segunda-feira, 20 de abril de 2020

Entre a barbaridade e a ambição: o direito de confrontar a ciência


Com seus primeiros registros em dezembro de 2019 na cidade chinesa de Wuhan, o novo tipo de Corona Vírus, o Sars-CoV-2, espalhou-se em torno do globo em questão de meses e causou uma crise de saúde alastrada. Não obstante, os impactos da pandemia puderam ser observados também na esfera político-social. Nesse cenário, a conjuntura brasileira destaca-se por um evidente descaso por parte do governo na figura do presidente da República Jair Bolsonaro, levantando como questionamento os limites do direito de confrontamento à ciência – à medida que essa se apresenta como o principal pilar para o enfrentamento da epidemia do vírus.
Existe uma relação estreita e tênue entre o ato de questionar a ciência em seus procedimentos e resultados e desmoralizá-la enquanto instituição que produz conhecimento. Ao passo que a ciência é necessária e vital para lidarmos com a situação em que vivemos, é preciso atribuir a ela critérios a fim de promover a sua própria eficiência. A exemplo dessa situação, compreende-se os estudos duvidosos do médico francês Ph.D. em doenças infecciosas Didier Raoult a respeito do uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e a fala do infectologista francês Luc Montagnier, prêmio Nobel de Medicina, acusando laboratórios chineses de terem produzido o vírus em busca da vacina para o HIV sem a apresentação de qualquer estudo científico que comprovasse sua afirmação. Nesses dois casos, a credibilidade dos currículos por trás desses nomes inflama suas constatações e promove teorias conspiratórias e falsas expectativas sob o ideário coletivo de uma população posta em condição de pânico. Uma vez que os estudos de Raoult são contestados por outros cientistas e a fala de Montagnier é refutada por estudos como uma “análise equivocada”, prova-se que é preciso questionar as informações provenientes do meio científico antes de atestá-las midiaticamente como fatos irrefutáveis.
Entretanto, enfatiza-se que esse confrontamento supramencionado não pode ser confundido com a desmoralização. Atitudes por parte do Governo Federal, como a exoneração do presidente do CNPq após esse pedir por mais verba para a realização de pesquisas e mais autonomia para a entidade, demonstram um claro obscurantismo predominante na visão e interpretação do presidente. Tal fato não o distancia daquilo que ele já manifestava durante sua candidatura e o passado ano de governo, porém atualmente, no meio de uma pandemia, torna-se nocivo à saúde pública e coloca vidas imediatamente em risco. Se, sobre a demissão do então ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro diz que esse “olhava exclusivamente para a questão da vida” e isso não “afinava com a ideia do presidente”, fica cristalino que o posicionamento do governo não é evitar que pessoas morram em decorrência da Covid-19 – à proporção que seu protesto contra isolamento social promove justamente a difusão do vírus que afeta principalmente populações mais vulneráveis.
Portanto, é notável que o equívoco, proposital ou não, entre os atos de questionar e banalizar a ciência leva a população ao seu respectivo colapso. A importância do conhecimento científico no combate à disseminação do Sars-CoV-2 destaca a periculosidade em discursos políticos anticientificistas ao mesmo tempo que evidencia a fragilidade da civilização perante a falta de informação endossada em experiências fidedignas. Entretanto, o direito de confrontar a ciência é necessário para assegurar sua própria credibilidade conforme essa é utilizada como escudo por nomes habilitados em prol das suas respectivas imagens perante a mídia global. Se para Machado de Assis, consagrado escritor brasileiro, a política torna-se uma especulação quando não parte de uma vocação, espelha-se a condição à ciência – que, mediante o contexto sobredito, passa a ser, na forma de abstração, um mecanismo da ambição antrópica.

Giovanna Spineli de Paiva – Noturno (1º ano)

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