sábado, 26 de junho de 2021

Diálogos "Interseculares": eu, Bacon e Descartes

Toda vez que me deparo com novos (ou mais profundos) pensamentos durante meus estudos, gosto de me imaginar em uma mesa de boteco com as pessoas fundadoras dessas ideias. Penso no que diria: “Isso faz sentido pra minha realidade” ou “desculpe a indelicadeza, mas suas ideias já foram refutadas por outras filosofias” ou “precisamos atualizar essas falas, hein?”. Longe de anacronismos, é só um exercício mental para entender o que eu- uma jovem universitária no século XXI- posso desfrutar do que estou estudando e que foi produzido em outros séculos.

Durante essa semana, em que tive contato com textos de Bacon e Descartes, dois pensadores modernos, não pude deixar de fazer essa atividade mental. Vou compartilhar o que se passou em minha cabeça, quem sabe isso não desperte novas reflexões sobre o que vocês falariam durante a conversa. Então, lá estaríamos nós: eu, Descartes, Bacon e a mesa de bar (em um cenário não pandêmico).

Descartes e Bacon não são dos amigos mais próximos que se pode ter, um racionalista e um empirista não conviveriam no auge dos afetos. Mesmo assim, embora tenham métodos diferentes, os dois se propuseram a buscar algo: o conhecimento, o que os diferencia é o caminho que traçaram. Enquanto Descartes diria entusiasmado que o saber se encontra através de uma dúvida que não se cansa de questionar, uma intelectualidade que se dá por meio da lógica e da razão, Bacon, cismado, teimaria em mostrar que o conhecimento se alcança através da superação dos enganos da mente humana, com o auxílio da experimentação, ou seja, na melhor das linguagens: “ver com os próprios olhos”, comprovar o que se acredita.

Depois de algumas intrigas entre os dois filósofos sobre os detalhes de seus ideais, talvez eles conseguissem me dizer algo em conjunto: o que buscam, em essência, é o conhecimento e a superação de uma esterilidade de ideias, ou seja: uma sabedoria que nos permita gerar transformações na sociedade. Eu, delicada que sou, começaria explicando que suas contribuições foram gigantescas para o ambiente em que estou hoje, uma universidade, pois elas nos deram a reflexão sobre a importância da racionalidade, da experimentação e da pesquisa para nós estudantes.

Mas, precisaria dizer: as suas ideias também foram utilizadas de maneira nociva por grupos poderosos que estão no mesmo ambiente que eu. Quando Descartes e Bacon dizem que é importante superarmos o senso comum para alcançarmos a verdade, eu questiono: o que é o senso comum? E o que é a verdade? Definitivamente, precisamos ser pessoas mais críticas, autênticas, é necessário analisar a sociedade. Mas, por muito tempo, tudo o que não era um conhecimento visto como acadêmico foi negligenciado e submetido a essa categoria: a cultura, as vivências sociais, as individualidades, os sentimentos...Não é possível ter neutralidade sobre essas partes do saber, muito menos buscar uma verdade exata sobre elas. No entanto, isso não as torna menos válidas ou as coloca no simples papel de senso comum, como muitas pessoas afirmaram.

Um conhecimento social ou uma sabedoria tradicional não possuem, ainda, o mesmo valor nas universidades, porque um dia disseram que precisamos de certa neutralidade acerca de nossos objetos de pesquisa. Um dia falaram que os sentimentos não constam como forma de análise para a experiência dos sentidos, mas hoje podemos ver as artes e a análise do sentir através da psicologia presentes na academia. Eu diria para Bacon e Descartes: o perigo de determinados pensamentos é acreditar que partimos do mesmo ponto de existência ou não possuímos desigualdades. E acrescentaria: a universidade é um espaço de disputa de racionalidades.

Por séculos, o conhecimento verdadeiro era aquele produzido dentro das salas de uma faculdade onde só entravam homens, brancos, cisheteronormativos e de classe média. Curandeiras, empregadas, trabalhadores rurais, mecânicos e mecânicas, metalúrgicos e metalúrgicas, cozinheiras, mães...todas essas pessoas tiveram seus saberes deslegitimados. Não é como se uma cozinheira não precisasse de um processo metodológico para descobrir quais os seus temperos mais eficientes em conjunto, ou como se uma curandeira não precisasse de séculos no repasse de conhecimentos para entender o poder das frutas, plantas e aromas que vêm da terra. Essas pessoas, que muitas vezes vieram de quilombos, favelas, cortiços, roças, fazem o nosso país e fazem nosso saber: essas pessoas, em sua grande maioria, são pessoas pretas, pardas e indígenas. Em uma nação racista, que colhe os frutos do seu passado escravista, encaramos a seguinte realidade: conhecimento que tem espaço na universidade e é visto como válido, por muito tempo, foi somente produzido por pessoas brancas.

A racionalidade branca é privilegiada na disputa universitária. Seja pelo lugar de fala privilegiado por quem contém minha racialidade, em que sempre teremos a voz mais ouvida do que de uma pessoa negra, por mais que sussurremos e ela esteja gritando; seja pela condição de neutralidade que nos é, de certa maneira, fornecida, nas ciências sociais. Eu, uma mulher branca, estudaria os processos do racismo com a neutralidade que Descartes e Bacon me propuseram na mesa de bar, porque eles estão distantes da minha pele, não afetam minha vida, psiquismo e subjetividade de forma opressiva. Agora, como falar de puro distanciamento na pesquisa para uma pessoa preta que quer estudar os processos que vivencia? E será que essa, tendo tais experiências (e, nesse sentido, apelo a Bacon), não poderia contribuir muito mais para a sociedade? A universidade, por muitos anos, quis estudar racialidade de maneira que pessoas pretas, pardas, indígenas e amarelas fossem objetos de estudos (mais uma vez como simples objetos, né?) e não sujeitos pesquisadores.

É por isso que, já me estendendo na noite pelo boteco, contaria aos dois sobre meus colegas de classe: pessoas negras, amarelas, pobres e mais velhas (assim como pessoas de grupos privilegiados) que habitam, por sorte minha, o mesmo espaço que eu. Tudo isso, através da Política de Cotas, e das políticas de permanência estudantil que existem na minha universidade. Em 2012, depois de séculos de escravidão e nenhuma retaliação que seja feita por parte do Estado, meu país decidiu assumir, ao menos, que a situação educacional no Brasil é de extrema desigualdade, e, desde então, pessoas de grupos étnicos oprimidos ocupam de forma crescente os espaços acadêmicos. Talvez a contragosto de diversos indivíduos que usaram Bacon e Descartes para defender as suas racionalidades hegemônicas, mas isso é mais um dos sensos comuns que existem no nosso século: acreditar que há um saber mais relevante, priorizar a neutralidade pura e se desvirtuar da realidade racista brasileira. Nesse quesito, talvez eu e os pensadores modernos concordássemos com algo no final da conversa: há um senso comum que deve ser mesmo superado, e que nos retrocede na busca por mais fontes de saber, o racismo que oprime parte majoritária da população brasileira.

-Letícia Magalhães, Noturno. 

O RACISMO NO BRASIL E SEU REFLEXO NA EDUCAÇÃO.

O Brasil, nasce , na ótica do colonizador europeu branco que desembarcou em solo brasileiro no ano de 1500, apoiado nas bases do colonialismo, instituído com a premissa de uma colônia de exploração pela coroa portuguesa, na qual o único objetivo do império português era a obtenção de lucros, e com isso, viabilizar o desenvolvimento de Portugal, desde então buscariam uma forma de mão de obra para tais empreendimentos da coroa, é importante lembrar que em Portugal já havia o uso da mão de obra escrava negra africano, portanto já havia domínio dessa prática.

            A partir da implantação do sistema de plantantion da cana de açúcar, houve a sistematização do tráfico negreiro como política de governo, e perpetuo até 1850, que foi abolido pela Lei Eusébio de Queirós, todavia a escravidão ainda estava estabelecida nos seios da política econômica daquele momento, sobretudo nas lavouras de café, sendo que a abolição da escravatura se daria somente em 1888. Ademais, toda essa população negra foi jogada as margens da sociedade, que por sua vez é uma sociedade patriarcal, capitalista, branca e fundamenta o racismo, ou seja, essas pessoas não obtiveram a emancipação de fato. Desse modo, a segregação social criou condições para que a população negra não obtivesse êxito, de modo a naturalizar a desigualdade social.

            Por consequência desse processo do colonialismo, o racismo do brasil, é estrutural e sistêmico, que funda instituição, estrutura e replica o preconceito, a discriminação em todas as instituições e esferas do país, além de criar uma subcidadania para os negros, como Clarice Lispector, em sua obra “A Hora da Estrela”, descreve Macabéa como um parafuso dispensável em um sociedade técnica, assim como acontece com os pretos, colocando-os em uma situação de precarização dos seus direitos, como politica instituída, uma vez que não havia projetos que viabilizassem a garantia de direitos, a ascensão econômica , a ascensão social por parte da população parte negra, dita em outras palavras dar ao negro uma dignidade, ser reconhecido como ser humano que também tem suas necessidades, que é dotado de sentimento.

            Há exemplo disso, na atualidade, nas universidades, uma ínfima fração das vagas ofertas são ocupadas por pretos e pardos, mesmo as pessoas negras representando mais de 50% da população brasileira, do mesmo modo nota-se no mercado de trabalho, em cargos de liderança ou até no espaço político. Sobretudo as mulheres, que ainda compõem uma fração ainda menor desses espaços.

            Somente a partir de 2000, que o governo federal começa a investir em políticas públicas contra a discriminação racial, e somente em 2012 institui a lei cotas, com objetivo de diminuir as desigualdades sociais, além dar a oportunidade do aluno de baixa renda, na maioria os pretos, de ingressar na universidade. As ações afirmativas são políticas públicas do governo com o propósito de corrigir as desigualdades raciais, contudo as políticas publicas raciais são reparar os crimes que o estado brasileiro cometeu contra a população negra por mais de séculos. Evidentemente, que após a instauração de lei de cotas o número de alunos pretos nas universidades tem aumentado significativamente, ainda pequeno em um contexto geral, porém é um avanço quanto a democratização do acesso ao ensino.

            Em 2022 há uma revisão da lei de cotas de 2012, que evidencia o caráter racista do Estado, de fácil percepção, basta olhar quantos negros ocupam lugares dentro do palácio do planalto, da câmara dos deputados ou no senado federal, uma vez que uma política pública não tem validade, e deve se manter até que os indicadores demonstrem que há grandes desigualdades e injustiças. É sine qua non, que se precisa de mais políticas públicas de estado do que somente a lei de cotas como política pública de ação afirmativa, para reparar todos as desigualdades causadas pelo racismo. Paulo Freire, em sua obra “A Educação Como Prática da Liberdade”, defende que o homem deve-se libertar da massificação e da opressão por meio de uma ampla formação humanística. Para o educador, o indivíduo deve caminhar na direção de um senso crítico baseado no respeito as diferenças e na dignidade.

Cássio Goulart, aluno do 1º semestre de Direito.

Conhecimento e perspectivas

    Em 2022 irá ocorrer a revisão da lei de cotas brasileiras. Tal fato reacende a discussão acerca do assunto e instiga a análise das consequências dela em nossa sociedade.

    Sob uma perspectiva histórica, o reconhecimento da população negra como seres humanos ainda é recente no país. Em tese, o fim da escravidão deu-se há apenas 133 anos atrás e por fins econômicos, não humanitários. A sociedade brasileira foi construída e baseada em um ambiente extremamente desigual e racista. Por esse motivo, a meritocracia é apenas uma idealização, visto que não há oportunidades e possibilidades comuns a todos. 

    A problemática imposta por essas desigualdades dá origem à necessidade da implementação de políticas públicas equitativas com o objetivo de oferecer oportunidades minimamente igualitárias dentro do ambiente universitário. A lei de cotas rearranja o cenário acadêmico em uma tentativa de corrigir as distorções criadas por fatores diversos da sociedade e inserir dentro desse ambiente elitizado e branco as populações desfavorecidas pelo sistema.

    As consequências da adoção da lei de cotas são muitas e entre elas está a diversificação na construção de conhecimento. Um dos princípios de uma universidade é produzir conhecimento e torná-lo acessível e benéfico à população. A ciência moderna tem como sua principal base a defesa do conhecimento como ferramenta de transformação do mundo. Assim, democratizar o acesso de todos à universidade é também possibilitar uma profunda mudança nas estruturas sociais.

    Quando, dentro de uma universidade, há diferentes vivências, reflexões e observações, há também o rompimento com a padronização da construção de conhecimento e de impacto na comunidade. Francis Bacon compreende que as idéias advém dos sentidos e, assim, as perspectivas humanas acerca do mundo são baseadas nas experiências que cada um adquiriu durante a vida. Assumindo essa premissa, os indivíduos criam relações importantes para o aprimoramento da vida coletiva a partir do choque de visualizações do mundo.

    Ainda sob a ótica da ciência moderna, René Descartes, em sua obra “O Discurso do Método”, cita a importância de conhecer as relações sociais e culturais para entender a forma como uma sociedade se constrói e, dessa maneira, interpretar de fato uma realidade.  Compreende-se, portanto, que é preciso embasamento concreto para intervir em uma realidade de maneira efetiva. 

    Diante disso, novamente ressalta-se a necessidade de inclusão de pessoas de diferentes vivências dentro dos meios acadêmicos e científicos, principalmente aquelas que muitas vezes não são representadas de forma coerente com suas realidades dentro dos grandes centros de discussão - como as populações afrodescendentes, indígenas e de baixa renda. A inserção de pessoas menos privilegiadas muda drasticamente o cenário social brasileiro, tornando-o mais humano e democrático. Ademais, a integração dessas populações corroboram para a fabricação de ideias que possam, de fato, intervir nas camadas mais distintas da sociedade utilizando-se das diversidades de informações, perspectivas e abordagens que cada indivíduo traz consigo.

    Portanto, frente às disparidades históricas, sociais e estruturais apresentadas pelo sistema brasileiro, a não legitimidade das políticas públicas equitativas não seria possível. Apenas uma realidade não racista, não elitizada e verdadeiramente meritocrática possibilitaria a vedação da lei de cotas. Enquanto o racismo e a exclusão social persistir nesse país, as políticas de ação afirmativa serão necessárias e essenciais para a construção de uma sociedade mais democrática e representativa.

Luísa Sasaki - Direito Diurno - Turma XXXVIII


Revisão da Lei de Cotas: O passado, o presente e o futuro.

 Após anos de opressão advindos de abusos da nobreza e clero, a França assistia extasiada ao fenômeno da Revolução Francesa. O movimento caracterizado pela luta da burguesia e das classes populares evidenciava uma mudança no paradigma social e moral à época instalado, trazendo à tona o papel protagonista do povo na formação de uma Nação e fomentando a construção daquilo que foi chamado de pilar básico das revindicações: Liberté, egalité, fraternité. 

 O fato é que séculos depois dos acontecimentos citados, o debate acerca do princípio da igualdade (egalité) ainda se apresenta como ponto de discordância entre diversos grupos, ainda mais quando o palco do conflito é o Brasil. É nesse quadro geral que se propõem a discussão acerca da Lei de Cotas - passo importante ao fomento da equidade social - promulgada no ano de 2012 em meio a diversos conflitos entre grupos progressistas e conservadores, que voltarão ao embate no ano de 2022 quando ocorrerá a revisão do aparato.

 Partindo dessa questão política, é possível citar Francis Bacon, que em seu livro "Novum Organum" discorre sobre a existência de ídolos na vida de cada um dos indivíduos, sendo esses contrapesos para o alcance do verdadeiro conhecimento. Vale salientar que, traçando o paralelo da obra de Bacon com a questão das cotas, torna-se evidente a preponderância de dois ídolos em destaque na percepção daqueles que enxergam tais políticas sociais como acentuadoras de desigualdades. O primeiro deles é o "ídolo da caverna", relacionado principalmente ao senso comum (chamado por Francis de "Antecipação da realidade"), que limita o entendimento individual à percepção de suas próprias experiências e vivências. O segundo, chamado de "ídolo do foro", consiste no raciocínio dependente do meio que se está inserido, logo, no caso de grupos conservadores, um meio cercado por privilégios inerentes a uma classe média branca, que mesmo sendo minoria em números gerais, domina as estruturas de poder da sociedade contemporânea. 

 Ademais, torna-se viável a análise de outro autor que também pode trazer contribuições ao debate, uma vez que esse é responsável pela primeira formulação conhecida do que seria um "Novo Método", pautado na observação e em um mecanismo de experiência que superaria a esfera pessoal e atingiria a científica.  Descartes, em sua obra "Discurso do Método", propõem a construção de conhecimento útil e não estéril, partindo inicialmente do princípio do questionamento e, após isso, introduzindo a dúvida como chave mestra. Em uma análise brusca, é perceptível como o pensamento do autor constrói uma base epistemológica à pesquisa moderna, introduzindo o primeiro passo à formulação de uma problemática e, consequentemente, uma solução. Tal ponto, se bem observado, orienta hoje a elaboração de políticas públicas, como o caso das cotas raciais.

 Em síntese, torna-se evidente que a política de cotas raciais deve ser mantida como instrumento regulatório do princípio constitucional da igualdade, pregado essencialmente sob a égide constitucional que provém da primeira revolução burguesa. Soma-se a isso a compreensão da contribuição científica de diversos autores renomados, que mesmo que indiretamente, auxiliam no fortalecimento do argumento que reforça a formulação de políticas públicas inclusivas, como as cotas raciais e seu importante papel social. Não existe liberdade e fraternidade sem igualdade, assim como não existe corrida entre aqueles que começam descalços e os que iniciam com tênis esportivos. 


- Pedro Basaglia, 

1° semestre Noturno.

 

Lei de Cotas no Brasil : pensada para poucos

O racismo no Brasil esteve presente desde a colonização portuguesa, e portanto, está profundamente enraizado na sociedade brasileira. Para combater esse pensamente que julga as pessoas por simplesmente terem nascido, uma clara violação do princípio da dignidade dos direitos humanos, é necessário uma atuação governamental ativa, porém foi apenas em 1989 que racismo foi declarado como crime, demonstrando uma resposta tardia do governo a esse problema. Outro exemplo dessa resposta tardia é a Lei de Cotas, sancionada apenas em 2012, que visa tornar o acesso à universidades mais democrático e que será revisada em 2022 a fim de determinar se é válido que continue em vigor ou se ela já cumpriu seu papel.

A própria hipótese da Lei de Cotas ter cumprido seu papel na sociedade demonstra o quão alienados dos problemas socias gerados pelo racismo são aqueles que fazem tal sugestão. Segundo a pesquisadora Tatiana Dias Silva, autora de estudo de ação afirmativa e população negra no ensino superior publicado em agosto de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 36% dos jovens brancos na faixa etária de 21 anos estudam ou já terminaram a graduação, enquanto entre negros e pardos esse é de 18%, apesar de, segundo o IBGE, essa parcela compor 56% da população brasileira. Tal estudo revela que, mesmo com as cotas, o acesso à universidade é desigual e, portanto, é impossível afirmar que a lei concluiu sua função.

O fato da Lei de Cotas não ter atingido seu objetivo pode ser explicado pela forma como foi concebida, tendo sido espelhada em lei semelhante promulgada nos Estados Unidos. Porém a lei no país norte americano foi pensada para auxiliar uma parcela de 12% da população, portanto uma minoria, enquanto no Brasil, essa parcela, como supramente citado, corresponde a 56%. O próprio fato da tentativa de criar essa política de ação afirmativa utilizando como base o que foi criado por um outro país, sem a adaptar para a situação específica a qual o Brasil se encontra, já estava fadada a não ter o melhor resultado possível, pois como o filósofo René Descartes defende em seu livro " Discurso sobre o Método", a utilização de feitos anteriores como base para a construção de algo novo trará resultado inferior ao que seria obtido caso fosse criado inteiramente para a ocasião.

Para que haja um futuro no qual a Lei de Cotas não seja mais necessária, é de suma importância a aplicação de políticas de ação afirmativa complementares que tomem como base o fato de que a população enquadrada nessa lei corresponde à maioria dos brasileiros. A errônea noção de que a população negra no Brasil é minoria surge do que o filósofo Francis Bacon argumenta como uma antecipação da mente somada a um ídolo da caverna, ou seja uma distorção provocada pela mente humana devido a suas conexões com o mundo, na forma da grande maioria dos representantes políticos brasileiros serem homens brancos, assim criando, por falta de representatividade, a falsa noção de que a população branca é maioria. 

Em conclusão, não apenas a Lei de Cotas ainda não cumpriu seu papel, como a meneira como foi formulada, somada a necessidade de ações afirmativas que tratem os negros como maioria populacional, dificultam a construção de uma sociedade em que essa lei não é mais necessária.

                     Rafael Nascimento Feitosa

                    primeiro semestre de direito diurno

 

O Ponto de Mutação e a Lei de Cotas no Brasil


   "Ponto de Mutação", dirigido pelo consagrado Bernt Amadeus Capra, é um filme que de fato, é material para o estudo da sociologia moderna. Sob a vista da grande Abadia de Monte Saint-Michel, três distintos personagens debatem temas e polêmicas, revelando suas motivações e ideologias durante o desenrolar da trama, desenvolvendo um ambiente de pluralidades necessário para o real estado de democracia. Ao realizarmos uma comparação com "Ponto de Mutação" e a revisão da Lei de Cotas brasileira, percebe-se um claro padrão nas universidades públicas e privadas do país: a pluralidade, se não raramente miníma, é inexistente.

    De acordo com estatísticas fornecidas pelo doutor Dagoberto José Fonseca, presente durante a XI  JORNADA DE DIREITO da UNESP FRANCA, apenas 8% dos estudantes efetivamente matriculados nas universidades brasileiros são pretos. Numa esmagadora maioria,  os brancos, em sua maioria de classe média alta, dominam os debates e ideologias nos centros acadêmicos, replicando, mesmo que inconscientemente o sistema racista presente no Brasil.

   Diferente de "Ponto de Mutação", o debate democrático é, em teoria, impossível no ambiente atual das universidades brasileiras. Não há negros ou pardos com mesmas oportunidades no país, dificultando a entrada dessa população no centros acadêmicos, resultando numa clara falta de perspectivas e vivências diferentes nesses ambientes, o que afeta diretamente na forma que o Brasil integra sua democracia.

   Como consequência disso, as universidades brasileiras sofrem, de acordo com o filósofo Francis Bacon, com um dos quatro ídolos existentes que impossibilitam a real pesquisa e ciência humana, o da caverna. O ídolo da caverna é uma alegoria para a limitação do pensamento humano ao seu ambiente e seus arredores. Se o ambiente da "caverna" das universidades não se expandirem e se diversificarem, o conhecimento produzido advindo delas será apenas uma replicação de vivências elitistas e racistas.

   Em suma, a lei de cotas serve como um possibilitador para que a pluralidade, embora ainda mínima, chegue as universidades e centros acadêmicos no futuro. A Lei de Cotas deve não apenas incentivada, mas também expandida, ou nunca chegaremos ao nosso ponto de mutação, numa sociedade mais justa e diversa para todos.

Matheus de Souza Lusko

Primeiro Período de Direito - Matutino

Turma XXXV III


 

 

Lei de Cotas: entre a inserção social e o rompimento dos ídolos

   Durante o século XVI, com o predomínio do Capitalismo Comercial, a perspectiva de se obter lucro alcançou um novo patamar, uma vez que seres humanos eram reduzidos a qualidade de um mero produto. Dessa forma, no Brasil, mesmo após a abolição da escravatura, a população negra encontra-se em um ambiente de marginalização social, no qual o racismo e a desigualdade na educação são exemplos do abismo existente na atual sociedade brasileira. Sendo assim, a revisão da Lei de Cotas, em 2022, contribui para mitigar os problemas envolvidos no desenvolvimento de um processo histórico  escravista.

   Seguindo essa lógica, o filósofo, René Descartes, em sua célebre afirmação: "Penso, logo existo" relaciona a existência humana à pratica da faculdade de raciocinar. Esta, por sua vez, deve ser incentivada no âmbito escolar, sendo de fundamental importância o acesso dos indivíduos à educação. Somado a isso, Descartes argumenta em seu método científico a necessidade de questionar a realidade presente, repartir as dificuldades em frações menores (especialização), construir um entendimento gradativo crescente e estabelecer relações metódicas completas. O estabelecimento das cotas, portanto, facilita a inserção de estudantes com escassas oportunidades em meios acadêmicos, os quais promovem o saber junto ao seu método.

   Pensando nisso, a falta de conhecimento favorece o esvaziamento da razão e a formação de ídolos. De acordo com Francis Bacon, são de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a mente humana, a saber que os das tribo vinculam-se às distorções provocadas pela incompetência dos sentidos, enquanto os da caverna constituem as relações estabelecidas pelo homem com o mundo à sua volta. Ademais, os ídolos do foro e do teatro referem-se, respectivamente, ao indivíduo, somado à influência de suas associações e às representações teatralizadas que são impregnadas de equívocos e superstições.

   Em suma, a Lei de Cotas representa uma política de equidade social ao garantir um maior acesso à educação, rompendo com os ídolos e as falsas percepções da realidade.

Bruno Solon Viana - Primeiro Período Direito Matutino