segunda-feira, 8 de novembro de 2021

A Magistratura do Sujeito (Antoine Garapon)

 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 

  

TÍTULO I 

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 

  Art. 1º [...] 

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 

 

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   

 

Basta olharmos nossa “linda” Constituição para constatarmos a prescrição dos direitos sociais, mas não efetivados. Isso explica o protagonismo do judiciário, uma vez que os indivíduos, também denominado sujeitos, buscam o poder judiciário para ter seus direitos garantidos, já que o legislativo se omite ante seu papal constitucional, que é o de representante do povo. O Brasil vive uma “’epidemia do ódio” contra pessoas LGBTQ+ e pretas/os, figurando no cenário mundial como o país mais perigoso para pessoas que fogem à doutrinação heterocisnormatividade, e um dos países que mais matam pessoas pretas. Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2019, determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passasse a ser considerado crime. A partir daí, qualquer pessoa que incorresse em tal conduta seria processado com incurso na Lei de Racismo (7716/89), o que gerou manifestações de alguns atores do Poder Legislativo, alegando que não cabe ao STF legislar e berraram que o judiciário não pode sucumbir ao ativismo judicial.  

Esse fenômeno do “protagonismo judicial” existe porque o sujeito não se sente representado pelo legislativo, sobretudo com o avanço do neoliberalismo, e busca refúgio no judiciário, o que o autor francês Antoine Garapon chamou de “magistratura do Sujeito”Os movimentos sociais têm sido muito importantes para a efetivação dos direitos sociais garantidos na Constituição Federal, seja pela via legislativa ou pela via judiciária. A comunidade LGBTQ+ buscou através do Poder Legislativo o direito fundamental de todo ser humano, que é o direito à vida, já que o Brasil é violento para as/os cidadãs/os dessa comunidade. No entanto, com uma cultura fortemente cristã e conservadora, encontraram resistência para ter esse direito efetivado pela via legislativa, na medida em que os “representantes do povo” estão mais preocupados em se manterem no poderfortalecer e dar continuidade a este sistema opressor das minorias e manter o oásis para a classe burguesa. O protagonismo do Supremo Tribunal Federal se justifica, pois é o guardião da Constituição que, diante da omissão covarde do Poder Legislativo, agiu em prol de uma comunidade oprimida e violentada, ora por indivíduos, ora pela sociedade e ora pelo Estado, este, através de leis, ignora a existência de determinados cidadãos. Diante disso, quando determinado grupo social não consegue ter seus direitos legitimados pelo legislativo, torna-se legitimo sua busca pelo mecanismo judiciário. 

Nessa esteira, podemos entender que o protagonismo do poder judiciário, que não apenas ocorre em países como França e Estados Unidos, é um reflexo direto do avanço neoliberal sobre os direitos das minorias. Falarmos da existência da efetiva democracia em uma sociedade onde imperam as desigualdades sociais e crise de representatividade é questionável, no entanto, nos ajuda a entender que o protagonismo do judiciário não é um fenômeno jurídicos, mas sim social. Logo, à luz de Garapon, que denomina de “a magistratura do sujeito”, quando o sujeito busca efetivar seus direitos através do poder judiciário, entendemos que onde há omissão, precisa haver judicialização. Diz o autor: “Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno. Para responder de forma inteligente a esse chamado ela deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século, a qual poderíamos qualificar de magistratura do sujeito”. 

Portanto, o que muitos têm chamado de ativismo judicial, como aconteceu no julgamento do STF, que criminalizou o crime de homofobia, na realidade ocorre o processo de judicialização, que é quando o sujeito “magistrado” efetiva seu direito positivado. Antoine Garapon, valendo-se de sua experiência como magistrado, identificou que o indivíduo busca a tutela jurisdicional porque se sente “órfão” em uma sociedade com muitos “pais”, no caso, leis. Essa tutelarização do sujeito” é um fenômeno social, não jurídico, como bem lecionou o ministro Barroso: “Constitucionalizar uma matéria, significa transformar Política em Direito”. 


Edson dos Santos Nobre

2º Semestre      Direito/Noturno

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