. Nesse sentido, “ativismo judicial” não se confunde com decisões tomadas sem provocação de Requerente, sem petição inicial ou algo do tipo. 

Assim, na verdade, o dito “ativismo” não parece encontrar nenhum fundamento em fontes acadêmicas. É compreensível o choque de opiniões entre as partes do pleito em relação à sentença dada, porém não é admissível deslegitimar demandas de mulheres, negros, LGBTQIAP+ e comunidades indígenas, tendo como exemplo, ganhas no Judiciário e chamá-las de “ativismo judicial” somente por não concordar com elas. A partir do momento em que um cidadão possível de ser o titular de uma ação reivindicatória de direitos, por meio de uma petição inicial ou instrumento semelhante, requer a resposta de qualquer tribunal para um possível atentado a direito próprio ou alheio, tem-se a manifestação de democracia, e não de “ativismo judicial”. Parafraseando Ulysses Guimarães, “Temos ódio ao hipotético ‘ativismo judicial’. Ódio e nojo.”.


Thiago Ozan Cuglieri, Direito noturno.

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