segunda-feira, 22 de novembro de 2021

ADI 3239 e o contra - ataque histórico dos movimentos sociais.

 

A concepção mais apregoada entre os teóricos marxistas acerca do direito é a de que ele se manifesta, sobretudo como um mero reflexo das relações econômicas, uma vez que este mantém os status quo da superestrutura econômica, no sentido de nada mudar, somente resguardar os interesses daqueles que compartilham do mesmo habitus (Bourdieu, 2007). De fato, por séculos o direito permaneceu atrelado ao capital e de certo modo ele ainda é muito movimentado nesse sentido. Contudo, o jurista Michael McCann, introduz uma nova visão em sua obra “O Poder do Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários’. Sob esse viés, McCann traz à tona o conceito de reatividade dos tribunais perante a mobilização do direito, ou seja, por detrás de uma garantia aprovada pela Suprema Corte existe um movimento, seja coletivo, seja individual que gerou essa transformação. Logo, McCann é preciso ao “deslocar o foco dos tribunais para os usuários que utilizam o direito como recurso de interação política e social (McCann, p.182).

Ademais, é importante mencionar que a busca incessante pelo judiciário provém dos interesses/convicções individuais do legislativo, pois os legisladores deveriam aprovar leis em favor do povo independente de sua ideologia, mas, indubitavelmente, não é isso que acontece no cenário brasileiro.

Com o intuito de exemplificar as análises difundidas por McCann, tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n°3239, impetrada pelo então Partido Frente Liberal, hoje autointitulado como Partido Democrata. A referida ação questionou a constitucionalidade do Decreto 4.887/2004 que tinha como objetivo regulamentar o processo para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Enfatizo, que os direitos dos quilombolas estão positivados desde 1988, tanto na esfera nacional (Ordenamento Jurídico), como no âmbito internacional (Organização Internacional do Trabalho -OIT), mas nem mesmo essa positivação foi o suficiente para impedir os movimentos do, terrivelmente reacionários, Partido Democrata.

 Essa ação foi julgada no dia 08 de fevereiro de 2018,  o relator foi o ministro, atualmente aposentado, Cesar Peluzo , que votou a favor da inconstitucionalidade do decreto , visto que na visão dele , do Gilmar Mendes e do Dias Toffoli para o decreto ter validade , este deveria estipular o “marco zero” , isto é , terras ocupadas por quilombolas antes do dia 08/02/2018 deveriam seguir o preceito artigo 68 da Suprema Carta , os que ocuparam após essa data não poderiam continuar usufruindo desta norma. Não obstante, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, votaram pela integral improcedência da ação, incluindo a tese do “marco zero”. Em 2017, Rosa Weber, por entender que a ação estava em desacordo com a Constituição Federal, votou pela improcedência.

Enfim, os quilombolas puderam comemorar a vitória nos tribunais, pois a partir do dia 05 de fevereiro de 2019, qualquer alteração no Decreto seja pelo governo federal, seja pelo legislativo, configura uma afronta à decisão soberana do STF. Consoante com a obra de McCann, esta postura da maioria dos ministros em prol dos direitos dos quilombolas, tem em seu cerne a luta histórica dos movimentos sociais, nesse caso específico, o Movimento Negro que teve sua ascensão no âmbito jurídico na década de 80, notadamente na participação da constituinte, a “Convenção Nacional do Negro pela Constituinte “, que contou com a participação das formidáveis Lélia Gonzalez e Benedita da Silva. (PT). Nesse sentido, McCann, desenvolve duas dimensões de influência do judiciário, o primeiro é dito como estratégico, o qual produz um novo paradigma, em outras palavras, e como se fosse o “apito inicial”, o segundo é o constitutivo que engendra na sociedade um novo modo de agir. De fato, os fatos explanados acima condizem com esses artigos desenvolvidos por Michael McCann, uma vez que o movimento negro começou a mobilizar o direito a seu favor na década de 80, e hoje graças a essa movimentação muitos direitos já estão positivados, gerando na sociedade mesmo que de forma coercitiva em alguns casos, uma nova postura.

Por fim, o Direito de fato tem uma visão conservadora elitizada, tendo em vista que a maioria dos ocupantes do judiciário são pertencentes a elite e, certamente esses magistrados são parciais, pois atuam de acordo com seu habitus. Entretanto, é nítido que os movimentos sociais estão na ativa movimentando o Direito em prol de garantir a efetivação dos direitos, tal qual a música Sulamericano, da banda baiana de rock e reggae Baiana System:

“ Vamo que vamo, vamo traçando vários planos , vamo seguir cantarolando para poder contra-atacar .Contra-atacar, contra-atacar, vou traçando vários planos para poder contra-atacar.”

Referências :

http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345886817&ext=.pdf

https://www.scielo.br/j/rbedu/a/mSxXfdBBqqhYyw4mmn5m8pw/

https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/7060/5036

Pollyanna Nogueira - 2° semestre , Direito noturno.

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