segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Pode ser equiparado o crime de injúria racial ao de racismo?

No dia 28 de outubro o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crime de injúria racial é equiparado ao crime de racismo e dessa forma passou a ser considerado imprescritível. A votação contou com 8 votos a 1, e o único a votar contra essa alteração foi o Ministro Kassio Nunes Marques, que compreende a distinção desses crimes por tutelarem bens jurídicos distintos.   

Primeiramente, equiparar o crime de injúria racial ao racismo gerou controversas pelo país, pois na teoria não cabe ao STF alterar leis constitucionais e sim ao legislativo, logo muitos juristas, como o próprio Ministro Kassio Nunes, discordaram dessa equiparação. Em contrapartida, podemos pensar que no Brasil atual essas questões não são aceitas no poder legislativo pela polarização dos pensamentos, porém fora do “teatro de terno e gravata” tem pessoas morrendo por serem negras, do gênero feminino, pela sexualidade ou religião. Dessa forma, o que o STF fez é garantir que os direitos dessas pessoas sejam assegurados. Para exemplificar o discorrido, trago esse trecho:   


“O ideal de um mundo normativo, enquadrando e prevendo todas as situações sociais, é abandonado. A lei geral é incapaz de apreender a diversidade de valores. As dificuldades que podem surgir são de tal maneira numerosas e imprevisíveis que o legislador não pode antecipá-las, sob pena de fechar-se, numa posição que o conduzirá rapidamente a resultados inversos àqueles desejados.”(Garapon, 1999, pág. 143)  


O judiciário no momento atual tem uma importante missão em relação a garantia dos direitos constitucionais e a interpretação da mesma, na medida que existem pessoas que estão indo contra uma equiparação de um dos crimes mais cruéis já visto na sociedade, tudo por uma questão de interpretação literal do que deveria ser. É esse sentido que Garapon quer passar quando retrata, na magistratura do sujeito, sobre a questão de que o poder judiciário deixou de distribuir estatutos e honrarias, bens jurídicos, econômicos, e passou a ser um poder obrigado a distribuir funções sociais e interpretar as leis antigas conforme o momento atual.   

É importante ressaltar que existe um problema nesse “autogoverno” do judiciário, porém ir contra a uma equiparação de dois crimes que estão completamente ligados, pois a injúria racial, juridicamente, é retratada como uma ofensa a honra de uma pessoa determinada e o racismo é relacionado a ofensa de grupo determinado, desse modo, com uma interpretação um pouco mais aprofundada sobre o assunto, é possível ver que a injúria racial faz parte desse crime de racismo.  

Logo, qualquer forma de discriminação que colabora para fragmentação e afeta grande parte da população deve ser combatida, e os autores dos crimes devem ser responsabilizadas por seus atos, visto que se não for repudiado e assegurado que essas pessoas paguem pelos crimes cometidos estaremos incentivando mais pessoas a expor seus posicionamentos racistas e indo contra a liberdade e o direito à vida de indivíduos que fazem parte dessas minorias. 



João Vitor Cunha Pereira - Direito Noturno

Judicialização

A judicialização é sem dúvidas um dos fenômenos mais debatidos no campo jurídico nos últimos anos. É um tema de relevância global, cujo o qual, trata-se de um fenômeno em que questões políticas, sociais e morais são resolvidas pelo Poder Judiciário ao invés de serem solucionadas pelo poder competente, seja este o Executivo ou o Legislativo. Pode-se resumir a Judicialização como o fenômeno de levar ao conhecimento do Judiciário matéria que não foi resolvida, como deveria, pelo Poder competente.


Esse tópico é brilhantemente analisado pelo jurista francês Antoine Garapon. O nobre pensador disserta em sua obra “O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas" sobre o crescente protagonismo dos tribunais na sociedade contemporânea. Nesta grande obra o autor muito bem identifica que com a positivação de muitos direitos fundamentais, decorrentes do próprio sistema democrático, de lutas sociais, bem como a preocupação com individuo pós segunda guerra, criou uma demanda para que tais direitos fosse colocados em prática. Demanda esta, que não é atendida pela via política, restando aos indivíduos recorrer a esfera jurídica para ter seus direitos garantidos. Com isso, os magistrados, representantes do poder judiciários, deixam de agir de modo arbitral e objetivo, para assim, transformar-se em uma figura tutelar e subjetiva, garantidora dos direitos sociais promulgados através do pacto constitucional presente no Estado Democrático de Direito.


Tal conceito sobre o atual papel do judiciário torna-se pertinente quando se analisa o processo de criminalização da homofobia no Brasil. O caminho até essa atitude ser tomada foi longo e demorado, afinal, o tema foi palco de um prolongado debate político, que no fim não deu em nada, com a postura de criminalização da homofobia só partindo do Estado Brasileiro após decisão do Superior Tribunal Federal (STF). Em 13 de junho de 2019 o STF julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26), enviada à Corte em 2013 pelo  (Partido Popular Socialista), e o Mandado de Injunção (MI 4733), que foi protocolado em 2012 pela  (ABGLT).


Segundo as ações, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 determina que qualquer "discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" seja punida criminalmente. A justificativa usada pelos responsáveis para entrar com as ações é que, ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, deputados e senadores estariam se omitindo 


inconstitucionalmente, por "pura e simples má vontade institucional". O STF determinou que o crime de racismo seja enquadrado nos casos de agressões contra pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional.


NOME: Gabriel Henrique Zorneta, aluno de direito da Unesp Franca.

Turno: diurno.


Obs da monitoria: texto dentro do prazo, enviado às 10:38 do dia 08/11 via e-mail



As parcelas sociais desamparadas por seus direitos

 Em um contexto de conquista de direitos, a Constituição de 1988 – também conhecida como a “Constituição Cidadã” – colocou em pauta uma série de debates sobre a igualdade racial, até então pouco amparada no âmbito constitucional. Dentre uma das propostas, foi exposta “a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil". Nesse sentido, vale ressaltar o atraso histórico para que tais temáticas fossem positivadas, assim como a ineficácia do conteúdo escrito na prática. 

A partir dessa visão crítica sobre a perspectiva racial na sociedade contemporânea brasileira, o magiatrado Antoine Garapon já defendia o pensamento de que o indivíduo inserido em um mundo neoliberal está desamparado de seus direitos garantidos por lei. Com isso, ao depararem-se com uma falsa ideia de autonomia democrática, os sujeitos são incapazes de suportar a sua autodeterminação. Sob essa perspectiva, os tribunais ganham considerável protagonismo, fortalecendo, assim, o fenômeno da tutelarização do sujeito (como diz Garapon), uma vez que as pessoas buscam na justiça sua função tutelar, que possa abarcar seus direitos positivados.

Ao analisar essa fragilidade de determinados corpos sociais, vale ressaltar que, mesmo após a Constituição de 88, o acesso ao processo seletivo universitário, por meio de cotas raciais, somente foi garantido por lei em 2012. Dessa maneira, faz-se necessário visualizar a votação dos ministros do STF, a respeito da ADPF 186, no sentido de compreender a causa favorável dos ministros para a utilização de cotas, além da demora para que está decisão fosse colocada em pauta.

Em primeiro lugar, insta citar a percepção de Garapon de que “(...) o direito invade a moral, a intimidade, o antigoverno.” (GARAPON, 1999). Desse modo, os movimentos sociais e as pressões externas, a exemplo das causas raciais estudantis, influenciam na tomada de decisão na Justiça. Ou seja, uma votação majoritária favorável dos ministros na ADPF 186 reflete muito mais os anseios sociais por igualdade de fato, ao invés da posição individual de cada magistrado. 

Por fim, o hiato na garantia de “igualdade" racial entre a Constituição de 88 e a realização da ADPF 186, explicitam não só o desamparo das classes desfavorecidas que recorrem à justiça, mas também a necessidade da justiça contemplar as dinâmicas sociais em suas necessidades por representação, ainda mais com a discriminação racial existente há séculos no Brasil.

 Gabriel Drumond Rego - Direito Matutino - Turma XXXVIII.

O Judiciário emite sinais para a sociedade ao julgar determinados temas.

 Recentemente, foi acrescentado pelo STF junto à lei de racismo (a lei 7716/89) um trecho que inclui à criminalização da homofobia, decisão que causou muitas controvérsias no país, já que algumas pessoas alegavam que o STF estava sendo parcial na sua decisão e se deixando levar por um viés ideológico. Porém esse argumento é de várias formas equivocado, pois basta apenas olhar dados para descobrir que a comunidade LGBT necessita de proteção especial já que sofre apenas por serem quem são.

A Constituição brasileira prevê a garantia de segurança para todos os seus cidadãos, porém essa segurança parece ficar em déficit com a comunidade LGBT, já que dados mostram que a cada 16 horas morre uma pessoa vítima de homofobia no Brasil. Dessa forma, a criação de uma proteção especial para a comunidade homossexual nada mais é que uma necessidade de Estado, necessária para a manutenção da Constituição.

Os tribunais exercem influência direta e indireta sobre as questões debatidas na sociedade, que por sua vez engaja os diferentes grupos a reivindicar direitos.

Podemos observar que ao permitir a união civil homoafetiva, o STF demonstrou aos grupos sociais interessados no tema que há atenção voltada para eles, possibilitando que novas demandas como a mencionada no incio pudessem ser contempladas. A corte  estabelece os espaços do possível para a atuação dos grupos. O supremo por meio de suas decisões pode tanto motivar e incentivar cetos grupos a lutarem por suas demandas como também pode demonstrar que elas não serão contempladas.

Sendo assim, podemos observar o papel positivo das cortes na atualidade, que garantem que mesmo as minorias que não conseguem ser representadas pelo Legislativo tenham seus direitos garantidos. Além disso, servem de "guia" para tais grupos, fazendo com  que consigam garantir seus direitos. Ao emitir sinais, como o julgado sobre a união civil homoafetiva e a preocupação com a garantia de direitos de grupos compostos por minorias, faz com que os grupos se mobilizem e participem de maneira positiva na sociedade.

Decisões como essa, que foram tomadas sem influência notável de qualquer tipo de preconceito, sem nenhum conservadorismo, devem ser tomadas como base no sistema judiciário, para que ele seja mais justo, efetivo e correto. O Supremo não deve criar leis, mas se o legislativo não buscar meios para seguir a constituição, ele deve agir para que não haja injustiça.


Pedro Henrique Barreiros Hivizi - XXXVIII - Noturno 

XP e a Exemplificação da Desigualdade Racial no Brasil

 No dia dezoito de agosto, as ONGs (estas juntamente com os órgãos públicos podem fazer esta ação) Educafro e Visibilidade Feminina, em conjunto com o Centro Santo Dias de Direitos Humanos protocolaram uma ação trabalhista contra a empresa do ramo financeiro Ável, subsidiária da XP inc, pedindo uma indenização de dez milhões de reais e um conjunto de medidas inclusivas devido a uma foto com seus funcionários na sede em Porto Alegre que a empresa postou. Nesta foto, a maioria dos funcionários são homens cisgêneros e brancos; falta de diversidade esta que de acordo com as ONGs gera danos sociais e morais para o coletivo. 

Surpreendentemente para muitos, que esperavam que como de costume a justiça permanecesse inerte frente a desigualdade social, esta não decidiu ficar calada. Ainda em agosto, uma juíza da vara do trabalho decidiu acatar o processo. Diante desta decisão, a empresa decidiu se pronunciar, divulgando uma nota no mínimo "esfarrapada" e insatisfatória que representa uma visão da empresa de minimizar o problema. Em decorrência disto, o MPT-RS se posicionou favoravelmente ao processo, destacando a insuficiência da resposta da empresa e a abissal desigualdade de gênero e raça no mercado financeiro.

Apesar de ainda não haver um desfecho e o julgamento ainda não ter acontecido, toda esta movimentação jurídica por si só já carrega um grande peso sociológico. Se por um lado a marginalização de negros e  mulheres é histórica e é satisfatório ver as empresas, por bem ou por 'mal',  tornando-se mais inclusivas e diversificadas, é importante entender o papel do judiciário neste processo. Há uma tendência no Brasil e em diversos países, com a ascensão do neoliberalismo e um consecutivo descompasso do ativismo da classe política e das generosas garantias constitucionais criadas no período pós-ditaduras. Para preencher este vácuo da proteção destas garantias devido a inércia da classe política e a hostilidade por parte da sociedade (reacionários, bolsonaristas etc) em relação a elas, o judiciário tem se tornado crescentemente ativista, exercendo assim um maior protagonismo na sociedade e tutelando as relações sociais. Quem se aprofunda academicamente neste processo é o magistrado francês Antoine Garapon. Segundo este, a desagregação da harmonia social tende a ser remediada pelo judiciário, que acaba assumindo a magistratura do sujeito; uma vez que estes por motivos endógenos (como a pobreza, que prejudica o acesso à educação) acabam sendo muitas vezes incapazes de lidar apropriadamente com a autodeterminação. A classe política é diretamente afetada por essa incapacidade (uma vez que é diretamente eleita); assim uma função que seria do congresso como a de criminalizar a homofobia por exemplo, acaba recaindo ao STF.

A atual desarmonia social e seus reflexos obrigam, o judiciário a assumir então um papel ativo e fiscalizador (indo além da fiscalização já prevista que o Ministério Público deve exercer). A liberdade e a democracia, quando um de seus pilares está fragilizado (consciência social), para não deixar os indivíduos mais fragilizados a mercê da própria sorte, vê um outro pilar (neste caso os tribunais) se fortalecer para tentar manter o equilíbrio. Os tribunais então se utilizam do direito como ferramenta para fazer valer os direitos e deveres que deveriam ser sustentados por outros setores da sociedade. Os tribunais assim acabam afetando a moral e a própria consciência individual dos integrantes da sociedade. No caso da XP, a falta de diversidade nela deveria ser amplamente vista pela sociedade como problemática e indício forte da falta de compromisso da empresa com as causas sociais. Assim, idealmente, a sociedade boicotaria a empresa por ela não estar em sintonia com os valores da população. Infelizmente, devido a uma parcela considerável da população não ver como prioridade minorias sociais ocuparem mais espaços na vida pública e privada (e logo os políticos também não se sentirem dispostos a criar normas que possibilitem e facilitem tal), acaba sendo relegado ao judiciário promover este objetivo. Portanto, a juíza do trabalho não viu outra opção se não acatar o processo da ONG e o Ministério Público do Trabalho corroborar a decisão da juíza. Eles entendem o quão a foto da Ável é um reflexo danoso da marginalização social e uma empresa que é exemplo desta marginalização responder por esta atitude discriminatória promoverá uma maior conscientização sobre o tema e influenciará outras empresas a diversificarem seu corpo de empregados. Talvez não seja o ideal logo o judiciário estar fazendo isso, mas diante da inércia de quem deveria, ele no momento se apresenta como a solução.

A necessidade da decisão pós-positivista para se alcançar a justiça.

 A tripartição do Poder, idealizada por Montesquieu e aderida pelo Brasil, prevê, tipicamente, a elaboração das leis por parte do Legislativo, administração pelo Executivo e aplicação pelo Judiciário. No entanto, há uma burocracia muito grande para que as demandas da sociedade sejam reconhecidas pelos parlamentares, aprovadas no Congresso e sancionadas no Planalto, trazendo uma eventual e incerta possibilidade de concretização, que pode não acontecer, ou se acontecer, de forma tardia e desproporcional com a urgência dos querelantes. Discorre Garapon: “A demanda da justiça vem do desamparo da política[...]¹”. Analisando a fala do jurista, o Poder Judiciário toma a frente, protagonizando dentre os demais poderes o compromisso com as petições da sociedade, uma vez que, em casos concretos exige-se do magistrado uma posição diferente da exposta na letra fria da lei ou na sua ausência, uma decisão que busque sanar as pendências dos desamparados.

Tendo em vista que há algumas hipóteses que a tramitação no congresso pode não concretizar um direito, ou concretizar de forma tardia, o nosso ordenamento jurídico reconhece, com sapiência, a jurisprudência como fonte do Direito, que mesmo de forma supletiva, exerce um papel de destaque em diversas questões da sociedade. Sendo assim, Garapon busca equilibrar a moral com a legislação, entendendo que se analisarmos apenas uma e desprezar outra, a justiça não será alcançada, pois, se por um lado o positivismo da lei é insuficiente para abarcar todos os conflitos e interesses da sociedade, por outro, observa-los apenas sob a ótica moralista é abrir espaço para arbitrariedades do juiz, que julga de acordo com sua consciência. É mister um equilíbrio dos dois, para que seja reparado o dano da desigualdade entranhado na sociedade tupiniquim, já que, num Estado Democrático de Direito e na Carta da República a igualdade é basilar em todas as áreas da vida.

Em um julgado recente do STJ (STJ - AgInt no AREsp: 956558 SP 2016/0194543-9), a lei, de per si, não foi capaz de trazer a justiça em sua concretude, logo foi necessário que os ministros tivessem uma visão pós-positivista do caso em concreto, para que fossem reparados os prejuízos já sofridos pelo querelante. Trata-se de um senhor de idade que, iniciou seu labor em zonas rurais aos 12 anos de idade e pedia que fosse reconhecido os anos em que trabalhou dos 12 aos 16 (quando começou a contribuir à Previdência Social) no cálculo de contribuição para que pudesse se aposentar mais brevemente (e justamente). Contudo, o motivo dos tribunais anteriores terem negado tal pedido, estava calcado na lei, que prevê que é apenas aos 16 anos que se pode começar o cômputo para a aposentadoria por tempo de contribuição. Dessa forma, os juízes anteriores se prenderam a lei, esqueceram da moral e da justiça, não interpretando a lei com o objetivo em que ela foi feita, proteger a criança do trabalho infantil e não o de renegar "benefícios" no caso de seu descumprimento. 

Destaca-se o trecho da decisão proferida pelo Ministro Napoleão Filho: "[...]o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores"². Tal decisão, afronta a lei, mas faz sorrir a Justiça. Graças ao protagonismo do STJ foi possível que fosse assim. Contudo, triste saber que os juízes dos tribunais anteriores não pensaram assim e desgastaram muito o sistema jurídico do país e as partes do processo.

Natã da Silva Dias, Direito XXXVIII, noturno, 2° período.

Referências:

¹RAYNAUD, Philippe apud GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas, p. 24.

²(STJ - AgInt no AREsp: 956558 SP 2016/0194543-9, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 02/06/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2020)

Análise de julgado a partir da perspectiva de Garapon

 O município de Ipatinga do estado de Minas Gerais criou a lei 3.491/2015 que segundo o próprio texto impedia as suas escolas de “adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual.”. Em face dessa lei totalmente absurda, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com o objetivo de impedir que essas censuras fossem implementadas no município.

Ao chegar no Supremo Tribunal Federal, o caso foi analisado pelo Ministro relator Gilmar Mendes, que prontamente identificou diversas falhas no texto e através de uma Medida Cautelar declarou a sua inconstitucionalidade. Entre as principais razões apontadas pelo Ministro estão: o fato desta norma violar “a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, além de ressaltar que a censura da diversidade é uma característica de regimes autoritários e que é dever do Estado promover políticas públicas de não discriminação e igualdade. 

Esses tipos de decisões podem ser vistas por diversas pessoas como uma interferência por parte do judiciário nos assuntos dos outros poderes, chamando isso inclusive de ativismo judicial, todavia Antoine Garapon não entende dessa forma. Para o autor, o que ocorre na verdade é a judicialização (vale a pena ressaltar que é um conceito bastante diferente de ativismo judicial), que é um fenômeno político-social, ou seja, ele não tem origem no direito, mas sim na sociedade e somente depois migra para a área jurídica a fim de ser resolvido. 

Ainda a luz do pensamento de Garapon, a decisão unânime tomada pelos Ministros tem presente a Magistratura do sujeito, uma vez que teve como objetivo assegurar direitos que são garantidos por lei, aos sujeitos que se veem vulneráveis perante a uma política morosa e que não consegue fazer decisões que protegem minorias sociais. Esse caráter de proteção de grupos ou indivíduos através do judiciário fica claro ao perceber a presença de grupos LGBTQIA+ como amicus curiae, o que ressalta ainda mais essa Magistratura do sujeito.

Desta forma, fica cada vez mais evidente que o papel do judiciário vem se expandindo cada vez mais e que os tribunais estão cada vez mais assumindo o protagonismo na proteção dos indivíduos, uma vez que a política não consegue tomar decisões assertivas em relação a temas que são polêmicos, mas urgentes. Assim, Garapon, conseguiu descrever a judicialização como algo necessário, como pode ser visto nesse caso, que impediu a censura de temas importantes na educação e ainda protegeu grupos que já são constantemente atacados e diminuídos em nossa sociedade. 


Guilherme Kazuo Rocha Ychibassi - Direito/diurno


Direito mobilizado: politização jurídica ou disputa por um universo político?


    No dia 5 de Maio de 2011, pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 (ADPF 132) promovida por meio do STF (Supremo Tribunal de Justiça), a união homoafetiva foi reconhecida como um instituto jurídico. A justificativa dada para sua legitimidade foi a realização de uma interpretação conforme a Constituição ao Artigo 1723 do Código Civil, o qual define que “ é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher”. Uma hermenêutica à luz dos princípios constitucionais para o disposto mencionado contempla o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo a liberdade para dispor da própria sexualidade; a proibição da discriminação em razão de sexo ou gênero; além do direito à intimidade e à vida privada.    

    Dessa maneira, uma entre as mais altas instâncias jurídicas determinou a família como uma categoria sócio-cultural, podendo ser constituída de maneira hétero ou homoafetiva. Além disso, sua formação deve ser garantida para todas as pessoas que a desejarem, como uma maneira de assegurar a dignidade humana. Contudo, em contraposição ao que foi exposto acima, o pensador Antoine Garapon, em sua obra “O juiz e a democracia”, ao discorrer sobre o crescente papel dos tribunais na Modernidade como mecanismo de proteção a pessoas denominadas “frágeis”, em um cenário de indeterminação de direitos, afirma que a transposição de tais problemas ao universo jurídico pode comprometer os vínculos sociais. 

    Nesse sentido, tendo como pano de fundo para análise o neoliberalismo, a vulnerabilização de sujeitos é percebida por Garapon. No entanto, ao remeter-se a uma possível “solidariedade entre classes que havia estruturado a identidade nacional” (GARAPON, p. 140), anterior à Modernidade, ele afirma que essa tutela jurídica é uma maneira de desassociação. Portanto, para Garapon, essa nova forma de se pensar o Direito não é encarada da mesma perspectiva positiva que a determinada pelo STF, pois o pensador acredita que tais questões devam ser solucionadas espontaneamente pelos costumes, como afirma que ocorria antes do crescente papel dos tribunais. 

 Para acrescentar, o jurista declara que esse processo é essencialmente político, haja vista que ele é capaz de conferir a dignidade a quem foi negada. Em face do exposto, há de se questionar: pode-se pensar efetivamente em uma solidariedade de classes e, se sim, a falta de equilíbrio social mencionada é reflexo da tutela jurídica ou essa última é consequência de tal desarmonia? Além disso, a que ponto questões como a união homoafetiva seriam solucionadas por meio de costumes ou de outras autoridades, como religiosas e paternais? O judiciário está sendo politizado ou decisões que marcam um histórico de violências simbólicas nele também eram políticas? É possível pensar na autoridade das magistraturas de maneira unívoca ao se analisar um julgado com 15 amicus curiae, omitindo a influência dos movimentos sociais no Direito?

Diante de tais questionamentos, é necessário observar o histórico de criminalização e marginalização da população LGBTQ+. Entre os séculos XIII e XIV, a Inquisição em Portugal perseguiu e assassinou esse grupo. Costume e moral católica que ainda ecoam nos dias atuais, pois, em 2021, o Padre Paulo Antônio Muller declarou em uma missa: “não chamem relações de viados e lésbica de casamento”. Como consequência dessas normas de cunho religioso, o Direito português assimilou a LGBT+fobia institucionalizada e a incorporou no Brasil, nas Ordenações Filipinas, sendo os ditos sodomitas (homens que se relacionam com homens) e as tríbades (mulheres que se relacionam com mulheres) criminalizados. A criminalização das relações LGBTQ+ só se findou no Brasil em 1830. A união homoafetiva foi possível em 2011, assim como a criminalização da LGBT+fobia somente ocorreu em 2019. 

Portanto, pensar nesses conflitos sociais é perceber que, antes da modernidade vir à tona, não é consenso uma realidade de solidariedade e equilíbrio social citada por Garapon. A noção de que a disputa pelo direito à existência de setores marginalizados não é necessariamente uma consequência do protagonismo dos tribunais, mas sim um reflexo no judiciário, que passou a ser visto como campo de luta por tais garantias, é essencial. Da mesma maneira, restringir a resolução de conflitos sociais para âmbitos de outras autoridades é recorrer a um histórico de violências, pois o discurso aqui analisado do Padre Paulo demonstra o pouco espaço para que as soluções alcançadas pelo plano religioso afirmem, obrigatoriamente, direitos de minorias como a LBGTQ+. Ademais, não se deve negar que a decisão tomada pelo STF possui um cunho político ao conferir dignidade humana para tais grupos, mas pensar em um ordenamento jurídico que negou essa vida digna (ou apenas uma vida) é entendê-lo também de forma política. 

Jovanna Baby, em seu livro “Bajubá Odara: resumo histórico do nascimento do movimento de travestis no Brasil” relata como ela e outras muitas travestis já foram detidas, em 1979, por serem enquadradas na conhecida “Lei da Vadiagem”. A negação do direito à circulação nas ruas foi uma postura política dos tribunais, antes da tutela dos direitos dessas minorias. Logo, compreende-se os reflexos da mudança social promovida por movimentos como o LGBTQ+ em decisões como a do STF, não sendo ela uma declaração simplesmente jurídica. Garapon diz que o Direito invade a intimidade e a moral, o STF menciona que reconhecer o casamento homoafetivo é garantir o direito à intimidade. Amicus Curiae como o GGB (Grupo Gay da Bahia) e a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais) reclamaram à justiça a possibilidade da criação da intimidade, assim como um novo olhar sobre a moral. Pensar nesse caso é observar o Direito como algo que não é invasivo, mas possibilitador de garantias fundamentais. 



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999.  [Cap. VI : “A magistratura do sujeito”, p. 139-153]  


TREVISAN, João Silvério. Pessoas LGBT+ na história. Cartilha: seminário de formação de ativistas LGBT+. Organizada por: Associação da Parada de Orgulho LGBT de São Paulo (APOLGBT-SP). 28 de Out. 2021. 


MESQUITA, Allan. ‘Não chamem relações de viados e lésbica de casamento', diz padre durante missa em MT. Gazeta Digital. 15 de Jun. 2021. Disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/no-chamem-relaes-de-viados-e-lsbica-de-casamento-diz-padre-durante-missa-em-mt/657382. Acesso em: 07 de Nov. 2021. 


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 (ADPF- 132). UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 14 Out. 2011. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 07 de Nov. 2021. 


SILVA, Jovanna Cardoso da. Bajubá Odara: resumo histórico do nascimento do movimento social de travestis e transexuais no Brasil. Picos, PI: Jovanna Cardoso da Silva, 2021.


Letícia Magalhães, Noturno.

Tutelarização do sujeito e direitos fundamentais das mulheres

    Contrário a qualquer controle do Estado sobre os mecanismos de mercado, o neoliberalismo nasce no segundo pós-guerra como uma reação ao estado intervencionista e de bem-estar, entendido como uma ameaça à liberdade econômica e política. À luz da visão neoliberal, o equilíbrio e o igualitarismo propostos pelo keynesianismo destruíam a principal fonte da prosperidade coletiva: a livre concorrência, o que, por conseguinte, suprimia a liberdade individual e condicionava os cidadãos, por mais particulares que fossem, a seres de semelhante comportamento. Esse ideal dogmático e incisivo, que exigia da sociedade plena aceitação, foi capaz de ocupar todos os espaços e disseminar amplamente seus princípios. Nesse sentido, o jurista francês Antoine Garapon vai afirmar que, o individualismo, tão sustentado pelas premissas neoliberais, será responsável por transformar política e juridicamente toda estrutura social.

A valorização do âmbito individual exige que o sujeito seja legislador de sua própria vida e supere a ordenação do estado de bem-estar social. Desse modo, o que antes era tutelado por laços hierárquicos naturalmente estabelecidos, passa a ser enfrentado por cada indivíduo em sua autodeterminação, o que resulta na condição de “magistratura do sujeito”. Esse conceito é apresentado por Garapon para explicar o papel que o judiciário assume nessa nova conjuntura; incapazes de sustentar a autonomia agora exigida, as pessoas desamparadas transformam-se em demanda para o Direito, que estará encarregado de intervir em assuntos particulares e garantir que normas sociais antes implícitas sejam efetivadas. Assim sendo, família, política, moral, religião, entre outras instituições, terão seus preceitos positivados, explicitados e tutelados por tribunais que assumirão o papel de protagonista em deliberações de toda natureza.

No Brasil não é diferente, uma vez que o judiciário sintetiza a resolução de questões que ultrapassam a moral, a intimidade e o autogoverno, como pode ser observado no voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do habeas corpus n. 124.306/RJ. A declaração refere-se ao posicionamento assumido pelo ministro e os fundamentos sustentados para a defesa da descriminalização da interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre. No julgado, os pacientes tiveram sua prisão preventiva decretada pela 4ª Câmara Criminal do TJRJ sob o fundamento de garantia da ordem pública e de necessidade de assegurar a efetivação da lei e, logo, solicitavam HC.

O voto do ministro recebe destaque pois discorre em defesa dos direitos fundamentais das mulheres e abre os olhos para uma realidade social cuja prática acontece à margem da lei e coloca em risco a saúde física e psicológica de muitas brasileiras todos os dias. “A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria."

Em uma explícita demonstração do Direito como tutor dos cidadãos, o exemplo demonstra como a justiça não só amplia suas intervenções, mas também é alvo de solicitações feitas por pessoas que anseiam por resoluções justas, que resguardem seus direitos, quando a resposta extrajudicial já não é mais eficiente. Além disso, o julgado confirma a importância que os tribunais exercem nessa conjuntura de protagonismo, haja vista que um tema como o aborto, objeto de saúde pública, que envolve os direitos sexual, reprodutivo e de conservação de escolhas pessoais somente das mulheres é ainda assim muitas vezes dissociado pela norma da vontade daquelas que sofrem diretamente com sua criminalização, sendo urgente a legitimação e o esclarecimento dessa garantia por meio do judiciário, tamanha autoridade colocada sobre esse poder pelo imaginário popular da democracia neoliberal.

Giovanna Cardozo Silva - Turma XXXVIII - matutino

 

ANÁLISE DE JULGADO: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – FAZENDA PRIMAVERA – MST – TJRS/ AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 7000343488, COM BASE NO CAPITÚLO VI DO LIVRO “O JUIZ E A DEMOCRACIA; O GUARDIÃO DAS PROMESSAS”, DE ANTOINE GARAPON.

 

Para fazermos a análise do julgado e relacioná-lo com o texto de Garapon, é preciso que, primeiramente, façamos uma contextualização histórica e teórica do tema abordado no capítulo analisado. Assim, é preciso comentar o protagonismo dos tribunais e o motivo pelo qual este vem crescendo, começando, claro, pela onda neoliberal que se inicia nos anos 70 e se estende até os dias atuais.

O neoliberalismo, prega o afastamento do Estado das relações sociais e de mercado, como as relações trabalhistas e - tema que é muito recorrente dentro da doutrina - a desestatização e privatização de segmentos da economia, defendendo uma abordagem econômica e social que coincide com os princípios do capitalismo. Esta ideologia neoliberal se fortaleceu na década de 60 e 70 ao lado justamente do capitalismo, que crescia em todo o mundo no pós-guerra impulsionado pelas novas tecnologias que resultaram da guerra - principalmente a de comunicação que garantiria a integração do mundo na chamada globalização - e ideologias bipolares que imperavam entre as novas potências mundiais. Contava também com o crescimento vertiginoso da população e a prosperidade que vinha com a aparente paz, que traziam mais mão de obra e segurança para produzir e crescer.

Mas o modelo neoliberal é um motor gerador de desigualdades (econômicas e sociais) que aprofundou o desemprego e abriu brechas para a exploração dos trabalhadores, que não têm outra opção senão se submeter a condições precárias de trabalho por um salário de fome. E é diante da fragilidade da situação das pessoas que não têm mais a proteção do Estado que surge a grande demanda pelo poder judiciário, que tem o papel de garantir os direitos que estas parecem ter perdido. E aqui entra Garapon que trata desse assunto no capítulo VI, da chamada “magistratura do sujeito”, que nada mais é que a busca do indivíduo por seus próprios direitos.

O que é chamado protagonismo dos tribunais é, então, o próprio povo que provoca o direito na esperança de suprir o desamparo do Estado. Uma fala que representa bem este fenômeno no livro de Garapon é:

“Pela voz do juiz, o direito se empenha em um trabalho de nominação e de explicitação das normas sociais que transforma em obrigações positivas o que era, ainda ontem, da ordem do implícito, do espontâneo, da obrigação social”.

(Garapon, p. 151)

E o julgado escolhido para a análise deste tema se encaixa perfeitamente, especialmente nas palavras de Garapon, já que se trata de uma ação de reintegração de posse que foi negada pelos magistrados, dando o direito de ocupação de uma terra que já possuía um proprietário a alguém que a daria uma função social.

Resumidamente, a demanda é dos proprietários de uma terra que não a deram nenhuma função e, por isso, foi ocupada por pessoas do MST, que a utilizariam provavelmente para produção. Na ação de reintegração foram apresentados os documentos que provavam que a terra que era alvo de disputas era de propriedade dos agravantes (que propuseram a ação), mas ainda assim, após uma votação fundamentada, onde foram utilizados argumentos como a necessidade – exigida inclusive na constituição federal – de se dar à terra uma função social, a garantia da dignidade da pessoa humana e de uma existência digna, e dos objetivos da república constantes nos primeiros artigos da constituição (Art. 5º), foi decidido, por 2 – 1, que situação se manteria como estava, com a propriedade sob posse do MST.

É um exemplo perfeito de como, através dos tribunais, é possível que se faça garantir os direitos mesmo quando o cenário indica o contrário. Existem, obviamente, problemas nessa busca pelo judiciário, como a dilatação de seus poderes e o risco da discricionariedade que a acompanha, mas não podemos dizer, de modo geral, que seu papel na luta pela garantia dos direitos das pessoas tem sido ruim.

 

Rodrigo Beloti de Morais

1º Ano - Noturno

Análise da ADPF 187 sob a ótica de Antoine Garapon

Antoine Garapon discorre, dentre outras temáticas, sobre um fenômeno em que o sujeito se torna o seu próprio legislador, ou seja, ele exerce sobre si as repressões anteriormente externas. Isso é uma consequência do individualismo liberal, uma vez que o indivíduo, desamparado pelo Estado, busca suprir as próprias demandas de forma autônoma. Nessa perspectiva, o autor reconhece a existência, no passado, de uma clara distinção entre o proibido e o permitido; mas que, hoje, essa distinção é particular a cada um, de modo que o sujeito tem uma margem de ação maior, contanto que ele exerça determinados limites sobre si mesmo.
Nesse mesmo contexto, para ilustrar essa autonomia adquirida pelo contexto histórico e econômico, Garapon destaca um caso específico: a diferença entre uso e abuso de drogas. O Estado, quando protagonista do controle social, buscava erradicar o consumo de drogas, de maneira geral, tendo em vista a necessidade de controlar seu mau uso, que levava a consequências sociais. Com a gradativa diminuição de sua intervenção, tornou-se obrigação do indivíduo estabelecer, para si próprio, a diferença entre o uso e o abuso de substâncias, tendo como referência os seus próprios limites.
Primeiramente, é possível mencionar a ADPF 187, de 2011, referente a manifestações a favor da legalização do uso de drogas (o caso específico trata da Marcha da Maconha). O desfecho da ação se baseou em conceitos de liberdade de expressão para a não-criminalização desse tipo de manifestação. Por um lado, é evidente que os direitos invocados -O DIREITO DE REUNIÃO (LIBERDADE-MEIO) E O DIREITO À LIVRE EXPRESSÃO DO PENSAMENTO (LIBERDADE-FIM)- devem ser preservados. No entanto, a aplicação deles nesse contexto foi rasa, no sentido em que foi estabelecido que manifestações contra a lei vigente são encorajadas, desde que não haja apologia ao desrespeito dela (nesse caso, o consumo de drogas ilícitas).
Essa decisão comprova, de acordo com a análise de Garapon, a ausência do papel estatal, suprido pela autonomia do sujeito. Ao liberalizar a manifestação contra as leis, assume-se que o indivíduo, por si só, ou em grupo, pode manifestar contra qualquer norma existente, mesmo que ela tenha objetivo de proteger um grupo minoritário, por exemplo. De maneira perigosa, essa omissão do Estado quanto à legalidade das manifestações, independente do seu teor e da posição da lei quanto a ela, pode surtir efeitos perigosos na sociedade, uma vez que é impossível assegurar que todos os indivíduos são dotados, dentro de si, do discernimento entre proibido e permitido e uso e abuso -ou, nas palavras de Garapon, da prudência invocada pelo legislador.

APDF 187: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5956195

Ana Clara Alves Gasparotto - Direito Matutino - 2º semestre (Turma XXXVIII)


Caso Adriana Ancelmo: A Judicialização da Elite

O processo de judicialização de grandes questões tem sido alvo de grandes discussões no universo acadêmico, sobretudo no que tange os estudos do Direito. Ingeborg Maus, analisando a situação de modo a explicitar a dilatação do judiciário em detrimento aos demais poderes da República, aponta que essa dinâmica coloca sérias questões políticas e sociais à mercê de uma seleta gama de profissionais. Fato é que, por mais que o exercício da magistratura exija neutralidade do juiz com a respectiva previsão legal para tal (CF, art. 5º, LIV; CC, artigos 144 e 145), é indispensável a noção de que fatos sociais e uma moralidade comum são inerentes a qualquer indivíduo, a qualquer profissional, a qualquer área.


Tendo isso em vista, é perfeitamente plausível a ideia de que a Justiça é exercida de diferentes formas para diferentes grupos. No caso de concessão de habeas corpus para Adriana Ancelmo, a qual foi condenada pelo crime de peculato ao lado de seu ex-companheiro Sérgio Cabral (HC 383.606), por exemplo, nota-se que a decisão favorável a sua prisão domiciliar é completamente distinta daquela que assola a maior parte das mulheres encarceradas no Brasil. Isso porque, a partir dessa análise, é perceptível a maneira como a prática jurídica não está além da luta de classes: pelo contrário, no Estado burguês, é muito mais comum que as estruturas sejam regidas de modo a favorecer aqueles que mais atendem os ideais da hegemonia. Apesar da inegável condição social de hipossuficiência em razão das estruturas de poder tangentes ao gênero, raça e classe são fatores fundamentais na tomada de decisões, como sintetiza Ingeborg Maus ao discutir a autorreferência dos magistrados em suas decisões.


Desse modo, aos que são subpostos à hegemonia de branquitude de classe alta cabe a via contrária nas ações do judiciário: entendendo, ainda que inconscientemente, a dinâmica da judicialização, entendem que o judiciário é a única maneira de reparação de seus direitos. Ocorre que, justamente por isso, o sistema que vem se firmando é retroalimentado pela gigante demanda da Justiça no amparo aos que a apreciam, o que Antoine Garapon identificou como a “magistratura do sujeito”.


Luiz Gustavo Couto de Oliveira, Turma XXXVII (Noturno).

 

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO – UNESP - CAMPUS DE FRANCA

FACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FCHS

CURSO DE DIREITO

DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA DO DIREITO II – 2º PERÍODO

 

 

 

O PROTAGONISMO DOS TRIBUNAIS

 

 Rubens Chioratto Junior – R.A. 211 222 526

 

 

 Nos dois textos estudados e nas aulas, foi possível concluir a ideia de uma sociedade que impõe muitas responsabilidades a todos, sem que os indivíduos sejam consultados, até porque quando nasceram já existiam essas responsabilidades decididas. 

Em contrapartida fica a necessidade de que essa sociedade seja organizada também para amparar esses indivíduos para que realizem suas responsabilidades de forma eficiente e gozar com isso seus direitos garantidos. Essa foi a ideia central do primeiro texto que é o capítulo 6 – a Magistratura do Sujeito, do livro o juiz e a democracia: O Guardião das Promessas de Antoine Garapon.

O judiciário passou a ser uma espécie de garantidor disso. No século XX, surgiu a “magistratura do sujeito”, termo usado para uma justiça chamada a apaziguar o sofrimento do indivíduo sofredor moderno.

A ideia de igualdade de condições, geradas pelo discurso democrático, criou demandas à justiça.

Tocqueville, falava da transformação do homem pela democracia.

Essa “igualdade de condições” de certa forma, gera um desequilíbrio social, em relação à antigamente onde cada um tinha o seu lugar e, isso era definido pelos costumes, religião, tradições. A ideia de que todos somos iguais se torna algo contra hegemônico e gera conflitos no seio da sociedade que leva suas demandas ao judiciário. Com tudo isso o enfraquecimento controle do judiciário sobre a sociedade aumenta.

Com a globalização crescente à partir da década de 90, mais os avanços das redes sociais, houve uma verdadeira revolução na cultura e nos costumes e, isso vem criando uma sociedade cada vez mais plural e quebrando laços antigos de costumes e valores. Com isso, assume a justiça como a última reserva moral de uma sociedade em conflito com ela mesma.

A própria democracia “sacramenta” os juízes e a justiça como a última coluna, a autoridade da sociedade contra a desigualdade. Tudo isso levou muitas novas demandas a justiça que ela não estava preparada para atender.

Começa-se a criar a necessidade da interiorização da norma pelos indivíduos diante do poder agora atribuído aos juízes, é o preço da autonomia de cada um. A norma substitui os costumes e tradições. Só que exigir do sujeito que se responsabilize pela sua própria vida, leva a criar certa tutela aos sujeitos incapazes de o fazer, como pessoas com necessidades especiais, crianças em situações de risco, pessoas desamparadas ou desajustadas, sem condições de reger a sua própria autonomia com eficiência.

A função de autoridade punitiva da justiça que protegia a sociedade do indivíduo desviante, cada vez mais vem a ser substituída pela função provedora de direitos do indivíduo. Ao menos nas sociedades avançadas e democráticas.

Enfim, a sociedade que impõe aos indivíduos responsabilidades assumidas sem a participação dele e, normalmente, já criadas, antes dele, deve também ter uma rede de auto assistência para ajudá-lo a viver em sociedade quando o indivíduo assim necessitar.

A mudança dos problemas sociais em problemas jurídicos transcende o direito técnico e exige dele uma intervenção transdisciplinar incluindo características e especialidades médicas e sociais.

No segundo texto, da alemã Ingeborg Maus, do livro Judiciário como superego da sociedade – O papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”, a autora faz seus comentários levando em conta sua compreensão de psicanálise, mais especificamente o conceito de superego e compara à condição da justiça alemã alertando para os riscos dessa visão.

A expansão do poder normativo protagonizado pelo poder judiciário que se projeta na função de moralidade pública exercida pelo modelo judicial de decisão, podem na verdade se transformar em uma forma de domínio e submissão da sociedade se transformando num obstáculo a uma sociedade constitucional libertadora.

Indivíduo e coletividade transformados em meros objetos administrados podem ser facilmente conduzidos e manipulados.

O juiz passa também a ser visto como alguém com sólida formação ética e moral e a justiça como a última barreira à proteger a sociedade da barbárie.

Existe aí, uma clara transferência para o juiz da imagem do bom pai, capaz de gerir com justiça os conflitos, e com a sabedoria como a do rei Salomão em Israel quando resolveu o conflito entre duas irmãs sobre a maternidade de um bebê. Enfim, começou-se a criar um mito sobre a pessoa dos juízes. Além da legalidade criou-se também uma consciência popular, uma crença na justiça como instância moral da sociedade. Como uma instituição neutra e imparcial que toma justas decisões.

Isso permite que os juízes disfarcem sua discricionariedade, sua ordem de valores expressas nas decisões como uma decisão amparada na constituição, na ética e na moral.

DO JULGADO:

O julgado escolhido para esse trabalho foi o ADI 6341 MC – Ref / DF que trata da tentativa do governo federal de impedir estados e municípios em agir com relativa autonomia frente a situação pandêmica provocada pela COVID 19.

Fala a petição inicial sobre a pandemia e as avaliações dos órgãos internacionais sobre ela, da omissão do Estado brasileiro frente as necessárias medidas sanitárias e da necessidade de que os estados e municípios da federação ajam tomando medidas, para compensar essa omissão federal.

Na disputa entre governo federal e governos estaduais e municípios sobrea gerência da crise sanitária, econômica e social causada pela contaminação do vírus da COVID – 19, e sendo o governo federal a instância máxima, reclamando para si o direito de gerir sozinho as medidas referentes à crise e editando decreto lei sobre isso, um partido político entrou no supremo com o objetivo de garantir aos estados e municípios o direito de agir e tomar medidas que entendessem necessárias para combater a contaminação e também gerir dentro de suas prerrogativas constitucionais em seus territórios.

No final, o STF resolveu que todos os entes federativos (governo federal, estaduais e municipais) na atribuição de suas funções permitidas na constituição tomassem medidas e gerenciassem de forma necessária, dentro do seu território.

Nesse momento o STF tomou a condição de guardião supremo da democracia e dos direitos constitucionais frente a uma emergência sanitária que gerava contaminação em massa e óbitos muitos. Para muitos, passou a visão que além da função constitucional, exerceu também a paternidade moral e ética de toda a sociedade, agindo não só no “cumprimento da letra”, mas no interesse social e coletivo.

           

Textos base para essa análise:           

GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999 (capítulo VI – A Magistratura do Sujeito, p. 139 – 153)

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na "sociedade órfã". Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 58, (p. 183-202), nov. 2002.

 

Medida cautelar do STF sobre a proibição de livros pela perspectiva de Garapon

O jurista francês, Antoine Garapon, em sua obra "O Juiz e a Democracia: o Guardião das Promessas" disserta que em um mundo sem normas externas de comportamento, os sujeitos são condenados a interiorizá-las.  Essa interiorização do direito, é um reflexo do Poder do Judiciário. “O homem moderno torna-se jurista por necessidade: é o preço a pagar por sua autonomia”.

Na contemporaneidade a busca pela concretização de direitos, que não estão sendo ofertados pelos representantes competentes por tal ação, deu espaço ao fenômeno político-social da judicialização. Como exemplificação de um dos inúmeros casos jurídicos que engendram a sociedade atual, tem-se a decisão tomada pelo então Ministro do STF José Antonio Dias Toffoli, em 2019, sobre a “medida cautelar na suspensão da liminar número 1248 Rio de Janeiro”, caso que ficou conhecido pela tentativa de censurar obras com imagens e teor homossexual presentes na Bienal do Livro.

O ato citado, contou com um mandado para que as obras literárias que tratassem de tal tema estivessem lacradas e com advertências em relação ao seu conteúdo, caso não estivessem de acordo com a ordem citada seriam recolhidas. O desembargador Heleno Ribeira Pereira Nunes justificou a ordem baseando-se na narrativa de que o conteúdo em questão seria prejudicial ao público jovem e infantil, mostrando que sua decisão foi construída a partir de ideais próprios, excludentes e conservadores a respeito da diversidade humana.

O caso deixa pontas para serem interligadas com conceitos e temas estudados por Antoine Garapon. Todo o posicionamento adotado pela autoridade na situação da Bienal gera reflexos, tanto para um debate acerca do tema, quanto para a potencialização de crimes como homofobia, bifobia e transfobia, já que os agressores vêm-se legitimados pela atitude da autoridade. Esse comportamento é previsto na obra de Garapon, na qual o pensador reflete que esse posicionamento acontece devido ao advento democrático, com a diminuição das autoridades tradicionais – família. No caso brasileiro ocorre a transferência da figura de autoridade do patriarca para o juiz, com qualquer tentativa de legitimar um discurso, uma ação, um posicionamento.

Por isso, é notório que com a utilização de um discurso preconceituoso e carregado de opiniões conservadores, as autoridades envolvidas no caso, proferiram uma decisão que apenas posteriormente conseguiu ser desbancada. Ainda que a tentativa de censura tenha sido suspensa por ação de outros juristas, foi de extrema importância o acontecido, por tornar o tema em uma pauta popular, de conhecimento não só dos detentores de um “monopólio”.

Maria Fernanda Barra Firmino – Direito Matutino – 2° Semestre