quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A realidade do Sul sob o jugo das epistemologias do Norte

Em seu artigo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, Sara Araújo discorre a influência possível das Epistemologias do Sul global no direito ocidental ao passo que expõe a influência patriarcal, capitalista e colonialista que o Direito atual perpetua aos moldes das Epistemologias do Norte. Essa epistemologia vigente é, portanto, uma decorrência e continuidade com as quais sofrem os países marginalizados pelo colonialismo, onde junto com o extermínio dos povos se dizima também sua cultura e a isso se nomeia epistemicídio Todo o que não reconhece, não existe ou é irrelevante” (Araújo, Sara p.96). 

Imbuído por essa lógica dominante que está a serviço do capital, o direito atua como uma teoria conjunta ao epistemicídio quando permite o apagamento cultural e a criminalização de tudo que fuja a norma vigente. Tendo em vista o caso onde através de um Mandado, o Prefeito do Município do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, na Bienal do livro em 2019 dispõe que na ocasião, a exposição de uma revista em quadrinhos onde dois heróis da Marvel, Hulking e Wiccano, se beijam, tratava-se de “material inadequado, potencialmente indutor e possivelmente nocivo à criança e ao adolescente” - tal Mandado permitia a apreensão destas obras pois segundo a interpretação do Prefeito era um conteúdo inadequado, que feria os valores éticos da família. 

Em primeiro lugar, a exclusão abissal é a linha ontológica entre aqueles considerados humanos ou não humanos, entre o legal e o a-legal; ou seja, não é nem pressuposta a existência desse indivíduo pois tampouco o submete a ilegalidade, mas simplesmente lhe atribui a inexistência. No caso da Bienal do Rio em 2019, através de ferramentas do Direito foi possível que em nome de um município, famílias de formatações que não seguem o padrão baseado em pressupostos colonialistas da manutenção da castração da pluralidade humana e do controle sexual, fossem desclassificadas como famílias ou até que sua existência fosse negada, da mesma forma que ao deferir nocividade e inadequação a uma demonstração de afeto torna relações homoafetivas como nocivas e inadequadas perante a legalidade ali reivindicada. 

Nem toda regra social está na legislação, a conduta moral é muito mais pautada na forma que se organiza a sociedade no cotidiano e como respondem às autoridades mediante o que é possível dentro de cada círculo social, bem como rege a influencia do dominante sobre esse circulo social. Não por acaso mesmo com leis que podem punir crimes contra a população LGBTQIA+ no Brasil, seguem elegendo Presidente homofóbico, e um Prefeito que legalmente declara que há nocividade em uma demonstração do afeto homossexual segue em liberdade assim como e o país ocupa estatisticamente liderança em homicídios e quadros de violência contra a população LGBTQIA+, pois neles estão a imagem de influência e também o resultado desta, agora sim nociva, influência. 

As epistemologias do Sul possíveis para o sul global, não são apenas a reavaliação dos saberes ancestrais, mas também o que nasce da luta popular e das demandas sociais. As leis que colocam feminicídio, homofobia, racismo, transfobia, etc., como crimes não são ainda levadas a sério como deveriam dada ás raízes muito profundas de uma sociedade que sofreu um sistemático epistemicídio como é a latino-americana, porém é a possibilidade e a necessidade nas quais o Direito deve se firmar e buscar por meio de um pluralismo jurídico paulatinamente corresponder as necessidades atualizadas ao seu tempo e principalmente ao seu espaço social rompendo com as epistemologias do Norte, que seguem nos colonizando e subjugando, quando não materialmente, culturalmente. 



FONTES:  

  • Medida cautelar STF - Bienal do Livro (proibição de obras-homoerotismo), MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE LIMINAR 1.248 RIO DE JANEIRO. 

  • ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias. Porto Alegre, ano 18, n.o 43, set/dez 2016.  







Stephani E. C. Luz  


Direito Matutino – Turma XXXVIII 

Análise do episódio de Pinheirinho sob a ótica de Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos, ao discorrer sobre o acesso à justiça, enfatiza algumas formas de ampliá-lo, como as promotoras legais populares, as assessorias jurídicas universitárias populares, a capacitação jurídica de líderes comunitários e a advocacia popular. Estas são iniciativas que buscam expandir a noção de direito coletivo e assegurá-lo, frente a um direito tradicional e despolitizado, que marginaliza diversos grupos sociais. Por outro lado, o autor também cita alguns obstáculos, tais como o funcionamento defeituoso da defensoria pública e as custas judiciais desproporcionais nos estados, que acabam perpetuando a lógica de supressão de direitos daqueles que não têm acesso e capacitação jurídica.
Tendo esse cenário em vista, Santos defende a priorização de um modelo de Direito que amplie o acesso ao conhecimento jurídico, de modo a emancipar aqueles que são prejudicados pela falta de noção dos próprios direitos. É possível notar, para além do autor, inúmeras circunstâncias em que o monopólio do conhecimento jurídico serviu como instrumento para subalternizar um grupo minoritário em relação ao dominante.
Um exemplo latente é o caso de reintegração de posse do bairro Pinheirinho. Uma área vazia foi ocupada no ano de 2004 por famílias que haviam sido despejadas de outro local, formando o bairro. Em 2012, começou o processo de reintegração de posse por parte da empresa Selecta; esse movimento foi marcado pela destruição dos lares ali estabelecidos, além de diversas agressões contra os moradores do bairro. Expulsos, esses indivíduos, mesmo sendo vítimas de crimes e desrespeito aos direitos humanos, não tinham munição para reivindicá-los, apesar das diversas inconsistências jurídicas praticadas. Além das agressões praticadas no processo de expulsão, o próprio pedido de reintegração de posse era inconsistente, dentre outros fatores, pela falta de evidência de que aquele terreno realmente pertencia à empresa que o reivindicou.
No entanto, essas famílias estavam à margem do processo, sem capacitação ou assistência que reconhecessem suas garantias constitucionais. Dessa forma, retomando o ponto de vista de Santos, é de extrema importância garantir a expansão do direito para os grupos marginalizados, de modo a combater a prática jurídica despolitizada hegemônica. Por fim, o autor destaca que esse processo deve ser horizontal, com a transmissão de saberes baseada em uma troca que emancipe os grupos sociais -ao invés de subalternizá-los, criando uma “ferramenta contra-hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta”.

Ana Clara Alves Gasparotto - Direito Matutino - 2º semestre (Turma XXXVIII)

Sara Araujo e o artigo 5º incisos XXII e XXIII da Constituição Federal

    A ação de reintegração de posse da Fazenda Primavera demonstra uma clara sobre posição do Norte sobre o Sul, como afirma Sara Araújo "Do outro lado da linha, múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos."

    "Em suas razões recursais, sustentam os agravantes que, em 15 de outubro do corrente ano, tiveram sua propriedade invadida por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.", todos os dias encontramos pessoas que vivem nas ruas ou em condições degradantes e ao mesmo tempo enxergamos nas grandes metrópoles e até mesmo em cidades do interior, imóveis que não estão tendo sua função social atendida ferindo, desse modo, o artigo 5º, incisos XXII e XXIII da Constituição Federal de 1988. 

    Assim como muitas das coisas em mundo capitalista, a propriedade também está concentrada nas mãos dos mais ricos, enquanto os mais pobres padecem sem ter acesso a uma casa de alvenaria, tratamento de esgoto ou à água encanada. Em uma análise metonímica, os mais ricos são o Norte e os mais pobres são o Sul, e como na maioria das vezes tudo que vem do Sul é ignorado e desvalorizado, enquanto o que vem do Norte é supervalorizado. Tal fato, se conecta com a frase de Sara: "[...] introduza na discussão política universos jurídicos e políticos excluídos e classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos.", que enfatiza a necessidade de uma inserção de múltiplos universos na discussão jurídica e social. 

    Os agravantes afirmam no processo que: "Asseveram, que estão devidamente demonstrados os requisitos do art. 927 do CPC, e que a demanda não é sede adequada para debate acerca do cumprimento da função social da propriedade que, no entanto, afirmam produtiva.". É importante destacar que o cumprimento da função social da propriedade é um dever constitucional e deve ser cumprido por todos. Ao afirmarem que a demanda não é adequada para debate acerca do cumprimento da função social da propriedade os agravantes estão sobrepondo aquilo que eles afirmam ao que está garantido na Constituição Federal. 

    "Cuida-se de examinar recurso interposto por Plínio Formighieri e sua mulher Valéria Dreyer Formighieri, via do qual buscam reformar a decisão proferida pelo juízo de Passo Fundo, que indeferiu liminar de reintegração de posse, ao fundamento de que os autores, ora agravantes, deixaram de demonstrar o adequado exercício do direito de propriedade, pelo atendimento de sua função social." Muitas das vezes o Norte, tenta de sobrepor ao Sul, sem ter base para isso. Foi isso que aconteceu no caso em questão, ao tentarem ter novamente a posse de sua fazenda em Passo Fundo-MG, os agravantes não pensaram que para garantir a posse da propriedade deveriam provar que esta exercia uma função social, eles acreditavam que por serem os donos e por terem dinheiro conseguiriam a reintegração "em um piscar de olhos".

"Nesse sentido, defendo a recuperação do conceito de pluralismo jurídico num horizonte de reconhecimento de outros universos jurídicos.", Sara aborda a necessidade de enxergarmos outros universos além daqueles com os quais estamos acostumados. Ao negarem a reintegração de posse,"Dito isto, e por entender que a decisão judicial agravada intenta legitimamente dar efetividade ao dispositivo constitucional que prevê a função social da propriedade é que estou votando pelo improvimento do recurso.",os juízes conseguiram enxergar para além daquilo que eles costumam ver, entendendo que acima de qualquer lei está a Constituição e os direitos nela assegurados devem ser garantidos a todos os cidadãos brasileiros independente de qualquer variável. 

Ellen Luiza de Souza Barbosa

Turma XXXVIII

Noturno

A horizontalidade como premissa para um futuro menos segregado no âmbito epistemológico e jurídico

De acordo com a teoria de Sara Araújo, existe uma linha abissal, tanto epistemológica, quanto jurídica, que divide o globo entre as epistemologias do Sul e do Norte. A do Sul traria uma maneira não hegemônica de pensar, no sentido de gênero, étnico-racial e sexual. Isso porque propõe uma expansão da imaginação política para além da exaustão intelectual e política do Norte global, de modo que repensaríamos o mundo a partir de uma ideia do Sul Global, que incorpora os excluídos por epistemicídio.

Segundo o professor Boaventura de Souza Santos, epistemicídio seria a “destruição de formas de conhecimento e culturas que não são assimiladas pela cultura do Ocidente branco”. Dessa forma, de acordo com a concepção do Norte, questões minoritárias, como de pessoas LGBTQIA+, mulheres e negros, não se fazem urgentes enquanto não estiverem presente nas doutrinas, sendo suas epistemologias excluídas do debate social. É dessa forma que o Norte afirma a sua universalidade, não considerando os “do lado de lá” dignos de uma inclusão.

Dessa forma, as Epistemologias do Sul buscam abranger os conhecimentos invisibilizados e desperdiçados pela modernidade através da lógica ocidental, do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado.

Além disso, essa produção de invisibilidades é sustentada pelas cinco monoculturas do pensamento moderno. A monocultura em questão que se relaciona com o julgado da Medida Cautelar na Suspensão de Liminar 1.248 Rio de Janeiro sobre o caso da proibição das obras na Bienal do Livro é a monocultura do saber e do rigor do saber.

Tal acontecimento partiu de uma premissa completamente homofóbica por partes da denúncia, em que acusavam obras que retratassem relacionamentos homoafetivos como “ofensivos a valores éticos, morais ou agressivos à pessoa ou à família”, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sendo assim, essa lógica pensada, que teria como solução, ao ver dos denunciantes, lacrar esses livros e colocar neles uma aviso sobre o conteúdo, comparando aos materiais de conteúdo erótico, é uma plena demonstração de ignorância, sustentada pela monocultura em questão.

Se as ações ocorressem dessa forma descrita acima, mais uma vez a história e a luta LGBTQIA+ ficaria do lado de fora, de maneira que a heteronormatividade seria mantida e, assim, essa ideia continuaria sendo difundida de acordo com a lógica do Norte.

Destarte, busca-se uma horizontalidade na transmissão dos saberes, de jeito que conhecimentos e experiências sejam discutidas de forma equivalente, sem a ideologia de superioridade e universalidade, procurando sempre uma evolução e uma sociedade mais digna para todos.

Bruna Pereira Aguirre - Turma XXXVIII Matutino 

A linha abissal e o voto de Barroso: Crime de quem?

 

Em um primeiro momento, cabe salientar que o voto-vista do Ministro Barroso sobre a criminalização do aborto no primeiro trimestre de gravidez foi efetuado no ano de 2016, data em que muitas coisas ainda eram diferentes do ponto de vista político e ideológico no Brasil. Desde lá muita coisa mudou, e a cada dia mais a nação verdeamarelista acaba por ser lançada ao mural das soluções fáceis e agressivas do reacionarismo muito ideológico e pouco racional.

Conhecido muitas vezes por seu progressismo seletivo, a argumentação de Barroso fundamenta-se no caráter ilegítimo e inconstitucional da criminalização do aborto, norteado pela ideia plausível calcada nos direitos fundamentais do ser humano e na proteção aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres - pautas exemplares e vítimas de constantes ataques de grupos conservadores nos últimos anos. Sobre esses, vale a análise curiosa que desenvolvem acerca do papel do Estado, imaginando-o como uma entidade que deva ser cada vez mais reduzida e existir apenas em nome da liberdade irrestrita individual, ao mesmo tempo em que busca punir todos os que desempenham uma ação que deveria decorrer da livre escolha, mas que atenta contra o rol de princípios comuns ao grupo pouquíssimo democrático.

Possibilitando uma análise técnica daquilo colocado por Sara Araújo, o abismo existente entre o “norte” e o “sul” como entidades além do plano geográfico no caso em questão se manifesta na esfera econômica e social das nações não hegemônicas, à medida que essas se encontram em um caráter constante e irrestrito de exploração econômica, social e mental. Quando o ministro do STF cita os “países mais desenvolvidos” como páreas internacionais em um caminho exemplar a ser seguido, o faz sem perceber, mas manifesta em sua fala o falso paralelo de nações construídas para pensar e nações corroídas pelo pensamento dessas.

            Com sua formação majoritariamente cristã, é comum visualizar muitos brasileiros fazendo uso do senso comum para dizer que a mente fechada de povo latino no que se refere ao aborto é algo intrínseco ao seu desenvolvimento histórico. Contudo, cai por terra tal afirmativa quando observamos a Alemanha – o berço do protestantismo e, ainda assim, favorável ao aborto no primeiro trimestre de gravidez. Tal constatação nos permite perceber que a questão brasileira está na falta de diálogo, na alienação e na lacuna de tempo ínfima de um povo criado para ser combustível e não operador. Aí mora a monocultura do global e universal, oferecendo saídas simplistas e insuficientes, além de obstruir os canais de crítica a um problema posto e instalado por vias “superiores”.

            Por fim, é interessante observar que Sara Araújo chama a atenção ao direito neutro, distante, racional e objetivo como ferramenta de dominação, o exato quadro observado em um sistema normativo de 1940 e que, até hoje, rende seus frutos de tempos sombrios e nulos do ponto de vista social. Evidente é o viés institucional opressivo de um conjunto de normas que pune o pobre por assim ser, enquanto libera ao mais abastado a oportunidade de ouro de não responder criminalmente pela mesma atitude. Como diria Fábio Brazza: “Melhor que ser filho de Deus é ser filho de deputado”.

Pedro Basaglia, 1° ano - Noturno

Em busca de uma visibilidade da realidade do Sul

As diferenças e as separações feitas entre Norte e Sul não são recentes e muito menos se reduzem a questões de localização geográfica. Desde o período colonial, das grandes navegações e da expansão do poderio europeu pelo mundo, assumiu-se uma hostilidade contra aqueles tidos como os “outros”, passando a os tratar como “um vazio imaginado, sem nada a ensinar e que deve aprender da superioridade ocidental” (SANTOS, 2014a apud ARAÚJO, 2016).  Essa visão se expandiu ainda mais durante o período neocolonial, através de teorias como evolucionismo social, que  buscavam - por meio de uma suposta ciência sem grandes fundamentos - justificar esses pensamentos. 

Décadas após as relações políticas mudarem “com o fim político dos impérios coloniais, as narrativas hegemônicas, sobre as quais assentou a alegada superioridade dos países do Norte, não foram decisivamente postas em causa e são constitutivas do projeto da modernidade.” (ARAÚJO, p. 94, 2016). O direito moderno se baseia nestas mesmas perspectivas dominantes, contribuindo e servindo de instrumento para a reprodução do colonialismo e do capitalismo. A linha que separa o Sul e o Norte, também acaba se estendendo ao âmbito jurídico, no qual de um lado se  encontram vários universos jurídicos que são desperdiçados, considerados inferiores, primitivos e não existentes por conta da “não contemporaneidade do contemporâneo” (ARAÚJO, p. 97, 2016). Enquanto do outro lado, se encontra o pensamento hegemônico, supostamente superior. 

Esse domínio impõe um direito universal, sem levar em conta as especificidades de cada localidade, pois ao tornar “invisível a realidade do lado lá não compromete a universalidade do que se propõe deste lado.” (ARAÚJO, p. 96, 2016), assumindo assim o conceito de uma razão metonímica, na qual se assume a parte como um todo. Perante a esse pensamento hegemônico, o direito e as normas são impostas pelo Estado ou também de acordo com ideiais internacionais, sendo esses os responsáveis por ditar o que é legal ou ilegal.

    “Legal e ilegal perante a lei são as únicas formas relevantes de existência e, nesse sentido, a distinção entre ambos é uma distinção universal.”  (ARAÚJO, p. 96, 2016).  Com esse pensamento, busca-se a legalidade e a regulamentação a qualquer custo e em todos os aspectos da vida dos indivíduos. A exemplo disso, é possível citar a Ação de Reintegração de Posse do bairro Pinheirinho, um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, que era ocupado há 8 anos por aproximadamente 6 mil pessoas  em São José dos Campos - SP. Esse processo foi ajuizado pela empresa Selecta e, em uma decisão cheia de contradições, foi deferido pela juíza Márcia Loureiro. Assim, em uma ação de extrema brutalidade, inúmeras famílias foram retiradas à força de suas casas por policiais.     

À vista do exposto, nota-se que essa procura por uma legalidade sem se importar com as consequências, valoriza mais o mercado do que as pessoas e é capaz de  deixar indivíduos desabrigados apenas para obter o lucro com a especulação imobiliária, removendo tudo o que está no caminho. Nesse sentido, como a autora Sara Araújo (2016) expõe, "atropela ordenamentos jurídicos que regem outras culturas e outras organizações políticas e cria a sociedade civil incivil.” (p.111), ou seja, uma sociedade que deixa grande parte dos cidadãos de fora do contrato social, marginalizados e invisibilizados. 

    É este o cânone hegemônico a ser desafiado. O domínio que menospreza as ciências e os pensamentos epistêmicos do Sul e que os trata como inferiores e não dignos de serem ouvidos. É diante dessa hegemonia que o Norte consegue obter decisões que permitam à exploração e a realização dos seus interesses nestes outros países. Por isso, em resposta a essa opressão, a autora Sara Araújo expõe a necessidade de um pluralismo jurídico e também de uma ecologia de direitos e justiça. Nesse modelo, seria necessário tratar as diferenças entre os ordenamentos de forma horizontal e não vertical, como vem sendo tratada. Este processo seria feito através da criação de “pontes de diálogo que permitam promover aprendizagens jurídicas recíprocas entre Norte e Sul” (ARAÚJO, p. 111, 2016).     

Conclui-se por fim que, a hegemonia do Norte em relação ao Sul ainda é marcante e perceptível, principalmente através do direito. Assim, faz-se necessário a ultrapassagem dessa linha que divide Norte e Sul, uma vez que enquanto o cânone universalista se manter, inúmeras realidades serão ignoradas e produções de conhecimento preciosas serão perdidas. É por essa razão que o pluralismo jurídico e a ecologia de direitos e justiça são elementos importantes nessa resistência à dominação. Portanto, não é preciso tratar um direito como se fosse melhor do que o outro, mas sim assumir-se uma visão horizontal, em que todos possam ser vistos como equivalentes. 




Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 


SANTOS, B. de S. Epistemologies of the South. Boulder: Paradigm, 2014a.


ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias. Porto Alegre, ano 18, n.o 43, set/dez 2016.