domingo, 4 de julho de 2021

Autodestruição

 


 René Descartes, pensador francês, propôs um sistema filosófico que ficou conhecido como racionalismo, que preconizava que o conhecimento humano advém da razão e do intelecto, ao passo que as experiências práticas, os sentidos, poderiam levar à enganação. Sua célebre frase, que alude a esse sistema é: “Penso, logo existo”. O empirismo, por sua vez, era contrário ao racionalismo e fundamentava-se no princípio de que todas as ideias têm origem na experiência sensível.  Há, dessa forma, um embate entre um modelo matemático abstrato e dedutível (racionalismo) e a Física experimental (empirismo). Francis Bacon, pensador inglês, além de empirista, também é considerado um dos precursores do utilitarismo, pois ao afirmar que “saber é poder”, ele considerava que a finalidade do conhecimento era a melhoria da qualidade de vida em sociedade.

 Apesar de participarem de sistemas filosóficos diferentes, René Descartes e Francis Bacon convergiam ao pensar que o conhecimento, a ciência, deveriam servir de forma benéfica à humanidade, melhorando a vida dos homens. Isso seria possível principalmente por meio da dominação e exploração da natureza. Agora, saltando do século XVI para o XX, o filme “Ponto de Mutação”, baseado no livro de mesmo nome, de Fritjot Capra, físico austríaco, traz um intenso diálogo entre três personagens: um senador americano, um poeta e uma física que é cientista. Logo no início do diálogo, os três encontram-se em uma sala de relógios e aí que a física Sonia Hoffman faz um paralelo entre os relógios e o pensamento científico, que remonta aos pensadores Descartes e Bacon. É um pensamento mecanicista, como ela diz, que reduz tudo a fragmentos que não se relacionam com o resto.

 A personagem cientista Sonia é uma figura muitíssimo interessante e que encontrava-se naquela ilha francesa, onde conheceu os outros dois personagens, porque sua pesquisa científica havia adquirido fins outros do que ela idealizara. Fins militares. E aí é que surge uma discussão importantíssima, o de como a ciência, apesar de muito ter melhorado a vida dos homens, também pode adquirir outro propósito, tremendamente danoso e destrutivo, a exemplo das armas nucleares utilizadas em guerras. Além disso, em contraponto ao modelo mecanicista, Sonia propõe, insistentemente, uma nova percepção de mundo, que pense o mundo, suas relações e variáveis numa visão holística, que pode ser sintetizada na “Teoria Geral dos Sistemas”. Descartes e Bacon, que ela chama de mecanicistas, consideravam que a ciência deveria ser benéfica para sociedade e portanto, era preciso dominar a natureza para atingir essa finalidade. Será?

 A bomba atômica, por exemplo, é resultado da fissão de átomos. Grande conhecimento teve de ser construído para chegar a uma bomba, os átomos, por exemplo, são fonte de estudo desde a Antiguidade. Será que a dominação e a exploração da natureza realmente geram resultados benéficos? Aí é que a Teoria Geral dos Sistemas, que Hoffman apresenta no filme, ganha mais sentido. É cada vez mais claro, agora no século XXI, de como todas as “coisas” estão interligadas. O social, o ambiental, o econômico e a política não são dissociáveis. Um exemplo preciso e atual é a pandemia da COVID-19, que explicita essas inter-relações, uma vez que homem afeta o meio ambiente, doença afeta o homem e a economia, economia afeta o homem, política afeta a doença, que afeta o homem e por aí vai. Pandemias como esta podem ser frequentes no futuro se a relação entre homem/natureza/demais animais não for mudada. Se o ser humano domina e explora a natureza, ele domina e explora a si próprio, pois ele não apenas faz parte da natureza, ele é a natureza. A perspectiva de que o homem precisa ser o senhor da natureza, dominá-la, a fim de obter “progresso” ou melhor, lucro, só tem contribuído para o fim da humanidade, numa autodestruição.


Laura Ruas, direito matutino

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